terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Polichinelo e o seu segredo em Hollywood


Bocejo de previsibilidade.
Prática abandonada em 2009, quando iniciei o programa de desintoxicação dos Óscares da Academia – técnica dos 12 passos , retomo, à guisa de serviço público, ao exercício de publicação da habitual lista dos filmes com maior número de nomeações (este ano integram a referida lista 8 filmes com 4 ou mais nomeações) seguindo o critério usado na fase oscarómano:
[Critério: Em destaque (a bold) as nomeações pertencentes ao denominado Top 5, ou seja, aquelas que se inserem nas cinco categorias artísticas consideradas como as mais importantes na atribuição do galardão: melhores filme, realização, argumento (original e adaptado), actor principal e actriz principal. Ao lado do número de nomeações para cada filme, figurará o número de nomeações para o Top 5, seguida da notação “+”.]

– A Invenção de Hugo / Hugo (11 nomeações, 3+)
Argumento Adaptado – John Logan
Banda Sonora Original – Howard Shore
Direcção Artística
Efeitos Especiais
Efeitos Sonoros
Filme
Fotografia
Guarda-Roupa
Montagem
Realização – Martin Scorsese
Som

– O Artista / The Artist (10 nomeações, 4+)
Actor – Jean Dujardin
Actriz Secundária – Bérénice Bejo
Argumento Original – Michel Hazanavicius  
Banda Sonora Original – Ludovic Bource
Direcção Artística
Filme
Fotografia
Guarda-Roupa
Montagem
Realização – Michel Hazanavicius

– Cavalo de Guerra / War Horse (6 nomeações, 1+)
Banda Sonora Original – John Williams
Direcção Artística
Efeitos Sonoros
Filme
Fotografia
Som

– Moneyball – Jogada de Risco / Moneyball (6 nomeações, 3+)
Actor – Brad Pitt
Actor Secundário – Jonah Hill
Argumento Adaptado – Steven Zaillian, Aaron Sorkin e Stan Chervin
Efeitos Sonoros
Filme
Montagem

– Os Descendentes / The Descendants (5 nomeações, 4+)
Actor – George Clooney
Argumento Adaptado – Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash
Filme
Montagem
Realização – Alexander Payne

– Millennium 1: Os Homens que Odeiam as Mulheres / The Girl with the Dragon Tattoo (5 nomeações, 1+)
Actriz – Rooney Mara
Efeitos Sonoros
Fotografia
Montagem
Som

– Meia-Noite em Paris / Midnight in Paris (4 nomeações, 3+)
Argumento Original – Woody Allen
Direcção Artística
Filme
Realização – Woody Allen

– As Serviçais / The Help (4 nomeações, 2+)
Actriz – Viola Davis
Actriz Secundária – Jessica Chastain
Actriz Secundária – Octavia Specter
Filme

Para mais pormenores consultar a notícia aqui.
Apesar de apenas ter visto três dos oito filmes aqui apresentados (Meia-Noite em Paris, Millennium 1 e Moneyball), os restantes não me são em nada apelativos para uma sessão paga em frente da grande tela cinzenta: um cavalo-herói inteligente, talvez de origem judaica, supostamente perlado de lágrimas spielberguianas; um eventual chico-espertismo francês de Hazanavicius que tirou o mudo da cartola com auxílio de um dotado cão Jack Russell (figas para que este alce a pata traseira e abarque a estatueta num fluido amplexo dourado em pleno palco do Kodak); e Hugo do quase septuagenário Scorsese que apenas agora, qual criança apurando os sentidos, descobriu o poder das novas tecnologias, embora as suas cinefilia e erudição cinematográfica poderão fazer admitir o esboço de uma tentativa para uma ida ao cinema.
Depois, o pior: não se faz!, não se compensa Malick com aquelas nomeações apenas para americano ver e aplaudir – de pé, de preferência – o incomensurável sentido de justiça e o enorme bom senso dos membros da Academia, onde se encaixa, do mesmo modo, o Tinker Tailor... de Tomas Alfredson, e a atribuição de categorias técnicas a Fincher; as inexplicáveis zero nomeações para Melancolia e para Clint Eastwood (embora do seu filme a concurso, J.Edgar, disponha apenas da apreciação escrita de alguns cinéfilos que me vão merecendo todo o crédito); o já conhecido desprezo pelos documentários de Herzog, e tudo para consagrar, como é mais que previsto, o petulante alemão com aquele cabelo indescritivelmente amaricado e a sua Pina; e os indies?, nada, como sempre no anquilosado reino da indústria de Hollywood; e por fim 2 nomeações 2 para aquele objecto pegajoso, que se qualificou por fílmico porque dispõe de imagens em movimento (peristáltico, decerto), chamado A Melhor Despedida de Solteira (Bridesmaids).

Será que, pela primeira vez em duas décadas, ficarei na caminha – como o lançador do peso na China – a aproveitar o calor do meu processo endotérmico, enquanto, no próximo dia 26 de Fevereiro, no Kodak (em fecho de portas) Theatre se pratica o arremesso da estatueta dourada?
A ver vamos.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Obsessão (act.)

Pensei escrever qualquer coisa. Alinhavei umas quantas palavras. A obsessão pelo pormenor. A meticulosidade de um relojoeiro na evocação imagética. A mão perfeita de um artesão que usa a tecnologia sem que a pressintamos – para ele é mesmo um meio, e nunca um artifício estético. As mulheres, sempre as mulheres, não tão ostensivas como em Lars von Trier, maquinais e diabólicas como em Tarantino, austeras, frias e impiedosas como em Almodóvar, objecto de desejo que se emancipa perante o indício da corte pelo pavão como em Rohmer, ou eloquentes, por vezes doces receptoras da neurastenia projectada pelo criador, como em Woody Allen. São uma bruma perene, omnipresente, extática e hermética, portadoras – eis o ventre primordial – do código inacessível a um encadeamento lógico da razão. 
Fiz um historial da abordagem subliminar do lado feminino que joga um papel crucial em Fincher desde Se7en (1995) – excluí Sigourney “Ripley” Weaver, não tivesse sido ela de Ridley Scott, em primeiro lugar, e de James Cameron, em segundo – Paltrow (1995), Kara Unger (1997), Bonham Carter (1999), Foster (2002), Sevigny (2007), Blanchett (2008), e Mara por duas vezes (2010 e 2011), mas guardei o ficheiro na imensa pasta dos textos “não publicados”, talvez para maturação, muito provavelmente para as impenetráveis trevas do olvido. Decidi “me & myself” atirar Karen Ocujo grito seco ressoa no negro líquido viscoso (amniótico) para a fogueira daqueles que Odeiam as Mulheres:


«Salander não consegue mexer-se. Espera que a dor abrande – o que eventualmente acontece – mas apenas para ser substituída por um sentimento de abandono. Então aquele abranda, substituído por um semblante de indiferença.»
Steven Zaillian, The Girl with the Dragon Tattoo [screenplay], p. 165 (© 2011 Sony Pictures). Tradução livre: AMC.
Em jeito de nota final, o fim: é impossível ficar indiferente ao pathos que emana daquele olhar, que tudo apaga, de Rooney Mara.

Soberbo.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Fincherianismo


Ah, como gosto de ler João Lopes quando escreve sobre Cinema (a arte, assim grafada). Não vou fazer a apologia de todo o seu saber acumulado e da natural consequência de, com propriedade, usar e abusar do cinema comparado. É um fincheriano convicto e não adianta negá-lo (em boa verdade nunca o negou, embora nunca o tenha confirmado). E mesmo estando numa torturante contagem decrescente para ver Millennium 1: Os Homens que Odeiam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011), não posso deixar de concordar com a parte que remete para o todo (de outra forma não poderia ser, por via da razão avocada: ainda não o vi), o universo inebriante de Fincher, incluída neste extracto de um texto do eminente crítico nacional sobre Fincher no DN de quarta-feira, 18:
«Daí a estranha beleza de Millennium 1: por um lado, há nele uma urgência face ao concreto do nosso mundo que lhe confere a dimensão de parábola sobre a persistência do Mal e o fim de todos os romantismos; por outro lado, vivemos uma aventura tocada pela abstra[c]ção formal. É tempo de acreditarmos que Howard Hawks tem, finalmente, um herdeiro moderno.»
Mas esta é a velha questão do subtexto fincheriano, que muitos ou não vislumbram (limitação, é uma pena), ou vislumbrando não pretendem dar a conhecer por um velho apriorismo de que não se conseguem libertar (má-fé). Como entender, por exemplo, Clube de Combate (Fight Club, 1999) sem nos embrenharmos (apreender) na sua beleza subliminar, latente em cada fotograma, incrustada pelo realizador de Denver?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Blackout cerebral


Enquanto a Wikipedia na sua versão inglesa promoveu um blackout de 24 horas no acesso aos seus conteúdos em protesto pela discussão e eventual aprovação das sugestivas leis PIPA e SOPA pelo Congresso Americano (seguir a ligação para mais informação) – de certa forma, e por todas as razões, faz-me lembrar o Portugal de antanho, de tempos da outra senhora como se sói dizer: a pipa (ou o seu enchimento etilizado) que punha a sopa na mesa de um milhão de portugueses; hoje, nem isso nos põe o pão na mesa, dadas as políticas agrícolas que arruinaram o sector vitivinícola e conduziram à miséria milhares de lavradores, especialmente os durienses, descurando-se até (negligência desmedida) o forte poder anestésico do líquido que, decerto, viria em auxílio a nós luso-dependentes da tríade nebulosa que atribui mais notas que o Prof. Marcelo e em que um dos seus elementos, numa demonstração de um sarcasmo repugnante, se dá ao luxo de ter Poor na sua denominação, para esquecer as agruras a que quotidianamente nos submetem –, o véu negro e opaco que cobria a minha percepção para as coisas que se vão passando e têm interesse no mundo real não-murakamiano (esse é uma estranha amálgama também anestésica, ou melhor, de privação cerebral) foi desvelado:

A melhor série televisiva de comédia de todos os tempos – para não me apontarem a puerilidade do exagero, coloco-a a par do Flying Circus dos eternos Monty Python, ou da curta e fugaz série (doze episódios), também da BBC, Big Train, e sim, concedo, o próprio Seinfeld co-criado por aquele que levou o psicoterapeuta ao suicídio (ver imagem) –, mas, prosseguindo, dizia que a melhor série cómica de todos tempos, Calma, Larry (Curb Your Enthusiasm), está a ser transmitida pelo canal FX da ZON (e suponho que nos outros fornecedores do serviço de televisão paga; aliás quem me informou é assinante do serviço fedorento Meo). Estão em exibição, com várias repetições na grelha diária, as duas últimas temporadas, a 7.ª e a 8.ª da série. Infelizmente, pelo caminho, perdi a 6.ª, mas guardo religiosamente os DVD das anteriores e a eles volto com alguma regularidade, sem que se perca o gosto e o prazer de ver a histórias daquele ser com uma lógica torcida e retorcida, e me preocupe com a suspensão de juízo que, neurologicamente, uma boa gargalhada poderá implicar.
Bendita seja a alma de quem me alertou. Já está tudo programado para gravação dadas as restrições horárias para poder ver aquele judeu inimputável nos poucos momentos de paz e tranquilidade que ainda existem no meu buliçoso lar.
Centenas de canais, dezenas de euros mensais, para o Panda, o Nickelodeon, Disney e pouco mais – expropriação por acção filial, seria a razão mais cómoda para apontar, mas em boa verdade, cansei-me de ver televisão e, por vezes (nem sempre), uma pessoa farta-se de engolir tanto lixo – e só ontem fiquei a saber que aquela coisa inenarrável está num canal não descortinável para um telespectador impaciente e irascível como eu.
Será de mim? Como o outro do adágio, fui o último a saber? A espera e a deliciosa contradição dos aforismos portugueses: desespera ou sempre alcança?
Cito Vila-Matas que cita Bertrand Russell que cita uma absurda anciã russa:
«Sim, meus senhores. Faz mau tempo e estamos à espera que mude. Mas é melhor fazer mau tempo do que não fazer nenhum, e é melhor estarmos à espera do que não esperarmos nada.»

Enrique Vila-Matas, Perder Teorias, pág. 26 [Porto: Afrontamento (Teodolito), 1.ª edição, Setembro de 2011, 88 pp.; tradução de Jorge Fallorca; obra original: Perder teorías, 2010.]

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Frouxo, como a gente gosta


Com o passar dos anos, talvez por uma contínua depuração dos meus gostos cinematográficos, vai diminuindo o meu interesse por aquelas sessões folclóricas de atribuição de prémios e todo o circo que as rodeiam – com GlamCams, o espadaúdo Seacrest e os Polícias da Moda – que a indústria das artes cinematográficas insiste em não mudar de formato, sacrificando a arte em prol do puro entretenimento, facilmente consumível, vazio de conteúdo e expurgatório das memórias mais resistentes, em suma, o actual entretenimento proto-lixo de não ocupação de espaços (patrocínio: Luís Freitas Lobo) ou de acelerada degradação depois de consumido (patrocínio: Dulcolax).
Ontem não foi excepção. A tibieza, a impostura, a vaidade e a cupidez pelas notas verdes com efígie de Benjamin Franklin premiou com Globos de Ouro 11 filmes 11 nas diferentes categorias, como que a distribuir o mal pelas aldeias, não vá alguém chatear-se e boicotar (ou allenizar) as próximas sessões. E sim, eles pensam que conseguiram reavivar o amor pela França (e não pela língua francesa, um "jamé" linista), o melodrama sirkiano em fast forward, a maturidade de uma América tolerante pelas suas minorias, Scorsese & Spielberg e o interesse por Allen demonstrado nas bilheteiras, Madonna com uma injecção de adrenalina. O Frankenstein da Indústria vive. No fundo, em tempos em que por aqui se fala do clientelismo, todas as clientelas da pastilha elástica saíram satisfeitas. Está tudo lá, note-se:
   
3 Globos de Ouro
  • O Artista (The Artist) – Melhor Filme – Comédia ou Musical; Melhor Actor – Comédia ou Musical, Jean Dujardin; Melhor Banda Sonora, Ludovic Bource.
2 Globos de Ouro
  • Os Descendentes (The Descendants) – Melhor Filme – Drama; Melhor Actor – Drama, George Clooney.

1 Globo de Ouro
  • Assim É o Amor (Beginners) – Melhor Actor Secundário, Christopher Plummer.
  • As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne (The Adventures of Tintin) – Melhor Filme de Animação.
  • A Dama de Ferro (Iron Lady) – Melhor Actriz – Drama, Meryl Streep.
  • A Invenção de Hugo (Hugo) – Melhor Realizador, Martin Scorsese.
  • Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris) – Melhor Argumento, Woody Allen.
  • A Minha Semana com Marilyn (My Week with Marilyn) – Melhor Actriz – Comédia ou Musical, Michelle Williams.
  • Uma Separação (Jodaeiye Nader az Simin) – Melhor Filme Estrangeiro.
  • As Serviçais (The Help) – Melhor Actriz Secundária, Octavia Spencer.
  • W.E. – Melhor Canção Original, Madonna “Masterpiece”.

Com Gervais numa camisa-de-forças, apesar do momento Eddie Murphy, da referência à decadência da NBC (a cadeia responsável espectáculo) e do comparativo entre cerimónias congéneres da HFPA e da AMPAS, com os discursos atropelados e estafados de agradecimento, salvou-se Morgan Freeman e o seu merecidíssimo prémio de carreira Cecil B. DeMille, com Poitier e Mirren a abrilhantar a ocasião.
Não são sequer admissíveis, perante o panorama de uma pobreza confrangedora, as ausências de A Árvore da Vida, Melancolia, A Toupeira ou a brevíssima referência ao último Cronenberg pela nomeação de Mortensen, ou a McQueen por Fassbender, já para nem falar, entre outros, dos independentes Durkin, Reichardt ou Jeff Nichols.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Dos aventais


Nada contra. Não sou um gourmet, mas gosto de comer em bons restaurantes de cujas cozinhas emanam pratos com assinatura, e gosto sempre que o autor cortesmente ausculte a minha opinião, de avental alvo, sobre o nível de prazer na degustação do prato. Ao mesmo tempo, é uma peça de tecido com história, que me faz lembrar aquele Portugal rural que se foi perdendo – o do pequeno comércio porta a porta, os marçanos ou o do bulício serviçal. Por exemplo, a criadagem com os miúdos no jardim; a leiteira azeda a esborrachar os pacotes de leite pré-“Tetra Pak” nos alpendres das moradias; da peixeira com as notas de conto no regaço, fazendo trocos nas casas das senhoras, trocando cavalas por mil reis que se juntavam a mais outros tantos amarfanhados, envoltos em escamas e vísceras que escaparam ao produto vendido. Hoje, tudo isso foi substituído pela desprezível bata florida.
Agora dessa coisa dos pedreiros e dos chãos em xadrez – embora, neste caso, ignore o facto de algum lá ter ido parar (sim, isso mesmo, ao xadrez), os irmãos ajudam sempre –, os poucos que conheci – e que me garantiram tratar-se de aventaleiros da estirpe críptica, filhos de Ísis e Osíris –, ou eram uns filhos da puta e/ou criminosos e/ou políticos, juízes, procuradores e professores catedráticos. Apesar de ser um fã do James (em especial no drama pedo-nabokoviano-kubrickiano e no magistral North by Northwest, com a música retumbante do Bernardo SenhorHomem), das batidas do Nick, e de na minha juventude não perder as histórias a preto e branco do Perry, por manifesto azar, pessoalmente nunca me cruzei com um Mason-livre de avental imaculado e que disputasse as qualidades de humanista e/ou benemérito e/ou íntegro, as mesmas que ultimamente, numa operação de desespero ou de marketing do desespero, têm vindo a apregoar.
Contudo não gosto de generalizações. E não pretendo aplicar à minha, decerto curta, experiência o método indutivo. Até porque dispõem de um olho que tudo vê, e em terra de cegos… Ele há-de haver os que são bons.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Uma xaropada no ouvido

É daquelas coisas incorpóreas, porém gelatinosas, peganhentas que se agarram e colam ao nosso ouvido. Difícil de expurgar como uma nódoa oleosa. Mesmo assim, não tão má como qualquer coisa saída da voz náuseo-lacrimosa de um James Blunt ou de um Marante.



Daqui a menos de uma semana já não a suporto. De hoje a um mês odeio-me por ter dito que se havia postado como um parasita paradoxalmente simbiótico dentro deste emaranhado de sinapses – como a origem plantada, uma ideia para o emaranhado Nolan, resiliente, um vírus – e irá dar-me uma vontade irreprimível para apagar este texto e o vídeo de um trio de parolos “gelizados” escoceses a cantar para os corações frágeis, e que quando colidimos amamo-nos ainda mais, e depois dizes “eu amo-te” e eu sei que mentes. O Horror, ou melhor, Na Sua Maioria Horror.
Ostentação irreprimível de um mau gosto, provocado por um trailer – pista nas palavras-chave.
Peço-te perdão, André. Mas foste tu que escreveste isto na infeliz data acima fixada.

Pois, convençam-me, isto nunca vos aconteceu… Fugir o dito para o chinelo.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Bolas


É a designação inglesa. Ovos, a espanhola. Por cá ficámo-nos pela referência hortícola, embora a sinonímia seja bastante rica e imaginativa.
Não sei a razão por que ainda me exponho, mas acabei de levar uma valente biqueirada testicular – imagine-se! – pelo conteúdo de seis páginas de um livro – aconselho a leitura simultânea de dois ou mais livros para atenuar a dor (acreditem, é como o recomendado gelo para as tumefacções).
Seis páginas onde, na versão portuguesa, se fala de tintins (sic) e de pontapés nos mesmos, e debate-se sobre a dor lancinante que as mulheres desconhecem, fazendo-se a analogia com o fim do mundo e o filme de 1959, realizado por Stanley Kramer, A Hora Final (On the Beach), curiosamente baseado numa obra catastrofista de Shute – parece um imperativo.

Os guizos do fim da paciência já se fazem ouvir… 1Q84.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Olsen, Elizabeth Olsen


Fixai este bom nome (no final até serão dois). Não é Martha, nem Marcy May e tão-pouco Marlene. São todas elas subsumidas numa personagem áspera, obscura, elíptica, impenetrável e assustadoramente silenciosa, com momentos desconcertantes de irrupção raivosa – válvula de escape de uma fúria que se usa esparsamente como um mecanismo retemperador de uma mente perturbada (um copo partido sem razão aparente, um inexplicável desvario com um desconhecido barman ocasional – chamado Mike, talvez o M do martírio – numa festa dada pelos seus anfitriões – irmã e cunhado – aos seus amigos na casa de sonho junto ao lago, uma vil acusação lançada à irmã sobre as suas eventuais competências como futura mãe), com quê ou porquê? Se tudo começa no idílio… Esses momentos de ira e descontrolo são apenas fogachos de uma transformação temperamental súbita numa interpretação de tirar o fôlego de uma jovem actriz que se apodera de todas as personalidades, Martha Marcy May Marlene, sem que se vislumbrem os contornos idiossincráticos da existência fora da grande tela da californiana, nascida em 1989, Elizabeth Olsen – embora o quase anonimato anterior da actriz venha em auxílio dessa proposição, e até isso foi um acto deliberado do próprio autor.
[Atenção: o parágrafo seguinte pode conter pistas para o desenlace da obra.]
Uma história aparentemente linear, assinada pelo realizador Sean Durkin, que com a sua mestria nos avanços e recuos temporais da narrativa, nas imagens interpoladas que surgem como se fossem sequências de um continuum, bem representativo da mente perturbada da protagonista – sonho, realidade, fluxo encolerizado de um ego ferido (sobrevêm reminiscências da prodigiosa adaptação kubrickiana de Arthur Schnitzler) –, submerge o espectador num crescendo de violência e terror, uma espiral imparável de pavor e de espanto, elevando o medo ao paroxismo, imprevisível no início no paraíso comunitário hippy, com a sequência final: plano semicerrado sobre Olsen, deixando suficiente amplitude para entrever pelo exíguo vidro traseiro de um carro desportivo a aproximação de um clímax brutal ao som do ronronar de um potente motor (da América endinheirada e protegida) e de vozes off de uma indignação receosa, subitamente interrompidas por um inopinado fade out. Plenamente em suspenso…
Quanto a Sean Durkin, tal como me ocorreu em 2009 com Jeff Nichols e a sua maravilhosa estreia com o inquietante e inesquecível Histórias de Caçadeira (Shotgun Stories, 2007), ficou a firme convicção de um futuro promissor – depois de Antonio Campos, mais um que se revela do esperançosamente fabuloso trio fundador da empresa nova-iorquina Borderline Films.

Começa bem o ano cinematográfico em Portugal.

domingo, 8 de janeiro de 2012

A Verdade, uma vez a cada 12 meses


E no título deste texto figura o mote da sociedade que reúne os críticos norte-americanos mais respeitados por esse mundo fora. E a Verdade, segundo a National Society of Film Critics (NSFC), foi reposta ao eleger o fabuloso filme do dinamarquês Lars von Trier, Melancolia (Melancholia, 2011), como o Melhor Filme do Ano – o meu 3.º filme do ano, mas cujos quatro primeiros da lista poderiam perfeitamente trocar de posição entre si, a minha escolha da ordem final foi quase aleatória dado o elevadíssimo encantamento cinéfilo que A Árvore da Vida, Essential Killing – Matar para Viver, Melancolia e Uma Separação exerceram sobre mim.
Eis a lista completa dos prémios, este ano renhidíssimos em algumas categorias incluídas pelos críticos da NSFC – prémios que são vulgarmente conhecidos como os Anti-Óscares:
  • Melhor Filme – Melancolia, de Lars von Trier (Melancholia, 2011).
  • Melhor Realizador – Terrence Malick, por A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011).
  • Melhor Argumento – Asghar Farhadi, por Uma Separação, realizado pelo próprio (Jodaeiye Nader az Simin, 2011).
  • Melhor Actriz – Kirsten Dunst, pela sua interpretação em Melancolia.
  • Melhor Actor – Brad Pitt, pelas suas (2) interpretações em A Árvore da Vida e em Moneyball – Jogada de Risco, de Bennett Miller (Moneyball, 2011).
  • Melhor Actriz Secundária – Jessica Chastain pelas suas (3) interpretações em A Árvore da VidaTake Shelter, de Jeff Nichols (2011); e As Serviçais, de Tate Taylor (The Help, 2011).
  • Melhor Actor Secundário – Albert Brooks, pela sua interpretação em Drive – Risco Duplo, de Nicolas Winding Refn (Drive, 2011).
  • Melhor Fotografia – Emanuel Lubezki, por A Árvore da Vida.
  • Melhor Filme Estrangeiro – Uma Separação.
  • Melhor Filme de Não-Ficção – A Gruta dos Sonhos Perdidos, de Werner Herzog (Cave of Forgotten Dreams, 2010).
Notas:
  1. Apesar de ter perdido o prémio de Melhor Filme por apenas 1 voto, o filme a Árvore da Vida foi o grande vencedor ao arrecadar 4 prémios de NSFC, seguido (em igualdade) por Melancolia e Uma Separação, com 2 prémios cada.
  2. O inacreditável cabotino Albert Brooks recebeu, e com uma distância considerável dos restantes contendentes, o prémio pela sua interpretação no purpurino Drive.
  3. Werner Herzog, desdenhado pela Academia de Hollywood na competição de documentários, para além do acima referido (que venceu a categoria), conseguiu um 3.º lugar com o documentário, ao que dizem extraordinário, sobre a pena de morte nos Estados Unidos, intitulado Into the Abyss (2011).

sábado, 7 de janeiro de 2012

Acossado por Murakami

Nos idos de Julho de 2007, após a leitura em primeira mão de Em Busca do Carneiro Selvagem do escritor japonês Haruki Murakami, decretei um período de pousio murakamiano para o meu nervo óptico. O pousio mantinha-se, persistente, inabalável e sem saudosismos, até que ao aproveitar para fazer a alusão à estreia iminente do último filme de um realizador muito cá da casa, o vietnamita Tran Anh Hung, que adaptara parte da, por mim considerada, melhor obra de ficção de Murakami (Norwegian Wood), confessei que o compromisso fora quebrado (subsistiu, ainda assim, três anos), e o arrependimento que sobreveio foi de certa forma angustiante (como nessa altura comentei).
Quinze meses decorridos, verifico que o filme de Anh Hung passou ao lado das salas de cinema portuguesas, apesar de ter sido adquirido pela maior distribuidora e detentora de espaços de projecção em Portugal, a ZON Lusomundo, e surgiu apenas no circuito comercial de DVD em parceria com a FNAC. A propósito de uma salutar discussão sobre esta inevitabilidade nacional, a pequenez do nosso mercado associada à recalcitrante iliteracia do português médio, foi-me recomendada a leitura do último romance editado em Portugal pelo escritor nipónico, convertido em orwelliano de olhos em bico, escreveu 1Q84 – lido em japonês soa a 1984, já que “9” e “Q” são palavras homófonas. Fiquei a saber que o volume que me habituara a ver em destaque nos escaparates das livrarias neste Natal (e sempre nos espaços reservados aos tops de vendas), trata-se apenas do primeiro livro (ou calhamaço) de três (com tantas ou mais páginas) da obra proto-orwelliana, cujos restantes livros irão sair a conta gotas durante este ano (fazer render o peixe, e que bem serve ao quase ictiólogo Murakami dada a profusão de cardumes nos seus livros).
Informo, para que conste onde convier, que adquiri o Livro 1 de 1Q84 de Haruki Murakami (ed. port. Casa das Letras; obra original: 1Q84 – Book 1, 2009), e, mal o abri, as razões determinantes para o início do pousio acima referido surgiram em forma de náusea – apesar da minha inata teimosia, insistindo e esforçando-me para que a sua leitura apenas termine na página 487 e quiçá, percorra os restantes volumes ainda no prelo –, vívidas rememorações de um subgénero literário nipónico do realismo mágico sul-americano: o(a) protagonista desgraçado(a) íntegro(a) e idealista, os personagens esfíngicos – normalmente velhos e cruéis , a presciência zoológica – habitualmente peixes e gatos –, o lesbianismo pubertário com descrições tácteis de pétalas de rosa, os edifícios e quartos misteriosos com alçapões para o inconsciente, os poços e as perturbações espácio-temporais, com desmaios inexplicáveis.

E a ervilha-verde demorou mais de seis páginas para descer as escadas de segurança metálicas de uma auto-estrada, com intensas recordações sáficas da sua adolescência à medida que ia pisando descalça os frios e rugosos degraus de metal.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Let the games begin (act.)

Depois do espectáculo deprimente do ano passado, oferecido pelo canastrão Franco e pela histriónica Hathaway (que até é uma actriz que admiro – fabulosa, por exemplo, em O Casamento de Rachel, de Demme), a que só faltou mesmo o aussie-dançarino presunçoso Jackman para que se alcançasse o nível de arraial na atribuição das famosas estatuetas douradas, eis o primeiro vídeo lançado com fins de aquecimento para a 84.ª cerimónia de entrega dos Óscares da Academia de Hollywood que se realizará no próximo dia 26 de Fevereiro – pela qualidade evidenciada do clip, esta sessão não promete destoar muito da anterior, onde venceu aquela coisa britânica telefílmica e ciciada, num ano em que se expôs de forma impudente a forte dissensão entre a Indústria e a Crítica cinematográficas; a que se junta o bom augúrio da anunciada pré-falência da proprietária do salão de festas, a revolucionária multinacional, com quase 125 anos de história, Kodak.
Eis a coisa (não a de Carpenter, porque essa está no meu Olimpo da cinefilia):

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Karen O, Reznor & Atticus Ross

Um fincheriano confessa-se (tão ao jeito do jogador da bola – a personalidade evanescente pela transpiração fragrante, como que transmigrada para um terceiro não presente –, sempre com a cabeça levantada para encarar o próximo desafio): aguarda com expectativa pela chegada do dia 19, mesmo considerando que Fincher não deveria ter cedido à pressão de Scott Rudin para tomar as rédeas de uma história de Stieg Larsson exaurida pelos fãs e já filmada no seu país natal (e com relativo sucesso), mesmo com um novo guião de Steven Zaillian. Mas sobre isso, o autor deste pasquim já falou: ao homem de Denver tudo se perdoa.
Para já, uma pequena amostra do que aí vem, neste videoclip reminiscente (um bom fincheriano passa no teste da evocação da obra passada), com a voz da portentosa Karen O, numa adaptação de Trent Reznor e Atticus Ross da icónica “Immigrant Song”, escrita pelos Srs. Oficial e Comendador do Império Britânico, respectivamente Jimmy Page e Robert Plant, estreada em 1970 no álbum Led Zeppelin III.
Eis o vídeo (fullscreen, please):

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O arrazoado


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Fiscalistas, economistas, advogados parafiscalistas e multi-usos, politólogos, comentadores da estirpe pau-para-toda-a-colher, e só ficaram a faltar os obstetras para ajudar a dar à luz, ou melhor, para explicar o bê-á-bá do mercado livre e da livre circulação dos capitais nesta entidade amorfa e fragmentária que se chama União Europeia. De todos se ouviu: não é irregular; não vai contra a lei; pois, está claro, com esta carga fiscal as empresas, sem contrariar a lei, note-se ou que fique bem claro, procuram outros sítios fiscalmente mais (argumentário adjectival):
  1. estáveis,
  2. favoráveis,
  3. leves,
  4. sólidos,
  5. benéficos,
  6. ligeiros,
  7. firmes,
  8. vantajosos,
  9. suaves,
  10. todas as anteriores, porque as hipóteses 1, 4 e 7 significam o mesmo, tal como as 2, 5 e 8, e as 3, 6 e 9; e cada conjunto forma os vértices do triângulo do éden fiscal para onde se expulsam os plutocratas cujas taxas efectivas de imposto sobre o rendimento, devido a determinadas benesses e ao chamado planeamento fiscal, é muitíssimo inferior àquela que recai sobre os lucros das PME.

Curvas de Laffer, votar com os pés E, já agora (não vá o diabo tecê-las), que tal um pouco de Canesten? Deixemo-nos de teorias e vamos à vidinha
Será que aqueles liberais de pacotilha, de colarinho branco e dentes branqueados, cujas televisões deram a imperdível oportunidade de mostrar os quadros dos seus escritórios sumptuosos, pretendiam fazer coincidir legalidade com legitimidade?
Mas eu assevero: o negócio Zoete Druppel é simultaneamente legal e ilegítimo. Acrescento, à laia de explicação, é soez, bárbaro e indecoroso, de uma boçalidade prototípica de um cacique de sertão do século XIX, que respeita mais o gado que alimenta, que a família que sustenta ou os “colaboradores” que fustiga com salários de miséria.
Neste momento, nesta conjuntura, neste cenário de sacrifício nacional, é imoral. Desde quando se pode legitimar ou concordar com uma imoralidade apoiando-se na lei?
É antinómica a coabitação dos vocábulos “justo” e “imoral” para qualificar um mesmo nome, uma lei imoral destrói os princípios basilares da decência formulados pela sociedade: os seus valores, as suas crenças.

Sou um liberal, com uma forte vocação libertária, sou até um fervoroso partidário da revolução capitalista há tantas décadas professada por Louis Kelso – o que hoje temos não pode ser chamado de capitalismo, mas de ganância e cobiça congenitamente necrófagas dos mais débeis –, mas sei que, tal como alguém propunha para a democracia, há momentos em que esse fulgor libertário – fundado num liberalismo cego – tem de ser suspenso em nome de uma causa maior, sob pena da sua autoderrogação ao tornar-se iníquo. Esta cedência não é significado de capitulação, é sobretudo um sinal de inteligência, quando entendemos que aquela, por haver ocorrido, actuará pelo bem comum, pelas paz e coesão sociais, pela solidariedade, pela justiça, em suma, pela tão apregoada, como não praticada, responsabilidade social. Lavem-me essa boca!

Termino com uma frase de alguém que, embora distante da minha ideologia, perfilha, através das suas arte e intervenção cultural, a ideia comum e basilar de jamais transigir com a injustiça: Jean-Luc Godard. E como ele quis no seu filme mais recente, «No Comment»:
«Quand la loi n’est pas juste, la justice passe avant la loi.»