quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Um Feliz Ano de 2009

Tal como fiz na véspera de Natal, deixo aqui ficar Thomas Hardy (1840-1928), com a sua ironia e o seu profundo cepticismo na humanidade, para o ano novo que se aproxima.

I (OLD STYLE)

Our songs went up and out the chimney,
And roused the home-gone husbandmen;
Our allemands, our heys, poussettings,
Our hands-across and back again,
Sent rhythmic throbbings through the casements
On to the white highway,
Where nighted farers paused and muttered,
“Keep it up well, do they!”

The contrabasso’s measured booming
Sped at each bar to the parish bounds,
To shepherds at their midnight lambings,
To stealthy poachers on their rounds;
And everybody caught full duly
The notes of our delight,
As Time unrobed the Youth of Promise
Hailed by our sanguine sight.

II (NEW STYLE)

We stand in the dusk of a pine-tree limb,
As if to give ear to the muffled peal,
Brought or withheld at the breeze’s whim;
But our truest heed is to words that steal
From the mantled ghost that looms in the gray,
And seems, so far as our sense can see,
To feature bereaved Humanity,
As it sighs to the imminent year its say:-

“O stay without, O stay without,
Calm comely Youth, untasked, untired;
Though stars irradiate thee about
Thy entrance here is undesired.
Open the gate not, mystic one;
Must we avow what we would close confine?
With thee, good friend, we would have converse none,
Albeit the fault may not be thine.”

December 31. During the War.


Thomas Hardy, At the Entering of the New Year (publicado em 1920).

O regresso de Brown, Howard & Hanks

Dito assim, parece mais uma daquelas firmas poderosas e obscuras de advogados saídas de um qualquer thriller judicial de John Grisham.
Mas não é, apesar de andarmos lá perto, trata-se de mais uns milhões para conta pessoal de Dan Brown, que prepara para a mesma altura o lançamento do seu novo romance, desta vez versando sobre os meandros e a influência tentacular da Maçonaria na democracia americana desde a proclamação da independência pelos Pais Fundadores em 1776.


Anjos e Demónios (Angels & Demons)

Realizado por Ron Howard, com argumento do repetente Akiva Goldsman e de David Koepp (novidade em relação a O Código Da Vinci, e já teve a seu cargo o argumento de filmes como o último Indiana Jones, Sala de Pânico, Homem Aranha ou Parque Jurássico), com a banda sonora novamente a cargo de Hans Zimmer, e com as interpretações de Tom Hanks, Ewan McGregor, Stellan Skarsgård, Armin Mueller-Stahl, entre outros, cabendo a representação do inevitável papel feminino emparelhador – usando o habitual e provável kitsch hollywoodesco: para as fugas pelas ruas de Roma de mão dada ao herói Hanks, no caso a interpretação da sensual cientista do CERN, Vittoria Vetra, uma expert em pró e antimatéria –, à actriz israelita de 39 anos Ayelet Zurer.

Estreia em Portugal, decerto com grande espalhafato mediático e uma tonitruante maledicência crítica, no dia 14 de Maio de 2009 (estreia mundial simultânea).

Música: O Melhor de 2008

Eis que, com esta lista, termina o arrolamento do melhor (e também do pior) que se pôde encontrar em três campos artísticos distintos – Cinema, Literatura e Música – no triste ano de 2008.
A última tarefa: ordenar, por ordem de preferência, os álbuns de pop, rock, música alternativa ou de tudo misturado – deixo essa tarefa aos rotuladores, patrulha zelosa e implacável perante a mínimo desacerto de catalogação – que, por ordem aleatória, foram sendo divulgados, à razão de um por dia, ao longo da última semana e meia.

Os Melhores Dez Álbuns Musicais de 2008 (por ordem de preferência):

  1. The Breeders, Mountain Battles (4AD);
  2. Portishead, Third (Island);
  3. Vampire Weekend, Vampire Weekend (XL);
  4. Nick Cave and the Bad Seeds, Dig!!! Lazarus Dig!!! (Mute);
  5. Deerhunter, Microcastle (Kranky/4AD);
  6. TV on the Radio, Dear Science (4AD/Interscope);
  7. Thievery Corporation, Radio Retaliation (Eighteenth Street Lounge);
  8. Los Campesinos!, Hold on Now, Youngster… (Wichita);
  9. The Kills, Midnight Boom (Domino);
  10. Bloc Party, Intimacy (Wichita).

Breve referência a cinco decepções, que não atingiram o nível da devastação emocional porque a última parte do trajecto das suas carreiras (com ou sem hiato) já vinha prenunciando a queda vertiginosa (por ordem alfabética da banda ou do cantor(a)):

  • Black Francis, SVN FNGRS (Cooking Vinyl);
  • Juliana Hatfield, How To Walk Away (Ye Olde);
  • Primal Scream, Beautiful Future (Atlantic);
  • The Verve, Forth (EMI);
  • Weezer, Weezer (The Red Album), (Geffen).

Outras categorias (insuportáveis):

  • Mercantilismo impudico: Coldplay, Viva la Vida or Death and All His Friends, que venha tudo, até um possível plágio e desde que pingue qualquer coisinha (nem com Delacroix ou com a ajuda de uns sais... Eno);
  • Se cantassem em português: Keane, Perfect Symmetry com o conjunto Albatroz e com o Marante, se este sozinho formasse um grupo;
  • Pedintes & quejandos: Ana Free, In My Place, mas sem amplificadores, por favor; ou na versão radical tampão para os ouvidos.

E por aí em diante… Tudo o que a criatividade, mais ou menos ordinária, permitir.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Literatura: Os Melhores de 2008

Das três listas de preferências que costumo divulgar no final do ano, esta é aquela cuja novidade, a sê-lo, reside apenas na ordem a dar aos livros editados em Portugal durante o ano de 2008.
Com efeito, desde que iniciei as lides blogueiras em Dezembro de 2005, é meu hábito manter em permanente actualização a listagem de livros que vou lendo, classificando-os em cinco categorias – do “Mau” ao “Muito Bom” –, reservando uma sexta – “Obra-Prima” – para aqueles cuja excepcionalidade literária obriga, desde logo, a uma distinção relativamente aos demais – o pior, é que esta última, dada a profusão de obras nela inseridas a cada ano, tem vindo a perder o peso da excepcionalidade.
Como referi, a novidade desta lista resulta apenas da singularização das obras, organizadas numa lista de preferências – prática que encetei, com alguma reserva mental, no ano passado, se bem que em 2006 houvesse destacado a melhor obra entre as melhores seleccionadas.
Só para recordar, deixo aqui ficar a lista dos vencedores dos últimos anos (como referi, explicitamente escolhido a partir de 2006, assumido por mim no ano de 2005):


  • 2005 – Kazuo Ishiguro, Nunca Me Deixeis, Gradiva (Never Let Me Go, 2005);
  • 2006 – Vladimir Nabokov, Convite para uma decapitação, Assírio & Alvim (Priglasheniye na kazn, 1936);
  • 2007 – Colm Tóibín, O Mestre, Dom Quixote (The Master, 2004) e, ex aequo*, Jonathan Littell, As Benevolentes, Dom Quixote (Les Bienveillantes, 2006).

    Nota: *decisão de igualização tomada no decurso do ano, depois de assentada a poeira, consolidou-se a certeza de se tratar de uma obra que perdurará como notável referência nas próximas décadas.

Este ano foram lidos e avaliados 48 livros editados em 2008 (50 em 2007), predominantemente de ficção, havendo-se revelado a avaliação de 46 (48 em 2007) e, entre esses, apenas 8 (contra a boa produção de notas de apreciação em 2007, 34) foram objecto de textos individuais de análise oportunamente publicados. Quanto à sua divisão pelas 6 grandes categorias qualitativas (ou 5+1) – de mau (1 estrela) a Obra-Prima (6 estrelas) –, foram classificados, para além das 2 obras não referidas, 2 livros como “Mau”, 2 como “Medíocre”, 8 com o designativo “A ler”, 13 como “Bom”, 16 como “Muito Bom” e, finalmente, 5 como “Obra-prima”.

Lista final (que podia ser uma repetição do palavreado usado no ano anterior dada a coincidência numérica):
Dos 21 livros que atingiram a classificação máxima “Muito Bom” (5 estrelas), houve cinco que se destacaram pela qualidade excepcional, daí haver-se adoptado o critério de desdobramento do nível máximo em dois patamares de avaliação, correspondendo o mais elevado à tal distinção pela excepcionalidade, apondo-se o natural epíteto de “obra-prima” (6 estrelas).
Assim, de acordo com o meu critério estético-literário, um conjunto de cinco obras publicadas (2 novidades e 3 reedições) destacou-se das restantes 16. As cinco figurarão por ordem de preferência nos cinco primeiros lugares da lista composta pelos dez melhores livros editados em 2008.

Eis, finalmente, a lista definitiva de Os Dez Melhores Livros de 2008 (por ordem de preferência):

  1. Robert Musil, O homem sem qualidades, vols. I e II, Dom Quixote (Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942);
  2. José Donoso, Casa de Campo, Cavalo de Ferro (Casa de Campo, 1978);
  3. Julio Cortázar, O Jogo do Mundo (Rayuela), Cavalo de Ferro (Rayuela, 1963);
  4. Herberto Helder, A faca não corta o fogo, Assírio & Alvim (2008);
  5. Gustave Flaubert, A Educação Sentimental, Relógio D'Água (L’Éducation sentimentale, histoire d’un jeune homme, 1868);
  6. Per Petterson, Cavalos Roubados, Casa das Letras (Ut og stjæle hester, 2003);
  7. Virginia Woolf, Rumo ao Farol, Relógio D'Água (To the Lighthouse, 1927);
  8. Maria Velho da Costa , Myra, Assírio & Alvim (2008);
  9. Knut Hamsun, Fome, Cavalo de Ferro (Sult, 1890);
  10. George Steiner, Os livros que não escrevi, Gradiva (My Unwritten Books, 2008).

Restantes 11 livros com classificação máxima (por ordem alfabética do autor), separados em dois grupos. O primeiro grupo integra as obras que potencialmente poderiam ter sido introduzidas, por substituição, na lista dos “Dez Melhores”:

1.º grupo

  • A. S. Byatt, Possessão, Sextante (Possession, 1990);
  • John Updike, Regressa, Coelho, Civilização (Rabbit Redux, 1971);
  • Mikhail Bulgakov, Coração de Cão, Nova Vega (Sobac’e Serdce, 1925);
  • Philip Roth, Património, Dom Quixote (Patrimony: A True Story, 1991);
  • Rawi Hage, Como a Raiva ao Vento, Civilização (De Niro's Game, 2006).

2.º grupo

  • Albert Sánchez Piñol, Pandora no Congo, Teorema (Pandora al Congo, 2003);
  • João Tordo, As Três Vidas, QuidNovi (2008);
  • Louis-Ferdinand Céline, Castelos Perigosos, Ulisseia (D’un château l'autre, 1957);
  • Mikhail Lérmontov, O Herói do Nosso Tempo, Relógio D'Água (Guerói náchevo vrémeni, 1840);
  • Paul Auster, Mr. Vertigo, Asa (Mr. Vertigo, 1994);
  • Robert Musil, A portuguesa e outras novelas, Dom Quixote (Zwei Erzählungen / Drei Frauen, 1911/1924).

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E assim começa, com uma espécie de introdução que se estende por 19 capítulos, a odisseia de Ulrich pelos meandros e teias da aristocracia do Império Austro-húngaro.
Uma descrição astronómico-meteorológica1. Um caso do qual, curiosamente nada resulta:

«Uma zona de baixas pressões sobre o Atlântico deslocava-se para leste, em direcção a um anticiclone situado sobre a Rússia; não denunciava ainda qualquer tendência para o evitar, e dirigia-se para norte. Os isotermos e os isóteros cumpriam as suas obrigações. A temperatura do ar mostrava uma relação normal com a temperatura média anual, com as dos meses mais frio e mais quente e com a oscilação mensal aperiódica. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, as fases desta última, de Vénus, dos anéis de Saturno e muitos outros fenómenos significativos correspondiam às previsões dos anuários da astronomia. O vapor de água no ar tinha atingido a sua tensão máxima e a humidade relativa era fraca. Para usar uma expressão que, apesar de um tanto antiquada, serve na perfeição para dar a realidade dos factos: era um belo dia de Agosto do ano de 1913.»
Robert Musil, O homem sem qualidades, p. 31
[Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Março de 2008, vol. I, 843 pp.; tradução de João Barrento; obra original: Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942.]

Manas Deal, de alguém que Vos reverencia (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Walk It Off”*
The Breeders – Mountain Battles (4AD)

*Em substituição da melhor música do álbum (e a mais apelativa à rememoração pixiana), “It’s the Love”, até à data, ainda sem de vídeo de promoção. Houve um tempo para tudo, uma vida bem vivida, por isso mesmo ficaram as marcas indeléveis da saudade pelas avidez, indiscrição e frivolidade de como ela era enfrentada a cada minuto, sem tempo de olhar a malefícios, danos ou desatinos.

Notas:
  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal foram revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns irão ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Cinema: Os Melhores de 2008, e não só…

Tal como havia prometido, hoje é o dia de anúncio dos 10 filmes que estrearam no ano de 2008 em salas de cinema portuguesas, que mais fizeram pulsar a minha veia cinéfila.
Preocupei-me sobretudo em encontrar – e sempre dentro do conjunto de 69 filmes que tive oportunidade de ver –, uma lista tão heterogénea quanto o possível, transnacional, englobando vários estilos, criadores consagrados e outros menos conhecidos.
Até chegar à lista final foram ultrapassadas várias etapas, que descrevo de forma resumida:

  • Identificar entre os cerca de 230 filmes estreados em Portugal em 2008, quais o que tinha realmente visto (e não foi uma tarefa fácil, uma vez que em alguns existia apenas um ideia difusa de os haver realmente visto): 69/230 (30%);
  • Depois limitei-me a assinalar os que pelas piores ou melhores razões não me tinham, de forma alguma, deixado indiferente: 50/69 (73%);
  • Seguidamente, separei os filmes por origem da produção, bastando para isso encontrar duas subclasses: Produzidos nos Estados UnidosNão Produzidos nos Estados Unidos: 34/50 – 16/50. Na prática, expurgados os “indiferentes” (19), apenas ficaram os medíocres e os que considerei “bons” ou “muitos bons”: 15/34 (44%) – 12/16 (75%);
  • Chegou a fase da “1.ª triagem”. De entre os 27 filmes provindos da etapa anterior, foram escolhidos 17 com hipótese de integrar a lista final de 10 filmes: 9/15 (53%) – 8/12 (67%).

A Selecção Final de 10 filmes, independentemente da origem de produção, resultou, por mero acaso, num equilíbrio de 5 filmes americanos e 5 filmes não norte-americanos.

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Eis Os Dez Melhores Filmes de 2008 (por ordem de preferência):

  1. O Lado Selvagem, de Sean Penn (Into the Wild, 2007);
  2. Darjeeling Limited, de Wes Anderson (The Darjeeling Limited, 2007);
  3. Corações, de Alain Resnais (Cœurs, 2006);
  4. Haverá Sangue, de Paul Thomas Anderson (There Will Be Blood, 2007);
  5. A Rapariga Cortada em Dois, de Claude Chabrol (La fille coupée en deux, 2007);
  6. Uma Segunda Juventude, de Francis Ford Coppola (Youth Without Youth, 2007);
  7. Caos Calmo, de Antonio Luigi Grimaldi (Caos Calmo, 2008);
  8. O Segredo de um Cuscuz, de Abdel Kechiche (La graine et le mulet, 2007);
  9. Vigilância, de Jennifer Lynch (Surveillance, 2008);
  10. Bem-vindo ao Turno da Noite, de Sean Ellis (Cashback, 2006).

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Agora, os restante 7 que, após alguma reflexão, foram rejeitados pela “última triagem”, mas que poderiam integrar a listagem dos 10+, substituindo as duas últimas posições (onde optei claramente pelo baixo orçamento em detrimento da megaprodução), organizados por ordem alfabética do título em português:

  • Antes que o Diabo Saiba que Morreste, de Sidney Lumet (Before the Devil Knows You’re Dead, 2007);
  • O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, de Andrew Dominik (The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, 2007);
  • Do Outro Lado, de Fatih Akin (Auf der anderen Seite, 2007);
  • Este País Não É Para Velhos, de Joel e Ethan Coen (No Country for Old Men, 2007);
  • Gomorra, de Matteo Garrone (Gomorra, 2008);
  • My Blueberry Nights – O Sabor do Amor, de Wong Kar Wai (My Blueberry Nights, 2007);
  • A Turma, de Laurent Cantet (Entre les murs, 2008).

Muitos filmes ficaram por ver (cerca de 161), a maioria deles por falta de tempo e do dom da ubiquidade, e muitos deles por não terem chegado às salas de cinema da Invicta. Entre os não vistos, alguns poderiam haver influenciado a lista final, de acordo com a crítica e com a análise de pessoas cuja opinião reputo de cinefilamente válida. Por isso destaco, por ordem alfabética do título em português, 10 filmes que não vi (i.e., putativamente influentes na lista dos 10+):

  • Alexandra, de Aleksandr Sokurov (Aleksandra, 2007);
  • Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes (2008);
  • Austrália, de Baz Luhrmann (Australia, 2008);
  • Berlim, de Julian Schnabel (Berlin, 2007);
  • Fome, de Steve McQueen (Hunger, 2008);
  • A Fronteira do Amanhecer, de Philippe Garrel (La Frontière de l’Aube, 2008);
  • Luz Silenciosa, de Carlos Reygadas (Stellet licht, 2007);
  • Quatro Noites com Anna, de Jerzy Skolimowski (Cztery noce z Anna, 2008);
  • O Silêncio de Lorna, de Jean-Pierre e Luc Dardenne (Le Silence de Lorna, 2008);
  • W., de Oliver Stone (W., 2008).

Finalmente, e pela primeira vez desde que entrei nisto da ostentação listómana no meu blogue, divulgo por ordem decrescente de náusea, fastio, charlatanice ou nódoa fílmica, a lista dos “Dez Piores Filmes de 2008” (sofreram um processo idêntico de selecção ao dos dez melhores) – eis os meus Razzies:

  1. Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street, de Tim Burton (Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, 2007);
  2. Capítulo 27 – O Assassinato de John Lennon, de J.P. Schaefer (Chapter 27, 2007);
  3. Angel – Encanto e Sedução, de François Ozon (Angel, 2007);
  4. Duas Irmãs, um Rei, de Justin Chadwick (The Other Boleyn Girl, 2008);
  5. O Sonho de Cassandra, de Woody Allen (Cassandra’s Dream, 2007);
  6. Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles (Blindness, 2008);
  7. Savage Grace – Desejos Selvagens, de Tom Kalin (Savage Grace, 2007);
  8. O Acontecimento, de M. Night Shyamalan (The Happening, 2008);
  9. Destruir Depois de Ler, de Joel e Ethan Coen (Burn After Reading, 2008);
  10. Os Amores de Astrea e Celadon, de Eric Rohmer (Les amours d'Astrée et de Céladon, 2007).

Também ficariam muito bem naquela lista as últimas obrazinhas, por vezes pretensiosamente arrevesadas, de realizadores consagrados como Kenneth Branagh (Sleuth pintaresco), Todd Haynes (Tô nem aí…), Steven Spielberg (Velhadas Jones), Paul Haggis (Panfletarismo david-goliano em Elah), Ang Lee (Brokeback Hetero) ou Frank Darabont (o sebastiânico, usando a marca do Carpinteiro); ou até, o acto falhado do pretenso neo-Ivory Joe Wright (Como expiar filmando com scanner).

Nota: nos próximos dias (já em 2009), se o tempo e a paciência o permitirem, escreverei um pequeno texto, à laia de justificação, para cada filme que integra a lista de «Os Dez Melhores Filmes».

Para o ano há mais (se por cá andar…)

Aperitivo: o Melhor e o pior…

Pois, o Melhor, com a ajuda de Jon Krakauer, e sobretudo de Eddie Vedder e Sean Penn:


Quando caminho a seu lado
Eu sou o melhor dos homens
Quando pretendo deixá-la
Volto sempre a vacilar

Uma vez construí uma torre de marfim
Para que a pudesse adular desde cima
Quando desço para me libertar
Ela enganou-me novamente

Há um grande
Um grande sol agreste
Que bate nas pessoas importantes
No mundo grande e sério

Quando ela vem para me saudar
Ela é a misericórdia aos meus pés
Diviso o seu charme natural
Ela limita-se a arremessá-la contra mim

Uma vez escavei uma cova recente
Para encontrar uma terra melhor
Ela apenas sorria e ria na minha cara
E voltava a impor as suas regras

Há um grande
Um grande sol agreste
Que bate nas pessoas importantes
No mundo grande e sério

Quando atravesso aquele rio
Ela acalma-se a meu lado
Quando tento compreender
Ela apenas abre as mãos

Há um grande
Um grande sol agreste
Que bate nas pessoas importantes
No mundo grande e sério

Uma vez deitei-me a perdê-la
E vi o que tinha feito
Curvei-me e desfiz-me das horas
Do seu jardim e do seu sol

Logo procurei desejá-la
Voltei-me para ver o seu choro
Quarenta dias e quarenta noites
E isso continua a castigar-me

Eddie Vedder, “Hard Sun”, Into the Wild [versão: AMC, 2008]


E o pior


Revelação: Hoje, depois das 20 horas.

O Regresso de Adebimpe & C.ª (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Family Tree”
TV on the Radio – Dear Science (4AD/Interscope)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal foram revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

domingo, 28 de dezembro de 2008

O Nobel e... a vaselina

«De repente, assalta-me uma ideia!… e se eles me dessem, a mim, o prémio Nobel?… seria uma ajuda formidável para o gás, as contribuições, as cenouras!… mas os palermas lá de cima não mo vão dar! nem o rei deles! dão-no a todos os panascas que se possa imaginar!… sim, os que mais vaselina usam em todo o planeta!… claro! está tudo decidido!… a si basta-lhe ter visto Mauriac, de casaca, inclinando-se como uma dobradiça, encantado, concordante, em cima do pequeno palanque… nada constrangido!… nada engasgado!… “oh! como é belo, gordo, o vosso Nobel!” dizia eu ontem a alguém… e esse alguém insurgia-se! “então! mas Nimier propõe-no a si!… ingrato!… você não leu? só precisa de um pouco de coragem!… escreva-nos outra Viagem e eles resolvem tudo!…” eu posso ter a minha opinião… pessoalmente, não acho a Viagem assim tão divertida…»
Louis-Ferdinand Céline, Castelos Perigosos, p. 43
[Lisboa: Ulisseia, Setembro de 2008, 362 pp.; tradução de Clara Alvarez; obra original: D’un château l’autre, 1957.]

Criptógrafos de Atlanta (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Agoraphobia”
Deerhunter – Microcastle (Kranky/4AD)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal foram revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Depois do hiato, regresso em grande (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“We Carry On”
Portishead* – Third (Island)

*E por favor, para cerca de 95% dos ouvintes/amantes da banda de Bristol que, decerto, não aprenderam a ouvi-la na saudosa XFM, o nome pronuncia-se como se “portis” e “head” fossem duas palavras separadas – evitem o dígrafo inglês “sh”, equivalente ao nosso “ch” –, tal como em “Brideshead”, o famoso vórtice dramático de toda a trama do romance de 1945 escrito por Evelyn Waugh (1903-1966), Brideshead Revisited (ed. port. Relógio D’Água, Reviver o Passado em Brideshead).

Notas:
  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal foram revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

Contrastes

Entre prendas e sorrisos. Velhas recordações e mesas cheias de tentações adiposas, de casa em casa, com espírito da quadra, mas sem vestígios expressos do motivo ancestral que nos acomodou frente a frente na revisão de um ano. Caras, corpos, razões, provindos de um mesmo código genético. Rugas que aparecem. Um inaudito cabelo branco que nos deixa siderados, de boca aberta… aquela que apenas se fecha para trincar, degustar, falar da vida, e de repetir até à náusea “parece que foi ontem”.
Sim, crescemos todos um pouco, mesmo que a acção não se tenha feito acompanhar da proposição “em” unida a expressões como “sensibilidade”, “razão para existir”, “paixão”, “alegria”, “compreensão”… “amor” – o que é isso?... Nunca nos questionámos, ou já não nos interrogamos sobre o significado das palavras, sobre a sua materialização em emoções. A vida corre voraz, galgando barreiras visíveis, poucas, ou, na sua maioria, imperceptíveis… envelhecemos… todos, sem excepção. É um belo espectáculo… enriquecemos? Bocas que se abrem e fecham e que proferiram aquilo que hoje já não recordamos. Não há memória, porque é demasiado dura e cara para a podermos alimentar…
Passou. As casas vazias durante uma noite e um dia, voltam a encher-se de quotidiano, apesar da festa que se avizinha… mais um ano, meus queridos… merda, mais uma ano.
Como é que te vou explicar isso, doce e caracolenta M.? Não me perdoaria se já houvesse ensaiado a decifração desta maldita existência, I. Dois e cinco anos, e um pai que vai definhando, de sorriso de orelha a orelha, qual histrião, palhaço treinado e consumado para suportar esta convivência infernal, protocolar… os outros. A mesquinhez, a indiferença, a maledicência, o arrivismo. O permanente estado de vigília para não ser espezinhado… cansa e estou exausto.
Mas quem não o está? Talvez, com dizia o “Pai da Pátria”, os “banqueiros delinquentes” que agora arfam como bestas pela ganância do dinheiro dos nossos impostos…

E poderia continuar, partindo do lúgubre para um conhecedor e exaltado J’accuse…! zoliano.

Mas, a despeito do palavreado inane acima registado em zeros e uns, o que, realmente, me trouxe a estas linhas foi a publicação de “A Tralha de 2008” no suplemento Ípsilon do jornal
Público de hoje (ontem) e a sua comparação com as listas que irei aqui publicar nos próximos dias 29, 30 e 31, os dez melhores filmes, livros e discos de 2008, respectivamente, segundo a minha única e íntima (e discutível, pois claro) opinião pessoal.

O contraste com a Ípsilon:

Música

  • 30 discos arrumados na secção “pop” (sem limão), organizados do melhor ao menos bom. Apenas 3 – em 30, é obra! – coincidem com a minha lista final: os Vampire Weekend, com o álbum Vampire Weekend; os Portishead, com Third; e os TV on the Radio, com álbum de originais editado em 2008, Dear Science. O restantes: ou são completamente desconhecidos para este ouvido que, confesso, já foi mais melómano; ou são aberrações, como os Buraka Som Sistema; ou, então, exaltou-se, de forma heteróclita, o experimentalismo dos tradicionais SYR’s dos mui estimados Sonic Youth – um faixa de 60 minutos de estridência.

Cinema

  • 10 filmes: 3 não vi (Austrália, Quatro Noites com Anna, e Aquele Querido Mês de Agosto); 2 integram o meu Top10; 4 integram o meu Top 17 (antes da tal “última triagem”, e serão apresentados no dia 29 por ordem alfabética); e finalmente há 1 que vi e foi colocado no conjunto de “indiferentes”, Nós Controlamos a Noite, de James Gray (We Own the Night, 2007).

Literatura

  • 20 livros: 13 não li, e desses apenas Capote e Bernhard constam da minha biblioteca para ler, os restantes acumularão sapiência literária na minha total ignorância; 2 foram lidos, mas de forma alguma integraram, ou tiveram sequer hipóteses de integrar, a lista dos meus 21 finalistas (Coetzee e Rushdie, atente-se na listagem que foi engrossando ao longo do ano na coluna do lado direito deste blogue); 5 foram lidos e integram a listagem final dos “10 Melhores”, depurada a listagem dos 21 possíveis.

Depois disto, só resta relembrar a agenda listómana deste blogue:

  • 29 de Dezembro – Cinema – Os Melhores Filmes de 2008 (estreados em salas de cinema portuguesas durante o corrente ano, independentemente do seu ano de produção);
  • 30 de Dezembro – Literatura – Os Melhores Livros de 2008 (editados, reeditados ou reimpressos durante o ano, em tradução portuguesa no mercado editorial nacional);
  • 31 de Dezembro – Música – Os Melhores Álbuns Musicais de 2008 (editados internacionalmente durante o ano de 2008).

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Dueto Transatlântico (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Last Day of Magic”
The KillsMidnight Boom (Domino)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal foram revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A lenda viva australiana (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“More News From Nowhere”*
Nick Cave and the Bad Seeds – Dig!!! Lazarus Dig!!! (Mute)

*Em substituição da mais caviana e melhor música do álbum, “Hold on to Yourself”, até à data, ainda não merecedora de vídeo de promoção – manda o mercado…

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • Hoje serão revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

Ratoneiros, Inc., nos tempos que correm… (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Sweet Tides” (c/ a participação de LouLou)
Thievery Corporation – Radio Retaliation (Eighteenth Street Lounge)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • Hoje serão revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A ironia de uma Véspera

imagem original, The Times, na 1.ª página de 24 de Dezembro de 1915


Publicado a 24/12/1915 (com o mundo em plena Grande Guerra) no The Times.

Feliz Natal!

Surpresa debutante (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Mansard Roof”
Vampire Weekend – Vampire Weekend (XL)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal serão revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Lissack & Okereke, de novo (“10+” de 2008)

Desde o passado dia 22, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue tem vindo a revelar, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.




“Talons”
Bloc Party – Intimacy (Wichita)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal serão revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns ficaram desde o dia 22 agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

As listas de 2008 (parte II)

O listómano revela a agenda de ostentação das suas listas – jardelizou-se e fala dele na 3.ª pessoa do singular.
Como foi referido aqui, até ao último dia do ano serão reveladas as listas dos melhores objectos artísticos em três áreas distintas.
O exibicionista já encontrou as datas para a grande divulgação:

  • 29 de Dezembro – Cinema – Os Melhores Filmes de 2008 (estreados em salas de cinema portuguesas durante o corrente ano, independentemente do seu ano de produção)*;
  • 30 de Dezembro – Literatura – Os Melhores Livros de 2008 (editados, reeditados ou reimpressos durante o ano, em tradução portuguesa no mercado editorial nacional);
  • 31 de Dezembro – Música – Os Melhores Álbuns Musicais de 2008 (editados internacionalmente durante o ano de 2008)**.

Notas:
*Neste momento, foi finalmente ultrapassada a fase da “última triagem”. A lista dos “10+”, organizada por ordem de preferência, está concluída e pronta para publicação. A título de curiosidade, nela constam 5 filmes americanos, 3 franceses, 1 italiano e 1 britânico.
**Na coluna do lado direito, vão surgindo os 10 melhores álbuns de 2008, assim como a hiperligação ao vídeo de cada um dos escolhidos (entre 22 e 30 de Dezembro), por ordem aleatória de escolha. Apenas no dia 31 surgirão, em texto, ordenados por preferência do autor deste blogue apasquinado (cuidado com as confusões linguísticas!)

From Cardiff, Gales (“10+” de 2008)

A partir de hoje, e sempre entre a 1 e as 2 da tarde, este blogue revelará, por ordem perfeitamente aleatória, os 10 melhores álbuns (de originais) musicais de 2008.



“You! Me! Dancing!”
Los Campesinos!Hold On Now, Youngster… (Wichita)

Notas:

  • No final do ano será divulgada a lista dos “Dez Melhores”, organizada por ordem de preferência;
  • No dia de Natal serão revelados dois álbuns;
  • Todos os álbuns irão ficar no dia de hoje agendados no Blogger para surgirem no intervalo de tempo determinado em cada dia.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Doutrina: literatura e coração

«A linguagem é um meio glacial, escarrapachado na página. Ao contrário de artistas e atletas, temos a possibilidade de reinventar, rever e reescrever por completo, se assim o quisermos. Antes de o nosso trabalho conhecer a versão em tipo de imprensa, tal como acontece gravado em pedra, mantemos o nosso poder sobre ele. A primeira versão pode ser algo confusa e cansativa, mas as versões seguintes levantarão voo e revelar-se-ão emocionantes e arrebatadoras. Só é preciso ter fé: não se pode escrever a primeira frase até a última frase ter sido escrita.
Só nessa altura saberás para onde vais e por onde andaste.
O romance é o mal para o qual só o romance constitui a cura.
E pela última vez:
Põe no papel tudo o que te vai no coração.» (p. 39)

«Põe no papel tudo o que te vai no coração.
Nunca tenhas vergonha do assunto, nem da paixão que sentes pelo assunto.
» (p. 35)

Joyce Carol Oates, “A Um Jovem Escritor”, A Fé de Um Escritor: Vida, Técnica, Arte (pp. 35-39).
[Cruz Quebrada: Casa das Letras, 1.ª edição, Setembro de 2008, 172 pp.; tradução de Maria João Lourenço; obra original: The Faith of A Writer: Life, Craft, Art; 2003.]

sábado, 20 de dezembro de 2008

A última triagem: Cinema

Basta fazer uma pequena prospecção pelos blogues nacionais, para verificar que alguns já se anteciparam às habituais listas de final do ano.
Por aqui, como tem sido hábito, divulgarei aqueles que, na minha mui íntima opinião pessoal, de acordo com os meus princípios artísticos e técnicos, atendendo sobretudo aos meus valores estéticos, nunca negligenciando as questões éticas ligadas ao fenómeno artístico, se distinguiram nas três áreas que preenchem, quase por completo, a minha sede insaciável por arte: Literatura, Cinema e Música.
No que diz respeito à literatura, as novidades – ou as eventuais surpresas – para quem me lê são escassas, uma vez que desde o início do ano (neste caso, o de 2008) figura na coluna do lado direito deste blogue um conjunto de livros lidos, editados e traduzidos em Portugal durante o corrente ano, organizados por nota de apreciação literária. A tarefa mais árdua consiste em dar-lhes uma ordem e escolher apenas dez entre os que se distribuem pelas categorias “obra-prima” e “muito bom” (6 e 5 estrelas, respectivamente).
No caso da música, o grau de insondabilidade é maior, dadas as curtas referências que a ela faço no decurso do ano, para além de existir uma jukebox sempre activa neste blogue, na medida em que, desde que me conheço, a volatilidade das preferências é extremamente alta: um disco idolatrado durante dez, quinze, vinte dias pode facilmente passar à categoria dos “odiados”, não só devido ao enjoo produzido pela repetição, como também por algum refinamento que a audição aturada produz.
Finalmente, na 7.ª arte, algumas das minhas preferências vão sendo aqui reveladas em textos escritos ao longo do ano – neste caso, filmes estreados em salas de cinema portuguesas em 2008. Apesar de dar um grande destaque aos meus ódios fílmicos depois de, penosamente, ter assistido à sua projecção no grande ecrã, também escrevi textos encomiásticos e de profunda admiração por determinada obra cinematográfica que acabara de assistir: surpresas, novidades e confirmações de talento.

Tendo iniciado a análise metódica de todos os filmes estreados em 2008 em Portugal – processo que foi explicado aqui, uma vez que não mantenho um ficheiro actualizado sobre os filmes que vou vendo e a sua nota de apreciação pessoal, como faço com os livros que vou lendo –, alcancei, por fim, a fase da última triagem, ou seja, consegui, através de algumas filtragens, chegar a uma listagem final… ou melhor duas (atendendo ao critério “produzido/não produzido nos Estados Unidos”).

Por enquanto, de acordo com o trabalho realizado, posso divulgar os seguintes dados:

  • Total de filmes vistos: 69;
  • Filmes anódinos ou indiferentes (sem separação do país de origem de produção): 19;
  • Filmes de produção americana: 34 (Bons ou Muito Bons: 15; Medíocres: 19)
  • Filmes de produção não americana: 16 (Bons ou Muito Bons: 12; Medíocres: 4)

Fase em que me encontro neste momento (a tal que precede a última triagem):

  • Total de filmes passíveis de integrar a lista dos “10 Melhores Filmes de 2008”: 17;
  • Americanos: 9/15;
  • Não Americanos: 8/12 (4 franceses, 2 italianos, 1 britânico, 1 turco/alemão/italiano).

A lista definitiva dos “10+” será apresentada num dos dias do intervalo fechado de 28 a 31 de Dezembro. Até lá, que venha o diabo e escolha… Aceitam-se apostas.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Há alguém que se desculpa…

…com RICKY

Aceito...

AFI Awards 2008

Por puro esquecimento, não foram aqui despejados os títulos dos dez filmes vencedores dos prémios anuais do American Film Institute (AFI), anunciados no passado domingo, dia 14 de Dezembro.

Ei-los, por ordem alfabética (título em português, caso exista):

  • O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan (The Dark Knight)
  • O Estranho Caso de Benjamin Button, de David Fincher (The Curious Case of Benjamin Button)
  • Frost/Nixon, de Ron Howard
  • Frozen River, de Courtney Hunt
  • Gran Torino, de Clint Eastwood
  • Homem de Ferro, de Jon Favreau (Iron Man)
  • Milk, de Gus Van Sant
  • WALL-E, de Andrew Stanton
  • Wendy and Lucy, de Kelly Reichardt
  • The Wrestler, de Darren Aronofsky

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

As listas de 2008

Há dias, contando o tempo que me resta entre relatórios, trabalhos e compras de última hora, cheguei à conclusão que, no habitual exercício de ostentação dos meus filmes preferidos estreados nas salas de cinema portuguesas durante o ano, a lista de 2008 estava praticamente encerrada. Não há tempo, não há vícios...
Depois, com as úteis ferramentas disponíveis à mão de semear, o exercício é simples: Cinema PTGate/Arquivo/Estreias em Portugal/2008; seleccionar a lista de filmes estreados desde Janeiro até hoje e copiá-los para uma folha de cálculo; na célula à frente da que contém o nome de cada filme apor uma nota de classificação; se preferir, acrescente outros critérios – eu acrescentei um segundo critério: “de produção americana/outros”.
Se os ditos “de produção americana” não constituem qualquer tipo de problema no seu acesso, já os filmes produzidos fora da máquina colossal de Hollywood, e de alguns independentes que gravitam em seu torno, são um verdadeiro desespero para o cinéfilo exibicionista, aquele que gosta de ostentar as suas preferências.
O caso paradigmático é o circuito comercial dos filmes de produção europeia: não chegam, pura e simplesmente, às salas de cinema da segunda cidade do país; onde, atendendo à lei das probabilidades, é bem possível que aí subsista e procrie a segunda maior comunidade portuguesa de cinéfilos
.
Chego ao fim da tal lista, ordenada cronologicamente pela data de estreia, e fica de fora uma mão-cheia de filmes que, inevitavelmente, incluí na minha lista de desejos. Por outras palavras, aqueles filmes que, de início e de forma ardente, pretendia assistir à sua projecção em sala de cinema – e isto, claro, desde que não inclua uma aberração de usufruto de serviços prestados por empresas como a Brisa, a TAP, a CP, os Cruzeiros Costa, qualquer meio da frota pesqueira das Caxinas, o Clube de Parapente de Linhares da Beira ou a Panamá Jack (esfoladas com paragem de meditação em Fátima).
A Medeia Filmes não traz os filmes menos comerciais ao Porto, ou quando o faz, já a Fnac ou a Blockbuster fizeram com eles uns milhares de euros com a compra e aluguer, em DVD ou Blu-Ray, ou por hipótese caíram nas firmes e sossegadas teias do olvido. Mas mesmo que os traga, são exibidos num conjunto de quatro salas de cinema incrivelmente anacrónicas, com um sistema de som que se aproxima grotescamente dos saudosos e surdos tempos de Buster Keaton, deixando o século XXI a milhas de distância; com o grande ecrã colocado em cima, no 2.º andar – muito bom para os bolsos já recheados dos ortopedistas portugueses na desempanagem dos belos, flexíveis e curvilíneos pescoços (e apetitosos para Vlad), e nada de menos recomendável para um visão sã e descansada, confirmado até por qualquer oftalmologista de pacotilha; cadeiras rangentes, duras, e verdadeiros aparelhos de tortura por entalação – repito, para que não julguem que me equivoquei no emprego do vocábulo anterior dada a proximidade fonética e de grafia com outro porventura mais desconfortável e até porque invoquei, a despropósito, o mestre dos mestres na nobre arte, o tal de Vlad, disse entalação.
Com que autoridade cinéfila poderei fechar uma lista deste género sem ter visto Hunger, ou Je Veux Voir, ou La Frontière de l’Aube, ou Le Silence de Lorna ou até Lou Reed’s Berlin, entre muitos outros?
O motivo desta excitação não é, como é óbvio, aquilo que um arrolamento de preferências representa, mas a sobranceria cultural com que se trata os rurais da burguesa Invicta.
Cidade onde a Cinemateca Portuguesa vai funcionar em três pólos… à laia de uma “volta ao Porto em filme de culto, antigo ou raro”. Até os que sofrem pela arte dificilmente conseguem engolir uma situação destas, arranjada (é o termo, com toda a sua carga pejorativa) pelo Sr. Ministro engalanado de dialogante, extraído da fina cepa causídica lisboeta.
Com este centralismo voraz, ainda iremos chegar à altura em que, perante as escolhas possíveis de filmes exibidos durante o ano, a minha lista incluirá dez filmes que terão de ser ordenados não por grau íntimo de brilhantismo e de admiração decrescente, mas por grau de atenuação de enjoo e de horror (por mera hipótese académica, eis um exemplo ilustrativo baseado na listagem de filmes estreados este ano em solo luso; em letra pequena, para não ferir susceptibilidades):

  1. P.S., I Love You*, de Richard LaGravenese (ou o meu profundo amor a Sócrates e a tudo o que ele representa)
  2. Alien vs Predador 2, da brilhante dupla fraterna Colin e Greg Strause (Aliens vs Predator – Requiem)
  3. Uns Espartanos do Pior, da mais brilhante dupla não fraterna Jason Friedberg e Aaron Seltzer, (Meet the Spartans)
  4. Capítulo 27 - O Assassinato de John Lennon**, de J.P. Schaefer (Chapter 27)
  5. 10.000 AC, de Roland Emmerich (10,000 BC)
  6. Angel – Encanto e Sedução**, de François Ozon (Angel)
  7. High School Musical 3: Último Ano, de Kenny Ortega (High School Musical 3: Senior Year)
  8. Não Me Toques nas Bolas, de Robert Ben Garant (Balls of Fury)
  9. Saw 5 – A Sucessão, de David Hackl (Saw V)+
  10. Ensaio sobre a Cegueira**, de Fernando Meirelles (Blindness)+

Notas: *Abandonado ao minuto 15 de exibição.
**Heroicamente vistos na íntegra e profundamente detestados.
Quanto aos restantes (sem asterisco solitário ou duplo) não foram sequer vistos. Trata-se, por um lado, de uma questão paranóica de higiene e, por outro, do mais genuíno dos preconceitos fílmicos.
+Por mero acaso, aparecem juntos, mas são semanticamente desconexos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Um forte sentimento II

«Há duas coisas que me enchem de horror: o carrasco dentro de mim e o machado por cima de mim.»
Stig Dagerman, A Ilha dos Condenados, p. 7

[Lisboa: Antígona, 1990, 241 pp.; tradução de Miguel Serras Pereira; obra original: De dömdas ö, 1946]

Falta-me tempo (forte sentimento)

E o tempo, afincado na sua recta que o desloca ao infinito, com as suas marcas indeléveis, assinala três anos de divagação por este mundo de paradoxos, estridente, confessional, histérico, fraterno, egoísta, ambicioso e catártico – a blogosfera.
Intermitências. Amuos, júbilos, irritações, partilha... sobretudo, partilha. Começou com o Porque a 17 de Dezembro de 2005, prosseguiu com o In Absentia em 2 de Dezembro de 2007, termina com o Nunca Mais, inaugurado a 30 de Abril de 2008.

A todos (2 leitores e meio), antecipo-me, agradeço a vontade (ou a realização) de celebrar com palavras este momento, sem mais tarde – perdoem-me! – discriminar por escrito a, certamente, extensa lista de bloggers que assinalou a data.

Termino com um dos meus poetas favoritos, cuja morte se assemelha em muito àquela que está na origem da permanente inquietação que me trouxe até aqui; até no tal tempo emparedado por nascimento e morte.

Deixando a métrica e a prosódia de lado, e a minha profunda perplexidade pela quase inexistência de Keats em versão portuguesa, aqui fica um dos meus sonetos preferidos, que ilustra bem o ânimo que por aqui assentou arraiais.

[na sua versão original, trata-se de um soneto inglês, composto por três quartetos e um dístico, com versos em pentâmetro jâmbico – métrica integralmente descurada na versão que se segue, por falta de ciência e paciência do celebrante.]

Quando temo o fim próximo da minha existência
Antes que a pena haja respigado meu cérebro atulhado,
Antes do monte de livros, símbolos e sinais em coerência,
Armazenados como grão maduro em celeiros abonados;
Quando observo o rosto da noite de estrelas manchado
Símbolos gigantescos e nebulosos de um amor-desatino,
E pensar que poderei não viver para haver esboçado
As suas sombras, através da mão mágica do destino;
E quando sinto, ser encantador de um dia radioso,
Que não mais poderei divisar as tuas formas ardentes,
Apreciar o dom das fadas e sentir-me poderoso
De amor irreflectido! – e logo nas vertentes
Deste mundo imenso estou só, vem-me em pensamento,
Até o amor e a fama se afundam no esquecimento.

John Keats (1795-1821), “When I have fears that I may cease to be” (escrito em 1817; 1818) [versão de AMC, 2008].

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Para perguntas idiotas…

…respostas à medida.

No blogue do New York Times, Paper Cuts, “Perguntas Vadias a…

«GC: Neste momento, está a trabalhar em quê?
MP: Em primeiro lugar, no meu falsete à Bee Gees no chuveiro. Depois, na paz mundial – se por “paz* mundial” estivermos a falar em código para um livro cuja história se passa numa vila espanhola, baseada no meu desejo, de há muito, em provar um certo pedaço* de queijo tão efémero e mundialmente famoso que só por uma vez lá foi feito.» (continue a ler no NYT)
[Tradução: AMC]

*Nota: intraduzível em português: palavras homófonas “peace” (paz) e “piece” (pedaço).

GC – Gregory Cowles (Paper Cuts)

MP para Paterniti, Michael Paterniti, o homem que a bordo de um Buick Skylark conduziu através da América profunda o patologista octogenário Thomas Harvey e o cérebro de Albert Einstein, acondicionado num Tupperware colocado na bagageira, para que o segundo, quarenta anos após a morte do cientista, o pudesse entregar à neta do terceiro, Evelyn Einstein, que vivia na Califórnia. Escreveu Ao Volante Com Mr. Albert: Uma Viagem através da América com o Cérebro de Einstein (ed. port. Teorema; Driving Mr. Albert: A Trip Across America with Einstein's Brain, 2000).

Nota: Thomas Stoltz Harvey (1912-2007) foi o homem que autopsiou o corpo de Albert Einstein quando este morreu a 18 de Abril de 1955 no Hospital de Princeton.
No entanto, por amor à ciência, Harvey não só manteve o cérebro na sua posse durante 41 anos, como o seccionou em mais de duzentas partes, nunca apresentando quaisquer resultados das possíveis análises patológicas, e, pasme-se, qual Robin dos Bosques da ciência forense, forneceu amostras do cérebro a quem o houvera solicitado. A acrescentar a tudo isto, há a errância de Harvey por diversos Estados americanos, sempre transportando o cérebro do pai da Teoria da Relatividade; até que, em 1996, regressa a Nova Jérsia e o entrega, definitivamente, ao Chefe de Patologia do Hospital de Princeton, Elliot Krauss para posterior estudo (note-se que todas as conclusões forenses, hoje em dia conhecidas, sobre o cérebro de Einstein são relativamente recentes dado este episódio rocambolesco que durou mais de quatro décadas).

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Se7en – Sete no Mercado de Capitais

[Imagem: ©Jornal de Negócios (15/12/2008); da esquerda para a direita: Jorge Jardim Gonçalves, Paulo Teixeira Pinto, Filipe Pinhal, Alípio Dias, Christopher de Beck, António Castro Henriques, António Rodrigues.]
O regulador reactivo reagiu. Com lentidão e parcimónia, sete, mágico. Espera-se por sangue, momentos difíceis, trágicos.
Não, não se trata dos tercetos dramáticos de Conrad, a que Roth se referia no seu penúltimo romance; Zuckerman rememorando a Linha de Sombra (The Shadow Line, 1917). E, então, que se cite a obra do excelso viajante polaco-britânico Józef Teodor:

«Só os jovens passam por momentos assim. Não quero dizer os novos demais; esses não conhecem, para falar verdade, momentos propriamente difíceis. É dado à adolescência o privilégio de viver antecipadamente os dias da sua vida na plena continuidade admirável de uma esperança» (p. 13)

E prossegue:
«O tempo também continua para diante – até que avistamos, mergulhando mais fundo, uma linha de sombra que nos previne de que o país da adolescência terá igualmente que ser deixado para trás.» (p. 14)
[ed. port. Relógio D’Água, 1984; tradução de Maria Teresa Sá e Miguel Serras Pereira.]
Mas aqui a Linha de Sombra é mais difusa, longe da costa, offshore… longe do coração e da supervisão.
(Já nem se fala sequer dos empréstimos concedidos a familiares e amigos ou a comparsas noutras empresas sem garantias…)

Por outro lado, será difícil invocar, a não ser por recurso a um trocadilho de baixo nível literário (ver título), a obra cinematográfica de Fincher, ou o épico divino de Dante, guiado por Virgílio, e a visão dos apocalípticos círculos do Inferno, porque a amálgama pecadora não permite uma discriminação e posterior classificação dos vícios: não se trata, apenas e só, de avareza. É muito mais que isso, é toda uma cultura que se foi enraizando pelas condições meteorológicas favoráveis: impunidade perene a soprar de todos os quadrantes, até mesmo inabalável por um furacão qualquer… sistema inafrontável, eterno, massacrante, iníquo.

(Os Estados Unidos, esse conglomerado gigante e proselítico do capitalismo, o império de todos os males, o paraíso da ganância e dos miseráveis à laia de Hugo, vai dando exemplos ao mundo – embora, tenha de convir, ainda bem longe da perfeição – das reais consequências dos homólogos perpetradores de crimes económicos e financeiros: Enron, WorldCom & C.ª)

Por cá, paradoxalmente, continua a ser muita parra para um país produtor de vinhos de qualidade e de um ímpar licoroso, suave e generoso, do Porto, bem na linha da costa.

Satellite Awards 2008

Mais uma jantarada, álcool (e, sem querer ser má-língua – não, não resultou nada com nariz –, muita coca a correr pelas notas de dólar nos toilets dos famosos do Grand Salon do InterContinental Hotel de Los Angeles), mais prémios para o cinema, mais uma lista que é literalmente despejada neste blogue – se exceptuarmos a preocupação deste que vos escreve para encontrar os títulos em português dos filmes a concurso.

Vencedores da noite: Slumdog Millionaire de Danny Boyle (3 prémios), que parece haver perdido o seu par, a indiana Loveleen Tandan, e Austrália (Australia*) de Baz Luhrmann (3 prémios em categorias técnicas); o excelente Gomorra de Mateo Garrone, baseado no livro do autor ameaçado de morte Roberto Saviano, continua a contabilizar prémios; assim como Wall-E na animação, sem rival à altura.

[*de notar a importância desta destrinça proparoxítona para a sobrevivência da língua portuguesa]

Eis, então, sem mais delongas e solilóquios, os vencedores da 13.ª edição dos Prémios Satellite 2008, atribuídos pela International Press Academy, sediada em Beverly Hills, Califórnia, nas diferentes categorias – Cinema (14 das 22 categorias):

  • Melhor Filme (Drama): Slumdog Millionaire, de Danny Boyle
  • Melhor Realizador: Danny Boyle, por Slumdog Millionaire
  • Melhor Argumento Adaptado: Peter Morgan, por Frost/Nixon (de Ron Howard)
  • Melhor Argumento Original: Thomas McCarthy, por The Visitor (de Thomas McCarthy)
  • Melhor Actriz (Drama): Angelina Jolie, em A Troca (Changeling; de Clint Eastwood)
  • Melhor Actriz Secundária: Rosemarie DeWitt, em O Casamento de Rachel (Rachel Getting Married; de Jonathan Demme)
  • Melhor Actor (Drama): Richard Jenkins, em The Visitor (de Thomas McCarthy)
  • Melhor Actor Secundário: Michael Shannon, em Revolutionary Road (de Sam Mendes)
  • Melhor Filme (Comédia ou Musical): Um Dia de Cada Vez (Happy-Go-Lucky), de Mike Leigh
  • Melhor Actriz (Comédia ou Musical): Sally Hawkins, em Um Dia de Cada Vez (Happy-Go-Lucky; de Mike Leigh)
  • Melhor Actor (Comédia ou Musical): Ricky Gervais, em Ghost Town (de David Koepp)
  • Melhor Filme (Língua Estrangeira): Gomorra (Gomorrah, título em inglês), de Matteo GarroneItália
  • Melhor Filme (Animação): Wall-E, de Andrew Stanton
  • Melhor Banda Sonora Original: A.R. Rahman, por Slumdog Millionaire (de Danny Boyle e Loveleen Tandan)

Nota: o filme dos irmãos Coen, Este País Não É para Velhos (No Country for Old Men), baseado no romance homónimo de Cormac McCarthy, continua a facturar. Desta feita ganhou o Satellite Award para o “Melhor DVD” (no seu conjunto); enquanto Homem de Ferro (Iron Man, de Jon Favreau) ganhou pelos melhores extras em DVD. Já Francis Ford Coppola – a quem ninguém atribuiu importância pelo seu excelente filme nietzschiano Uma Segunda Juventude (Youth Without Youth), baseado num romance do escritor e filósofo romeno Mircea Eliade – ganhou na categoria de “Melhor DVD Clássico” pelo pack da versão restaurada da trilogia O Padrinho (The Godfather).

domingo, 14 de dezembro de 2008

Ficção

«Mas não será o nosso coeficiente de dor suficientemente chocante sem a amplificação ficcional, sem dar às coisas uma intensidade que na vida real é efémera e por vezes até invisível? Para alguns, não. Para outros, poucos, muito poucos, essa amplificação, que se desenvolve hesitante a partir do nada, constitui a única segurança, e a vida não vivida, a vida conjecturada, minuciosamente passada ao papel, é aquela que acaba por ser a mais importante.»
Philip Roth, O Fantasma Sai de Cena, p. 145
[Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Novembro de 2008, 285 pp.; tradução de Francisco Agarez; obra original: Exit Ghost, 2007]

sábado, 13 de dezembro de 2008

14.ª volta

(A) A 6 de Novembro de 2006, os dez excelsos membros da Academia Goncourt reunidos ao jantar no habitual primeiro piso do restaurante Drouant, na rua Gaillon em Paris, decidiram atribuir prestigiado Prix Goncourt ao romance As Benevolentes (Les Bienveillantes) do escritor norte-americano Jonathan Littell, por unanimidade e aclamação. Aliás, as declarações do júri posteriores ao anúncio podem sintetizar-se nas palavras enfáticas do autor espanhol Jorge Semprún (um dos dez membros): «um acontecimento assombroso»; «o livro acontecimento do último meio século»; ou «Dentro de uma ou duas gerações, os jovens saberão o que se passou em meados do século XX graças a um romance com este.» Concordo, e quando o li, desacompanhado de outros livros que pudessem fazer divergir a minha mente focada para aquele objecto, também entrei na espiral de hipérboles (a geometria do exagero encomiástico), colocando-o de imediato na lista dos meus dez livros de sempre (ainda tenho de ver qual foi o destronado…)

(B) A 5 de Novembro de 2007, o mesmo júri escolhia para vencedor do prestigiado prémio das letras francesas ou francófonas, o romance do autor francês Gilles Leroy (n. 1958), Alabama Song. Segundo noticiou o Público na altura, o vencedor apenas foi eleito numa 14.ª volta de votações à mesa do Drouant, em acesa disputa com o romance de Olivier Adam, A l’abri de rien.

O que distingue ambos os vencedores?
Tudo. A começar pela nacionalidade e a acabar na volumetria biblíaca (conceito construido agora a preceito): nas edições portuguesas, (A), editado pela Dom Quixote, dispõe de 895 páginas, totalmente preenchidas por uma letra potencialmente geradora de problemas do foro oftalmológico; (B), editado pela Esfera do Caos, estende-se por 172 páginas, tamanho de letra normal, algumas páginas em branco e bastantes espaços entre parágrafos, e apenas menos centímetro e meio de comprimento relativamente a (A) (22 contra 23,5 cm; apresentam a mesma largura: 15 cm). Embora, os junte o instrumento História – embora em dimensões diferentes, o período mais negro da historiografia do século XX, no primeiro caso, e o negrume de um casamento atribulado e falhado, no seio do voraz mundo literário, de um dos casais mais famosos nos anos vintes do mesmo século: Zelda e Francis Scott Fitzgerald –, a pulsão especulativo-melodramática acentua-se exponencialmente no segundo. Se em As Benevolentes a história enquadra um nazi empedernido que, para sair incólume, se movimenta silenciosamente e sem piedade sobre os escombros da barbárie; em Alabama Song, a narrativa é-nos contada na primeira pessoa por uma vítima, Zelda, onde a barbárie se transforma num putativo espezinhamento psíquico infligido pelo marido, Scott, na sua busca da fama e da glória no meio mundano das letras norte-americanas de principio de século.

Fim de comparação. Quiçá um exercício potencialmente desonesto quando falamos de duas obras literárias distintas, com pretensões díspares, que, por fortuna ou por azar, depende da perspectiva, foram unidas pela atribuição consecutiva do prémio literário, concedido a uma obra de ficção, mais importante no pentágono (geográfico) francês.

Alabama Song é uma obra de ficção que parte de acontecimentos verídicos, cujo desenvolvimento retrata, na voz ficcional de Zelda Sayre (futuramente apelidada de Fitzgerald), em pouco mais de centena e meia de páginas, a vida (a começar pela sua infância em Montgomery, no Estado do Alabama) e a morte de uma das mais conhecidas, badaladas e vituperadas mulheres entre os escritores norte-americanos de “A Geração Perdida”.
Zelda (1900-1948), filha de um austero juiz e presidente do Supremo Tribunal do Alabama, neta e sobrinha-neta de proeminentes senadores, é a mais nova de seis filhos de um casal abastado tipicamente sulista, que respirava o miasma que, no virar do século, persistia ainda no ar, emanado da relativamente recente guerra da Secessão e das práticas de escravidão sulistas nas grandes plantações de tabaco ou de algodão. A história real parte, então, de uma sociedade onde se legitima e pratica às claras a segregação racial – trocadilho involuntário –, fortemente machista e puritana, que não se adequa com as eternas rebeldia e juventude de Zelda e da sua amiga e companheira inseperável de infância Tallulah Bankhead, num futuro próximo famosa e escandalosa estrela de Hollywood e dos palcos, em concomitância com os bistros e leitos, sem discriminação de género (diz-se), de gente famosa.
Em 1918, a sua vida dá uma volta completa. Zelda conhece num baile do Country Club local o Tenente Scott Fitzgerald (1896-1940) «tem vinte um anos e possui já muitos talentos. […] escreve novelas que a imprensa irá publicar em breve, tem a certeza; é asseado e elegante, sabe francês – foi graças ao conhecimento da língua francesa que foi promovido a Tenente da infantaria depois das aulas em Princeton, onde os francófonos gozam de um privilégio que os catapulta a oficiais» (p. 18).
Scott foi colega de Edmund Wilson e de John Peale Bishop em Princeton, com quem se introduz nas lides literárias antes do alistamento, e que o irão ajudar no início da sua carreira em tempos de paz. Também eles serão vítimas, revela o autor, da fúria de Zelda.
Segundo reza a história e de acordo com uma promessa arrebatada só ao alcance de um espírito lírico, Scott só aceitaria casar-se com Zelda quando se tornasse num escritor famoso – visionado por ele, um peralvilho narcísico, como uma inevitabilidade. Nos meses em que se refugia na estridência de Nova Iorque, Scott escreve The Romantic Egotist, que é sucessivamente recusado por uma miríade de editoras: «Ele chamou-lhe “O Egotista Romântico”, um título de não entusiasmar ninguém […] Claro que ele não ouve os meus reparos: só lhe interessam os elogios enamorados de Winston [Edmund Wilson] e Bishop, os seus lambe-botas de Princeton. Eles também querem escrever. O que é que todos eles têm, estes jovens tipos, para desejarem ser escritores? Contentem-se em ser ricos e célebres!» (pp. 32-33). Mais tarde, Scott, derrotado e endividado, regressa às cidades gémeas (em concreto St. Paul) e o romance é rescrito e acrescentado, e a Scribner resolve finalmente publicar o manuscrito sob o título This Side of Paradise (ed. port. Relógio D’Água; Este Lado do Paraíso).
Zelda abandona o Alabama e casa com Scott Fitzgerald na Catedral de São Patrício em Nova Iorque.
Aqui começam os tormentos do casal, agravados pelo nascimento da sua única filha em 1921, Patricia Frances, e o fenómeno da errância boémia na vida de Scott, destilando o seu «hálito fétido» (álcool) entre Paris, a Riviera francesa, Roma, Capri.
Entretanto, Zelda apaixona-se por um jovem aviador francês Edouard Jozan, com quem mantém um tórrido romance e concebe um ficcionado filho que Scott mandou desembaraçar. O romance termina ao fim de um mês, com o famoso encarceramento de Zelda na sua própria casa, imposto pelo marido e guardada por um casal de campónios assaz soturno.
Scott mergulha na boémia francesa, embrenha-se nas tertúlias etílicas em casa de Gertrude Stein, conhece Hemingway, detestado por Zelda e que, no entanto, surge no romance de Leroy com o nome fictício “Lewis O’Connor”, facilmente descortinável por qualquer pessoa que se interesse minimamente por literatura: «Depois este monte de banha entrou na nossa vida. O amador de touradas e de sensações fortes. O escritor mais puta e a glória ascendente do nosso país. Não era assim tão gordo e tão célebre na altura. Não tinha sequer publicado nada. […] Fiquei imediatamente chocada com a arrogância de Lewis, com o convencimento que só os imbecis e os falsos artistas têm de si mesmos. Ainda mal tínhamos apertado a mão, tive vontade de o esbofetear.» (p. 73)
Insistindo neste ponto, que as próprias biografias registam – em especial a de Nancy Milford, Zelda (1970) –, o do ódio visceral de Zelda por Ernest, Leroy estende a sua narrativa zeldiana adjectivando profusamente o novo companheiro literário do marido. Depois de aflorar a possibilidade de uma relação homossexual entre ambos e de presumir que aquele gostaria de «roubar a glória de Scott», zelda pela mão de Gilles disserta com erudição sobre o que aquele escroto poderá esconder:
«Chateia-nos com as suas descrições sanguinolentas. O plumitivo gosta de apanhar o touro pelos colhões… Isso deve impressioná-lo, ou excitá-lo, ele que os não tem. A menos que prefira os colhões do toureiro, que apesar de tudo são os que se vêem melhor, ensacados nos seus calções apertados, ouro e rosa.»
E completa com uma metáfora luminosa: «O seu olhar não é apenas um olhar: é uma nuvem de borboletas que se abatem, cegas, sobre a braguilha de Scott. Não, não estou demente. Não invento. Enuncio.» (p. 74)
E a história desenvolve-se em torno do alcoolismo crescente de Scott e da sua progressiva decadência, do afastamento da filha que este inflige e impõe à mãe, dos diversos internamentos compulsivos de Zelda em clínicas psiquiátricas, da usurpação de material escrito por Zelda que é posteriormente inserido nos romances do autor, assim como o uso e abuso de material biográfico, episódios da vida privada que surgem nos romances encobertos pelos nomes dos personagens, mas suficientemente visíveis e inteligíveis como verdadeiras cenas da vida conjugal para os demais.

Entrecortada por analepses e prolepses, entre os anos 20 e os anos do fim, os 40 (Scott morre em 1940, quatro dias antes do dia de Natal; Zelda morre à meia-noite em ponto do dia 10 de Março de 1948 durante um incêndio num asilo psiquiátrico na Carolina do Norte, onde se encontrava internada desde 1943), Leroy procura demonstrar-nos a espiral de loucura que se abateu sobre um casal em busca das luzes da ribalta, do luxo e do glamour das figuras da alta sociedade americana e europeia, cosmopolita e frívola. Ele filho de um falido vendedor de sabões do Minnesota, ela a «Rainha dos Labregos» (p. 32) do Alabama, «filha do juiz, neta de um senador e de um governador», engolidos pelo vórtice mediático dos famosos, esquecidos no fim das suas vidas: «Scott é o homem redimido do seu pai – ele brilhou tanto – ao mesmo tempo que o filho relapso do seu pai: ele fracassou tanto!» (p. 151)

É curta de ideias e parcial esta versão semi-ficcionada da vida de Zelda Sayre, de onde apenas parece sobressair, dada a ênfase do próprio autor, a qualidade de vítima impotente de uma mulher nas garras de um mundo machista e às mãos de uma subclasse inconsequente, hedonista e materialista, arrastada de forma involuntária e impiedosa para a inevitável desgraça.
Nas suas notas finais, Leroy adverte que deve ler-se «Alabama Song como um romance e não como uma biografia de Zelda Fitzgerald enquanto pessoa histórica.» (p. 171). E de seguida enumera alguns dos momentos fortes da obra, distinguindo a realidade da ficção. Descansei, não por qualquer prurido de laivos homofóbicos ou por alguma questão de higiene ligada à prática pura e simples do acto, mas por ser incapaz de tomar como possível a situação, dada a animosidade que historicamente envolveu ambos os autores, quando Leroy diz que o burlesco episódio do Hotel George V em Paris foi inventado. Ou seja, quando Zelda entra no quarto do referido hotel e descobre O’Connor (Hemingway) ajoelhado com a cabeça entre as coxas do marido, ao mesmo tempo que um projector de filmes exibia pornografia gay… as consequências materiais e físicas de tamanho flagrante engrandecem a risibilidade do episódio – só lido.

Por fim, uma pequena referência à tradução portuguesa. Uma vez mais, pobre (como muitas, ou a grande maioria, em Portugal), gaguejante, imprecisa, que irrita pela necessidade constante de releitura. Atente-se, por exemplo, neste parágrafo inteiro (entre muitos outros, mas que a preguiça aliada à minha tão típica mania de não profanação dos livros com anotações de qualquer tipo exigem um esforço de memória assinalável para os localizar): «Os homens franceses, não é que sejam mais belos, longe disso. É precisamente porque nos desejam: para eles, uma mulher que cede não é uma puta mas uma rainha.» (p. 57); ou a construção da frase: «É tão horrendo, nesse momento, o que sofro para me separar dele.» (p. 35); ou ainda «Repelia-me do próprio coração do meu amor, este coração que formavam os nossos dois corpos nus enlaçados na areia – e era como se ele, com um pontapé no rabo, me tivesse metido no barco de volta a Nova Iorque.» (p. 61); and so on…

Classificação: *** (A Ler)

Referência bibliográfica:
Gilles Leroy,
Alabama Song. Lisboa: Esfera do Caos, 1.ª edição, Novembro de 2008, 172 pp. (tradução de José Júdice e José Alberto Quaresma; obra original: Alabama Song, 2007).


Tenho de terminar com o portentoso epitáfio gravado na pedra tumular de Scott e Zelda, em Rockville, Maryland. Corresponde ao último parágrafo de um dos melhores romances de sempre na literatura universal (dificilmente destronável dos lugares cimeiros na minha lista pessoal das dez melhores obras de ficção de sempre):
«Assim vamos teimando, proas contra a corrente, incessantemente cortando águas, a caminho do passado.»
F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby, p. 202
[Lisboa: Presença, 5.ª edição, Julho de 1997; 202 pp.; tradução de José Rodrigues Miguéis; obra original: The Great Gatsby, 1925.]