terça-feira, 31 de julho de 2007

Antonioni


Michelangelo Antonioni
(n. 29/09/1912 – m. 30/07/2007)

No mesmo dia, Bergman e Antonioni, com ou sem felizes campanhas, deixam mais pobre o cinema europeu. Para completar o ramalhete, embora um pouco mais novos, já só faltam Rohmer (1920) e Godard (1930)…

Em baixo, a famosa sequência da sessão fotográfica de David Hemmings com a loura esplendorosa Veruschka von Lehndorff, no excepcional Blow-Up (1966):


segunda-feira, 30 de julho de 2007

O Sétimo Selo

Ingmar Bergman - O Sétimo Selo
Perseverante. Xeque-mate aos 89 anos.

Ingmar Bergman
(n. 14/07/1918 – m. 30/07/2007)

Na imagem: Max von Sydow (Antonius Block) com Bengt Ekerot (A Morte) no meu filme preferido do cineasta sueco, O Sétimo Selo de 1957 (Det sjunde inseglet).

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Carta a Nietzsche

Saul BellowBelíssima e ilustrativa esta história do Lutz. Medonha e grotescamente verídica pela mera inferência do caso para uma realidade que julgáramos ultrapassada, ou então, restringida a uma realidade periférica. A (falta de) eficiência alemã e a política de extermínio do III Reich, Os Protocolos

(Escrevi uma série de parágrafos que acabei de apagar. Neles falava das minhas raízes cristãs, no meu cavalgante agnosticismo e do estado de decrepitude em que se encontra a minha fé; terminando com a constatação, por diversas vezes reiterada, da esmagadora preponderância de autores judeus nos meus gostos literários e nos standards musicais americanos: são tão poucos sobre seis mil milhões…)

Deixo-vos apenas com uma carta redigida por Moses E. Herzog (personagem criada por um judeu, gigantesco entre gigantes, que venceu o Nobel da Literatura em 1976) a Friedrich Nietzsche:

«Caro Herr Nietzsche – Excelentíssimo senhor. Poderei fazer-lhe uma pergunta cá de baixo? Refere-se ao poder do espírito Dionisíaco de suportar a visão do Terrível, do Problemático, de se permitir a luxúria da Destruição, de testemunhar a Decomposição, a Hediondez, o Mal. Tudo isto o espírito Dionisíaco o pode fazer porque aufere da capacidade de restabelecimento da própria Natureza. Algumas destas expressões, permita-me que lho diga, têm uma aura muito germânica. Uma frase como a “luxúria da Destruição” é francamente wagneriana, e eu bem sei por que razão veio a desprezar toda essa idiotice e bombástico doentios de Wagner. Actualmente, já assistimos a destruições suficientes para pôr amplamente à prova o poder do espírito Dionisíaco, e onde estão os heróis que disso se refizeram? Estou só com a Natureza (ela própria) nos Berkshires, e é esta a minha oportunidade de compreender. Estou deitado numa rede, com o queixo sobre o peito, de dedos entrelaçados, com o espírito atolado em pensamentos, agitado, sim, mas também alegre, e sei que valoriza a alegria – a autêntica alegria, não o aparente optimismo dos epicuristas, nem a flutuabilidade estratégica dos desesperados. Sei igualmente que considera que a dor profunda enobrece, a dor que arde lentamente, como madeira verde, e nisso concordo consigo, em parte. Mas para essa educação superior é necessária a sobrevivência. É preciso resistir à dor. […] Não, na verdade, Herr Nietzsche, tenho por si grande admiração. Simpatia. Deseja capacitar-nos para vivermos com o vácuo. Não nos iludindo com as boas intenções, a confiança, com considerações humanas, vulgares e medianas, mas indagando como nunca se indagou, incansavelmente, com férrea determinação, no mal, através do mal, para além do mal, não aceitando qualquer abjecto conforto. As perguntas mais absolutas, mais pertinazes. Rejeitando a humanidade tal como ela é, essa multidão vulgar, prática, salteadora, fedorenta, obscurecida, estúpida, não apenas a multidão dos trabalhadores, mas essa multidão “educada”, ainda pior, com os seus livros e concertos e conferências, o seu liberalismo e os seus “amores” e “paixões” românticos e teatrais – tudo isso merece morrer, e morrerá. Está bem. No entanto, os seus extremistas têm de sobreviver. Sem sobrevivência, não há Amor Fati. Os seus imoralistas também comem carne. Andam de autocarro. Mas são os viajantes que pior se dão com os autocarros. A humanidade vive principalmente de ideias pervertidas. Pervertidas, as suas ideias não são melhores que as do Cristianismo que condena. Qualquer filósofo que deseja manter-se em contacto com a humanidade deveria previamente perverter o seu próprio sistema para ver como será encarado algumas décadas após a adopção. Envio-lhe os melhores cumprimentos deste jardim de luz temporal onde pulula a relva, e desejo-lhe felicidades, onde quer que se encontre. Seu, sob o véu de Maya, M. E. H.» (pp. 372-374)

Saul Bellow, Herzog. Lisboa: Relógio D’Água, 2.ª edição, 1988, 398 pp. (tradução de Luísa Ducla Soares; obra original: Herzog, 1964).

Um destaque meu no original (creio que a verdadeira essência da acusação não se revela na tradução em português):
«I also know that you think that deep pain is ennobling, pain which burns slow, like green wood, and there you have me with you, somewhat.»

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Morto de morte matada

Hoje, na Bertrand das Antas, enquanto verificava as novidades editoriais, deparei-me com um livro, sobre o qual já havia lido a notícia da sua publicação num jornal da especialidade, cujo título seria susceptível de fazer intervir a Super Zezinha com a sua equipa especial do MP: Matei um homem.

Folheei-o e logo me apeteceu desfolhá-lo. Vejamos a abertura (não sei se vos acontecerá o mesmo, mas, depois de a ler, fui assaltado por uma sensação de déjà-vu):

«Matei um homem. Não me importei. Não foi por mal nem por bem. Apeteceu-me. Podia ter morto dois, ou três, ou sei lá quantos. Podia ter morto uma mulher. Calhou ser aquele. Não o escolhi. Não o conhecia. Matei-o.» Alexandra Carita, Matei um homem (Alêtheia) [destaques meus]

Hoje, mataram o português. Uma epidemia de irregularização de particípios passados varre o país de Norte a Sul. O “empregue” e o “empregado”. O “aceite” e o “aceitado”. O “morto” e o “matado”. A primeira forma verbal de cada par, para os verbos “empregar”, “aceitar” e “matar”, corresponde ao respectivo particípio passado irregular; a segunda forma, refere-se ao particípio passado regular.
Se matar um homem já é coisa grave, tê-lo morto é ainda pior, porque para além da consumação de um crime contra a vida de um ser humano, acto legal e moralmente condenável, assassina-se o português sem dó nem piedade.
Podia ter matado dois, mas só um estava morto.
Podia ter matado uma mulher, porém só um cão foi morto.

Regra para memória futura: com os verbos “haver” ou “ter” utiliza-se sempre o particípio passado regular; com os verbos “ser” ou “estar” usa-se o particípio passado irregular – isto se os verbos dispuserem de um particípio passado irregular.
A tal patologia lusa da irregularização aguda é um caso grave… Hum! Digamos que, esdrúxulo, pela criatividade revelada. Vejamos:
Eu tinha marco muitos golos…
Tu tinhas passo o exame se…
Todos os dias ouvimos coisas desta natureza.
Bom, adiante.
Acaso já vos disse que já escrevi as primeiras frases do meu romance. Elas aqui ficam

Tratem-me por Ismael. [1] Dentro em breve estarei apesar de tudo bem morto finalmente. Talvez para o mês que vem. [2] O melhor seria escrever os acontecimentos dia a dia. [3] Mais ou menos tudo isto aconteceu. [4]
Era um dia claro e frio de Abril, nos relógios batiam as treze. [5] Sou um homem doente… Sou um homem mau. [6] Enterrei hoje a minha mulher – porque lhe chamo minha mulher? Enterrei-a eu próprio no fundo do quintal, debaixo da velha figueira. [7] Ou deixas de foder outras ou está tudo acabado. Foi este o ultimato, o exasperante, inacreditável e absolutamente imprevisto ultimato (…) [8] Quanto mais vou sabendo de ti, mais gostaria que ainda estivesses viva. Só dois ou três minutos: o suficiente para te matar. [9] No dia seguinte ninguém morreu. [10]

Nota: Houve uma alma diligente e rigorosa que me obrigou a postar estas notas… não percebo a necessidade:
[1] Herman Melville, Moby Dick.
[2] Samuel Beckett, Malone está a morrer.
[3] Jean-Paul Sartre, A Náusea.
[4] Kurt Vonnegut, Matadouro Cinco ou a Cruzada das Crianças.
[5] George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro.
[6] Fiodor Dostoievski, Cadernos do Subterrâneo.
[7] Vergílio Ferreira, Alegria Breve.
[8] Philip Roth, Teatro de Sabbath.
[9] Miguel Esteves Cardoso, O Amor é Fodido.
[10] José Saramago, As Intermitências da Morte.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Escolhas [actualizado]

Na edição n.º 960 do JL (a última nas bancas) João Tordo e José Luís Peixoto postam, sem mais comentários, as suas preferências literárias – secção “os livros da minha vida” – subdivididas por duas tabelas de dez entradas cada: (1) obras de autores portugueses e (2) obras de autores estrangeiros.
Deixando de parte as escolhas nacionais, onde constam nomes como Vergílio Ferreira, Aquilino, Torga e Cardoso Pires para Tordo e Raul Brandão, Herberto Hélder, Herculano, Soeiro Pereira Gomes e Ruy Belo para Peixoto, unindo-os autores como os imprescindíveis Eça, Saramago, Lobo Antunes e Pessoa – não lhes perdoando, apenas, o pecadilho de não haverem incluído, pelo menos, uma obra de Agustina–, são mais interessantes as escolhas de obras de autores estrangeiros, desde logo porque, pela primeira vez, desde que o JL publica a referida secção, com elas irmano os meus gostos literários.
Embora não tema o costumeiro e blogosférico apodo de intruso no campo das letras, atrevo-me a asseverar que, tanto João Tordo (n. 1975), como José Luís Peixoto (n. 1974) são já, no ano da Graça de 2007, valores seguros da literatura nacional, prometendo, se a vida lhes permitir, o não fenecimento de um género literário que muito me agrada e que muitos rotulam, jocosamente, de pós-modernista.
Ao contrário dos rotuladores do regime, não entendo, por um lado, em toda a sua plenitude semântica, o conceito de pós-modernismo; descortino-lhe alguns traços, porém não lhe vislumbro uma estrutura sólida, hermética, com objecto, missão, meios e, talvez, alvos pré-definidos. Por outro lado, se ser pós-modernista permite dá o direito ao autor de se incluir num grupo constituído por Beckett, Pynchon, Ishiguro, Borges, McEwan, DeLillo, Bellow, Auster ou Philip Roth, então, quem tem medo do pós-modernismo?

Eis a selecção oficial (efectuei algumas correcções e acrescentei a editora, no caso de a obra se encontrar editada em Portugal):

João Tordo
  • Edgar Allen Poe – Histórias Completas (Arcádia);
  • Javier Cercas – O Inquilino (Asa);
  • William S. Burroughs – Junky (Editorial Notícias);
  • Ian McEwan – Expiação (Gradiva);
  • Patrick McGrath – Spider, A Teia da Loucura (Presença);
  • George Orwell – Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (Antígona);
  • Paul Auster – A Trilogia de Nova Iorque (Asa);
  • Fiodor Dostoievski – Crime e Castigo (Presença);
  • Herman Melville – Moby Dick (Relógio D’Água);
  • James Joyce – Gente de Dublin (Livros do Brasil).

José Luís Peixoto

  • Walt Whitman – Canto de Mim Mesmo (Assírio & Alvim);
  • Albert Cohen – Bela do Senhor (Círculo de Leitores);
  • William Faulkner – O Som e a Fúria (Dom Quixote);
  • Fiodor Dostoievski – O Idiota (Presença);
  • Marguerite Yourcenar – Memórias de Adriano (Ulisseia);
  • Juan Rulfo – Pedro Páramo (Cavalo de Ferro);
  • Charles Bukowski – Ham on Rye;
  • L.F. Céline – Viagem ao Fim da Noite (Ulisseia);
  • Dave Eggers – What is the What;
  • Peter Singer – Ética Prática (Gradiva).

Eu (n. 1972) identifico-me com esta geração. Para além das obras de sua autoria, a quase totalidade dos seus 20 livros faz parte de Os Meus Livros.

[Adenda, às 23:24]: a (minha) identificação atrás referida, parte do princípio (talvez erróneo) que os autores procuraram construir as suas listas seleccionando, na sua maioria, obras pertencentes à literatura contemporânea de ficção. Como notou o Henrique, com algumas excepções, faltam os grandes clássicos e as grandes obras ou tratados filosóficos. Suponho não ter sido esse o espírito do desafio. Mas como referi, trata-se apenas de uma suposição minha… talvez, crédula e pueril, porém, válida.

Ritmos Etéreos (II)

Estou de novo em 1992. Doces 20 anos.
Na Rádio Comercial, Pedro Costa dava lugar a Aníbal Cabrita para gozar umas merecidas férias. O programa ia apenas da três às quatro da tarde, antecedia o jurássico Rock em Stock de Luís Filipe Barros – os Def Leppard lideravam as listas de vendas com Adrenalize e o sucesso “Let’s Get Rocked”; a versão ao vivo de 1988 de “Run Like Hell”, com Gilmour e sem Waters, dos Pink Floyd ainda imperava.
O programa radiofónico era o 4.º Bairro.
De Inglaterra surgia, de forma fulgurante, um nome no apartado musical então denominado por House: Felix.
Segundo rezavam as crónicas, Felix era o pseudónimo de um tal de Francis Wright, um miúdo inglês de apenas 17 anos de idade, que num dia de inspiração pegou num sample “Don't You Want My Love”, pertença de um trio feminino norte-americano chamado Jomanda, e criou um trecho musical que se propagou, à velocidade da luz, por todas os clubes de dança à escala do globo. A pequena peça musical electrónica ficará para a História como um dos ícones da geração House dos anos 90:

Felix - Don't You Want Me (1992)



Nota: Felix, um estranho caso do Síndrome de Bartleby no campo musical, compôs apenas mais uma música. Chamava-se “It Will Make Me Crazy”, igualmente um sucesso de vendas, embora, segundo a minha mui particular escala de apreciação, se situasse umas léguas abaixo da primeira.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Clorofila

Hoje de manhã, enquanto deambulava pela minha habitual actualização informativa na blogosfera, uma força estranha apoderou-se do meu sistema informático.
Tentei ligar-me ao Pedro Vieira – uma das pessoas que, pela graça e pelo saudável atrevimento do seu blogue, me vai impedindo a já muito ensaiada desistência. Uma fina ironia, daquelas coincidências que insistimos atribuir ao divino, assim que carregava na dita ligação, um misterioso erro teimava em fechar todas as janelas do Internet Explorer. Consegui aceder ao
Irmãolucia ao fim da 4.ª tentativa. Sinal sagrado!
Insondáveis são os caminhos do Senhor.
Possivelmente houve a mais do que zelosa intervenção de uma força divina, que teima em encarreirar no trilho da bem-aventurança os meus passos supostamente extraviados. Passos que há alguns anos me vão levando para bem longe da Fé, pelo pouco crédito que vou atribuindo àqueles que, segundo rezam as Escrituras, foram feitos à Sua imagem.
Talvez seja um reducionista. Talvez assim pense, sinta e aja por mera letargia ou por um menos gravoso comodismo, embora, nas minhas poucas certezas, atribua uma ínfima probabilidade a essa insuficiência de ponderação.

Pobre Mrs. Jean Watts!
Professora de Ciências da Natureza e de Religião de Hitchens quando este tinha apenas nove anos.
Quem? Christopher Hitchens, o trotskista, amigo do Islão, que mais tarde descobriu pela sua avó possuir uma costela de judeu, e que agora apoia fervorosamente George W. Bush e a sua cruzada no Iraque, sendo por muitos considerado como um verdadeiro neocon, ou pelo menos uma das fontes de inspiração do neoconservadorismo norte-americano – as voltas que a vida dá.
E Hitchens narra um maravilhoso passeio pelo campo e a sua precoce epifania ateísta:
«[…] houve um dia em que a pobre Mrs. Watts se transcendeu por completo. Procurando, de forma ambiciosa, a fusão entre os seus dois papéis de professora de ciências e de instrutora da Bíblia, disse: “Vejam bem, crianças, quão poderoso e generoso é Deus. Ele fez com que todas as árvores e ervas fossem de cor verde, que é exactamente a cor mais repousante para os nossos olhos. Agora imaginem se a vegetação fosse toda púrpura ou cor-de-laranja, que horrível isso não seria.”
[…] fiquei francamente chocado com aquilo que ela disse. […] Aos nove anos, eu não tinha ainda uma ideia sobre […] a relação entre a fotossíntese e a clorofila. […] Eu apenas sabia, quase como se tivesse usufruído do acesso privilegiado a uma autoridade superior, que a minha professora tinha conseguido errar por completo em apenas duas frases. Os olhos foram ajustados à natureza, e não o contrário.»
Christopher Hitchens, God is not Great: How Religion poisons Everything (Twelve, 2007, pp. 1-2) [Tradução livre: AMC].

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Platão et al.

Não, não foi por falta de aviso – por leitura anterior e aconselhamento ajuizado. Mas naquele dia enquanto revolvia os livros floridos de auto-ajuda na secção de “Novidades” da Fnac, descobri que, para além dos romances históricos ou das efabulações sobre as cefaleias ou herpes labiais de determinado cientista ou personalidade histórica eminente, havia um livro cor de vómito em quarta expulsão – para ser sincero, julguei à partida tratar-se de mais um livro da inefável MRP® –, que me deteve pelo estilo de letra de imprensa garatujado a vermelho sangue pré-oxidado… chamava-se Diário e só faltava a fitinha coquete a enlaçá-lo – praga do kitsch mais balofo que se alastrou aos livros.
Não eram couves, nem tão-pouco alforrecas, o presuntivo cientista literário era outro. Tratava-se, então, do sexto romance de Palahniuk, originalmente publicado em 2003, editado em Portugal no passado mês pela Casa das Letras.
«A Voz de uma geração inquieta. O mestre das vidas marginais», garantia a capa em jeito laudatório.

Chuck PalahniukChuck Palahniuk (n. 1962), escritor norte-americano, de ascendência ucraniana, é actualmente considerado, a par de Bret Easton Ellis (n. 1964) e de Douglas Coupland (n. 1961), como uma das vozes mais inconformadas, um dos escritores de culto da denominada Geração X: a geração que se seguiu aos babyboomers do pós-guerra; seres rebeldes, livres e niilistas, nascidos nas décadas de 60 e 70, cansados, por simples tédio burguês, do american way of life, unindo-os um discurso ligeiro, coloquial e prático, entabulado pela alienação das massas, pelo consumismo, pela globalização, em suma, juntos são susceptíveis – ou, nesse caso, põem-se a jeito – de serem catalogados como epítome da frivolidade existencial contemporânea.
Palahniuk descende da nova vaga pós-modernista da ficção literária norte-americana. A sua estreia literária foi verdadeiramente prometedora. Em 1996, publicava o romance, considerado por muitos como a sua obra-prima, Fight Club (Clube de Combate, ed. port. de 1999, Editorial Notícias).
Muitas questões – ou quiçá, nenhumas… – poderiam ser levantadas se, em 1999, o realizador norte-americano David Fincher não houvesse levado à tela o dito romance – também para muitos, talvez para mim, o seu melhor filme. Magistralmente realizado, o filme contou com as interpretações irrepreensíveis, sublimes, mágicas de Edward Norton, Brad Pitt e Helena Bonham Carter – pronto, estou hiperbólico, estado que Fincher ousa impor-me. Porém, negar esse facto – o da cinematização do romance – para explicar o verdadeiro fenómeno que tornou Palahniuk como objecto de um culto literário, para além de falacioso, já que não existiria filme sem livro, sendo falso o seu inverso, seria como apreciar um carpaccio de salmão antes de, pelo menos, laminar as suas postas – que bela metáfora! Isto, por estes lados, anda cada vez melhor… [este é o meu Tyler Durden… o meu estado de espírito estival.]

Palahniuk é sobejamente conhecido por utilizar na substância das suas tramas tortuosas o tema do neoludismo: práticas de terrorismo urbano, de meios, organização e magnitude diversos que têm como alvo preferencial as grandes corporações multinacionais, de carácter globalizante, que emergiram nos mercados das economias ocidentais à custa do imparável fenómeno da globalização; alvos onde ademais se incluem as classes privilegiadas.
O prefixo “neo” deve-se, como é óbvio, ao reavivamento hodierno do ludismo, cujos primórdios remontam ao século XVIII na Inglaterra da Revolução Industrial. Os seus partidários e fundadores manifestavam-se contra o progresso tecnológico e científico e as suas implicações no factor humano, perpetrando acções terroristas organizadas, que quase sempre culminavam com a destruição de máquinas e instalações industriais. Segundo alguns, o termo “ludismo” tem na sua raiz etimológica o apelido de um operário da indústria têxtil chamado Ned Ludd, que em 1779, num ataque de fúria, entrou numa casa nos arredores de Leicester e destruiu à marretada dois teares de produção de malhas. Mais tarde os seus seguidores, os verdadeiros fundadores do Ludismo ou do Movimento Ludita, juraram fidelidade ao “Rei Ludd” – entidade abstracta – abjurando o Rei de Inglaterra, ficando para a História o dia 11 de Março de 1811 como o início das actividades luditas concertadas.
Para mais informações, porque não começar com um mestre?
Ler o fabuloso artigo de Thomas Pynchon, “Is It O.K. To Be A Luddite?”, publicado no The New York Times (Book Review) em 28 de Outubro de 1984, a propósito da comemoração dos 25 anos da dissertação, tão polémica, como revolucionária, “The Two Cultures and the Scientific Revolution” de C. P. Snow, no âmbito da ancestral e prestigiosa Rede Lecture na Universidade de Cambridge.

Hoje em dia, é inegável que Palahniuk arrasta consigo uma pequena horda de seguidores fanatizados com a sua escrita, prontos a espalhar pelo mundo o putativo sortilégio que emana dos seus livros. A Palahniuk resta apenas alimentar esse culto, não só através de uma sucessão impressionante de romances publicados – quase um por ano –, como também através de um aproveitamento quase irrepreensível desse claro factor de dependência, desse filão comercial, mediante o estabelecimento de uma interactividade público/autor, quase sempre perniciosa no mundo das letras, mas que com o escritor norte-americano tem servido de instrumento de fortalecimento para o seu culto – a clara identificação dos desenraizados do novo milénio.
Por exemplo, em Diário quase todos os nomes dos personagens correspondem a nomes de leitores na vida real. Para o efeito, Palahniuk lançou um concurso, comprometendo-se a seleccionar um conjunto de nomes que, mediante autorização, seriam utilizados no romance. Outros, porém, foram criados numa espécie de charada literária: leia o livro e descubra-lhe os “ovos de Páscoa”.

[Aviso: a partir deste ponto o texto poderá conter algumas pistas para o deslindar do enredo – é a minha veia ludita manifestada através da variante desmancha-prazeres. Se é que há algum para desmanchar…]
O romance, como o próprio nome indica, está redigido sob a forma de um diário, cujas entradas se situam entre os dias 21 de Junho – o solstício de Verão – e 3 de Setembro de um determinado ano. A sua autora, Misty Marie (Kleinman) Wilmot, narra os dias que se sucedem à gorada tentativa de suicídio do seu marido, Peter Wilmot, que, em resultado do terrível e caricato falhanço, se encontra em estado de coma num hospital que se situa fora da imaginária ilha de Waytansea – triste jogo de palavras, “wait and see”, é o local onde decorre a acção – ao largo da costa norte-americana do Pacífico.
Misty e Peter conheceram-se na juventude enquanto frequentavam uma escola de artes no continente. Misty fora criada no limiar da pobreza – pertencia à denominada “escumalha branca” – num parque de caravanas junto ao (inexistente) Lago Tecumseh, no estado da Geórgia, compartilhando uma roulotte com a mãe, que supostamente tinha dois tipos de ocupação… Peter provinha da ilha de Waytansea. Era um jovem andrajoso, de cabelo comprido sujo, que envergava inúmeras jóias de imitação, e, entre elas, um broche iridescente no blusão, previamente espetado no mamilo.
Misty tem aulas de História da Arte e de Anatomia humana. Através dessas disciplinas a protagonista inscreve no seu diário um sem-número de referências do anedotário do mundo das artes: artistas que criavam as suas obras de arte com as suas próprias fezes ou que aspergiam uma tela com o próprio vómito. De igual modo, há um rol de alusões que procura demonstrar que “arte é sofrimento” ou vista como sofrimento, citam-se exemplos de artistas eminentes à trouxe-mouxe e os seus segredos, insanidades e deformidades mais escondidos, como por exemplo o envenenamento por mercúrio ou por chumbo incluídos nas tintas.
Vejamos:

«– Se calhar, as pessoas têm de sofrer a sério antes de se arriscarem a fazer aquilo de que gostam.
Tu disseste isto tudo à Misty.
Contaste-lhe que o Miguel Ângelo era um maníaco-depressivo que se representou a si próprio como um mártir flagelado num quadro. O Henri Matisse desistiu de ser advogado por causa de uma apendicite. O Robert Schumann só começou a compor depois da mão direita ficar paralisada e acabou a sua carreira como pianista concertista.
[…]

Falaste-lhe do Nietzsche e da sua sífilis. Do Mozart e da sua uremia. Do Paul Klee e da sua esclerodermia que lhe encolheu as articulações e os músculos levando-o à morte. Da Frida Kahlo e da sua espinha bífida que lhe cobria as pernas de feridas sangrentas. Do Lord Byron e do seu pé deformado. Das irmãs Brontë e da sua tuberculose. Do Mark Rothko e do seu suicídio. Da Flannery O’Connor e do seu Lúpus. A inspiração precisa de doença, lesões, loucura.
– Segundo Thomas Mann – disse o Peter – Os grandes artistas são grandes inválidos.
[…]

E a Misty começou a pintar.
» (pp. 78-79)

Porém, Misty, que entretanto engravidara, vai viver para ilha de Waytansea, após a morte do sogro, para casa da mãe de Peter, Grace Wilmot, e deixa de pintar. Em breve, transformar-se-á numa vulgar empregada de mesa do restaurante do Hotel Waytansea, com um salário miserável e parcas gorjetas, para se sustentar a si e a Tabitha, a filha do casal, concebida, por uma série de práticas luditas de Peter, antes do casamento.

Como já referi, a acção inicia-se no momento em que Peter se encontra em estado de coma no hospital. Chega o Verão, o ferryboat traz os primeiros veraneantes para a ilha. Os proprietários regressam às casas de férias, arejando-as do ar bafiento pelo encerramento de uma temporada. Começam os problemas…
Entrada no diário: «21 de Junho. A Lua a Três Quartos.» Abertura do romance: «Hoje telefonou um homem de Long Beach. Deixou uma mensagem muito longa no atendedor de chamadas, balbuciando e gritando, falando depressa e devagar, praguejando e ameaçando chamar a polícia, para te mandar prender.» (pág. 9)
Angel Delaporte – mais um jogo de palavras, desta feita em francês, para o “anjo da porta” – queixa-se que a sua cozinha desapareceu. Peter que cuidava das casas abandonadas pelos proprietários durante o Inverno fechou a cozinha de Delaporte: «Um homem telefona do continente, de Ocean Park, a queixar-se que a cozinha desapareceu.» (pág. 23)
Aí está o recorrente neoludismo de Palahniuk. Peter antes de ter tentado o suicídio vandalizou as casas de Verão. Delaporte fez um furo na parede que tapava a cozinha e descobriu um conjunto de frases pintadas na parede: «…ponham o pé na ilha e morrem…» ou «…fujam o mais depressa que puderem deste sítio. Eles matarão todos os filhos de Deus se isso significar salvar os seus próprios…» (pág. 25)

Estão reunidos os ingredientes para mais uma narrativa tortuosa palahniukiana. Porém, a base residirá numa harmonia filosófica entre Platão e Carl Gustav Jung, o Síndrome de Stendhal e um Angel Delaporte estudioso e sintetizador das teorias e métodos de Stanislavski, Pavlov, Sechenov e Poe:

«A análise da caligrafia e a escola do Método, o Angel diz que ambas se tornaram populares ao mesmo tempo. Stanislavski estudou a obra de Pavlov e o seu cão salivante e a obra do neurofisiologista I. M. Sechenov. Antes disso, Edgar Allen Poe estudou grafologia. Toda a gente estava a tentar ligar o físico e o emocional. O corpo e o espírito. O mundo e a imaginação. Este mundo e o seguinte.
[...]
[Angel profere a seguinte asserção, depois de haver passado o dedo indicador de Misty sobre as letras pintadas na parede pelo comatoso Peter]:

– Se a emoção consegue criar acção física, então, o duplicar da acção física consegue recriar a emoção.
» (pág. 66)

Juntemos a filosofia de pacotilha à psicanálise baseada nos arquétipos universais de Jung – com um erro de palmatória «Segundo o filósofo alemão Carl Jung (…)» [destaque meu] (pág. 220) –, ver os outros como projecção de nós próprios, e à Alegoria da Caverna de Platão – «Como a tua cabeça é a caverna, os teus olhos a boca da caverna. Como vives dentro da tua cabeça e apenas vês aquilo que queres.» (pp. 290-291), com a experiência paralisante de Stendhal em 1817, quando visitava Florença, para o seu livro Rome, Naples et Florence, e depois de um dia a visitar os esplendorosos monumentos da cidade, entra na Basílica de Santa Croce em Florença, e eis que se vê acometido de alucinações, ritmo cardíaco acelerado, vertigens e tonturas não só pelos magníficos frescos e pela sua arquitectura fascinante, como também por aí estarem sepultadas figuras esmagadoras como Galileu, Maquiavel ou Miguel Ângelo – foi-lhe diagnosticada “overdose de beleza” –, e teremos o desenlace. Tudo isto numa linguagem pobre, superficial e com as inevitáveis reviravoltas na intriga, que inviabiliza uma leitura honesta ou, então, são os tais bolos com que se compram os tolos.

Classificação: ** (Medíocre)

Referência bibliográfica:
Chuck Palahniuk, Diário. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 1.ª edição, Junho de 2007, 299 pp. (tradução de Maria Dulce Guimarães da Costa, Vasco Teles de Menezes; obra original: Diary, 2003).

Nota: Havendo derrogado este ano, por duas ocasiões, o critério de avaliação das obras objecto da minha leitura – não revelar as obras classificadas abaixo das 3 estrelas –, passarei a incluir na coluna da direita, com a respectiva ligação, algumas – e não todas – destas obras. O contador “Livros de 2007” continuará a reflectir, por diferença, o número de obras não incluídas: à data, a diferença é de 1 obra (28 lidas – 27 classificadas).

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Contratação

Na impossibilidade de contratar Gardel ou Piazzolla, o meu clube prepara um novo projecto para orientar a invasão argentina:




Animação garantida!

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Direito de resposta

Exercido por Abílio Neto, santomense, autor do blogue Uma Abordagem, como resultado do texto por mim publicado no passado dia 13 de Junho de 2007, sob o título “Hermenêutica do Racismo”:

«
Caros,
Sobre os V/ escritos.
É preciso não conhecer a obra do Chinua Achebe, CA, (ninguém é obrigado a conhecer tudo), só assim se explicando a estreiteza dos V/ comentários. Reduzir a complexidade da escrita de CA ao mais simples PC parece dar razão ao principal argumento do seu artigo sobre a obra de Conrad: não é (continua a não ser) possível existir complexidade no homem africano, real, criador e / ou representado.
Sobre a justificação da minha intervenção.
Conheço bem as obras de Achebe, Conrad, DeLillo, Roth - nutro uma autêntica paixão por qualquer uma delas - e também pela obra de Edward Said, cuja leitura aconselho, caso queiram ter uma ideia de outras aproximações, considerando as limitações dos comentários que acabei de ler.
Sobre os meus argumentos.
Tanto CA como Said reconhecem o talento dos autores das obras analisadas, reconhecem a qualidade literária das obras, reconhecem o contexto da narração e da acção e reconhecem a «injustiça literária» das suas abordagens, mas avançam para análise, antecipando as suas perspectivas, são culturalistas. Por isso, obrigam-se, no seu tempo, podendo fazê-lo (na altura em que Conrad publicou não podiam fazer...) a dar as suas visões críticas, claro e óbvio, sem fugir ao enquadramento político, que os motiva, pelas suas condições. Para tal, preocupam-se em desconstruir textos de manifesta visibilidade, porque são aqueles que fazem consciências. O privilégio de não ter que o fazer desta forma, a forma de CA e Said, é dos Ocidentais... que podem e puderam sempre ler, tranquila e incondicionalmente.
Sobre mim.
Sim, sou africano, já consigo e posso ler, e, hoje, nem sequer sou particularmente «exótico». Não, não considero Conrad um racista, considero que ele não podia ser outra coisa, e isso agrada-me, porque, hoje, eu posso ser o que quiser. Graças ao Conrad, ao Chinua, ao Roth, ao DeLillo, ao Said e a muitos outros.
Gosto deste blog. Continue. Que merecerá a minha visita.
Desculpa pela maçada ou massada! Feito à correr.
Abraços,

Abílio Neto
».

Álcool

Reparei hoje. O Vítor Neves Fernandes deu, de forma graciosa e abnegada, o seu inestimável contributo para o progresso e o aprofundamento dos estudos protésicos em Portugal ao debruçar-se sobre esse fenómeno em emergência que se deu a conhecer ao mundo por blogosfera.
Partindo do axioma de que um blogue é como “a extensão do pénis”, o Vítor realizou um estudo empírico sobre a população alvo, baseando-se numa amostra perfeitamente aleatória – e que sobre essa aleatoriedade não subsista qualquer sombra de dúvida – de 10 indivíduos , maiores de idade e de ambos os sexos, que impudicamente exibissem à data, pelo menos, uma “extensão peniana”, vulgo blogue. O objectivo do estudo era o de avaliar o impacto do álcool, esse incompreendido instrumento de expiação, sobre a capacidade e a perícia da produção seminal na blogosfera.
De forma a aperfeiçoar o estudo, o Vítor contou com a preciosa ajuda de dois ejaculadores canónicos, não protésicos. O objectivo era o da introdução no modelo de uma variável de controlo, cujos dados foram recolhidos em entrevistas realizadas por si para a revista literária
The Paris Review – o que significa que angariou mais uns cobres para o financiamento do seu trabalho de investigação – a Philip Larkin e a Vladimir Nabokov.
Hoje em dia, como é do domínio de qualquer eminente membro da plebe blogonauta, o lugar que alberga um sem-fim de extensões penianas é um espaço privilegiado para o exercício da reciprocidade, assaz estimuladora da reprodução livre, mas também da paz social e da harmonia global. Nesse sentido tentei dar o meu apport – ah, que toque de classe! – empenhando-me seriamente nessa tarefa hercúlea iniciada pelo Vítor. Usei os meus contactos e o meu solícito agente mediador, um americano do Tennessee chamado Jack Daniels – o qual, vindo a talho de foice, pertence à mais fina aristocracia, é um Bourbon. Porém, todos os meus esforços produziram um e um só resultado. Todos os meus contactos, de casta certificada, Lowry, Bukowski, Hemingway e Dylan Thomas, foram unânimes na resposta, indicaram-me um… português: Mário de Sá-Carneiro (já não lhe bastava o aborrecimento de Camarate…)
Vítor, aqui fica o meu modesto contributo:

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo –
Luto, estrebucho… Em vão! Silvo pra além…

Corro em volta de mim sem me encontrar…
Tudo oscila e se abate como espuma…
Um disco de ouro surge a voltear…
Fecho os meus olhos com pavor da bruma…

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio d'inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eterizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante –
Manhã tão forte que me anoiteceu.


Mário de Sá-Carneiro, Álcool (Paris 1913 – Maio 4.)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Ritmos Etéreos (I)

Do holandês Jaydee, Plastic Dreams (1992):

Andava eu pelos 20. Várias manhãs a sair das catacumbas no Parque Itália (à Júlio Dinis)… os óculos escuros, por antecipação, já seguiam no casaco... Foi há 15 anos!

Ouvir aqui a música completa (melhor qualidade).

Algum Abandono

Capítulo I
Ando arredio. Por vezes, este exercício catártico a que se convencionou chamar de blogosfera – quiçá por disfuncionalidade anatómica ou por dislexia orgânica, nunca a vi como “extensão da pila” (deixemo-nos de pruridos penianos) – deixa-me prostrado, sem ânimo, o cursor a pulsar sobre a folha branca antes do copy & paste, as ideias formigam na minha cabeça, seguem num curso definido e delimitado, mas frequentemente acabam por desembocar num delta, gigantesco, pantanoso… assalta-me um sentimento de vazio: não têm ponta por onde se lhes pegue.

Capítulo II
Livros. Não me sinto capaz de encontrar um simples fio que me conduza à materialização das emoções que se me afloraram durante a sua leitura num texto estruturado. O livro de Palahniuk, que terminei há 5 dias, é medonhamente mau, é pura e simplesmente literatura rasca. Escrevi um monte de parágrafos e não os consigo encaixar num todo conexo que seja capaz de exprimir o meu sentimento de desagrado... repousa para amadurecimento. O mesmo se passa com Aqui Nos Econtramos de John Berger, embora com alguns sentimentos misturados, um belíssima primeira parte e um final um pouco fastidioso. Terminei-o há dois dias, atribuir-lhe-ia talvez 4 estrelas – Bom – mas não consigo encontrar as palavras. Cansam-me as remissões ao texto escrito, tenho preguiça de as procurar. Já para nem falar nalguma frase tipicamente de literatura comparada que, em certas ocasiões, aponho nos meus textos curtos de avaliação pessoal de uma obra. Pensei em Vertigens. Impressões de Sebald, Berger fez-me recordá-lo, porém não vislumbro as palavras que permitam consubstanciar a suposta semelhança entre as duas obras.

Capítulo III
Depois… Depois há a hora habitual do exercício da escrita na blogosfera. Aproveito o silêncio que prepondera no intervalo de tempo em que o trio fantástico de pares de cromossomas X inicia a sua peregrinação ao mundo dos sonhos, e eu, um insone por excelência, ainda vagueio pela casa inventando coisas – a ler, a comer, a ver televisão ou DVD, mais um iogurte com cereais, mais um livro, a escrever no blogue, and so on – antes de me deitar e dormir 4 ou 5 horas... OK, é pouco e eu não sou o Marcelo Rebelo de Sousa, recupero-as (refiro-me às horas de sono perdido) aos fins-de-semana.

Capítulo IV
Não é justo!, assevero com uma estranha indignação. A RTP2 anda a passar o Curb Your EnthusiasmCalma, Larry em Portugal – do genial argumentista e produtor de Seinfeld Larry David. A 1.ª temporada foi exibida na íntegra na semana passada – dois episódios por dia, nos dias úteis. Esta semana iniciou-se a 2.ª temporada – que ainda não havia visto. Há pouco mais de 1 hora acabei de ver os 3.º e 4.º episódios. Talvez se recordem: (3.º ep.) “Trick or Treat”, as meninas adolescentes que vão à porta da casa de Larry para o costumeiro “trick or treat?” na noite de halloween e que são corridas por este pela bitola idade e a qualificação de “vagamente disfarçadas”, mas também é o episódio do assobio do arranjo orquestral Idílio de Siegfried de Richard Wagner que o compôs para oferecer à sua mulher, Cosima, no dia do seu aniversário… a propósito Cheryl faz anos; (4.º ep.) “The Shrimp Incident” lembrem-se dos camarões que faziam parte do prato encomendado por Larry e que, alegadamente, o patrão da HBO comeu, por uma infeliz troca de encomendas, mais tarde remediada porém desfalcada de 8 dos precisosos bichos… É o episódio onde Larry é acusado de violência doméstica e de misoginia pelo uso da palavra “cunt” numa mesa de póquer. Alguém sai do armário…

Epílogo
A hora do silêncio é agora ocupada por Larry David
Para os 7 (e estou a ser generoso) que me lêem com atenção, as minhas desculpas. Queixem-se à HBO e especialmente à RTP2, cada vez melhor na sua criteriosa programação.

Rebuçado

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Alívio

Nove milhões de portugueses sentem que se aproxima, enfim, o momento da libertação do miasma centralista – infelizmente em tese ou, pelo menos, naquilo que os olhos vêem.
Foram meses em que se não era a Ota, era a Câmara, e se não era a Câmara, era Berardo e o Benfica, o Berardo e o Museu Berardo e depois o Mega… chega!
Todavia, enquanto essa libertação, puramente ilusória, não puder ser gozada em toda a sua plenitude, os telejornais e os canais de televisão ditos generalistas vão-nos matraqueando com inúmeros rescaldos. As máquinas partidárias tiram as suas ilações para o todo nacional: vão rolar cabeças... Por aqui vai-se aguardando, em ansiosa esperança, por uma exportação laranja em 2009. A bem da Nação. O Porto perderá o seu filho dilecto, conjuntamente o mais amado pelos lisboetas que, em seis anos de exortações laudatórias, o poriam em cada esquina da Capital.
Os nove milhões continuarão, apesar de tudo, a viver as suas vidas. Desses, três milhões ainda respiram saúde pelo sorvedouro de recursos luso-centralista. Os restantes lutam por manter um nível de vida apenas equiparado ao das regiões mais pobres da Europa a 27.
Cá em cima, o Querido Líder promove uma competição automobilística na zona mais rica da cidade, bem longe do São João de Deus (à Areosa) onde ainda se trafica droga às claras. Quis o destino que as ruas da Alegria, D. João IV, Santa Catarina, do Bonjardim ou toda a zona do Bonfim e de Campanhã se houvessem assestado no extremo oposto da cidade: degradado e degradante; o local com maior incidência de casos de tuberculose do país, doença que, como se sabe, vem sempre associada à miséria extrema.
O Querido Líder faz uma declaração única ao seu blogue… à página da
Web da Câmara que escapou ao país: «uma das marcas mais fortes da cidade do Porto». As corridas de automóveis, a sua grande paixão, para promover a marca Porto. O desporto promove a cidade! É caso para dizer: o que eu lutei para aqui chegar...
«O Porto possui esta marca muito forte, que temos de prestigiar cada vez mais, evitando, na medida do possível, cometer também cada vez menos erros e falhas.»

Mas:
Estamos todos felizes. De anestesia em anestesia, o país rejubila. Sócrates saiu incólume. Lisboa tem Presidente!

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Neoludismo

Se me encontrarem, hoje ou nos próximos dias, num McDonald’s de lenço estendido a apertar, com exagerado entusiasmo, a mão ao empregado do mês, desconfiem.
É um problema de imunidades

quarta-feira, 11 de julho de 2007

A Caneta de Astronauta

Um dos melhores episódios de toda a série Seinfeld é, sem dúvida, “The Pen”, o 5.º episódio da 3.ª temporada.

Jerry e Elaine (Julia Louis-Dreyfus) deslocam-se à Florida para fazer mergulho, ficando a dormir no apartamento dos Seinfeld – pais de Jerry.
Um dos condóminos, Jack, amigo do pai, Morty Seinfeld, faz a demonstração das potencialidades de uma “caneta de astronauta”. Perante o fascínio de Jerry, Jack oferece-lhe a caneta. Porém, mais tarde, por insistência da sua mulher, dá o dado por não dado e exigi-lhe a caneta de volta. Morty fica terrivelmente irritado...
Por essa altura, irá realizar-se a sessão de encerramento do período em que Morty presidiu à administração do condomínio…
Entretanto, Elaine padece de uma horrível dor de costas devido ao desconforto do sofá-cama onde dormiu em casa dos Seinfeld, e não só não acompanha Jerry à sessão de mergulho, como também toma um relaxante muscular que a deixa completamente desvairada.
Jerry, por seu turno, a caminho da sessão de mergulho sofre um acidente e fica com um olho negro. Solução para poder presenciar a sessão de encerramento: um par de óculos escuros.

Eis a cena final, que, ainda hoje, apesar de a haver visto por umas cerca de 134 vezes, me vai deixando à beira das lágrimas…
Mote: Marlon Brando é Stanley Kowalski em Um Eléctrico Chamado Desejo (peça de Tennessee Williams, 1947 / filme de Elia Kazan, 1951):

terça-feira, 10 de julho de 2007

Exposição - Pedro Vieira

Inauguração da Exposição de Pedro Vieira.
[evento cancelado, ver motivos aqui]

Brilhante cartoonista/ilustrador/designer, blogger que muito estimo.

(Para mais detalhes, carregar na imagem para ampliar.)


Liquidação Total

A FC Porto, Futebol SAD em época de saldos:

Pepe

Quem se seguirá?
Quaresma? Lucho? Bosingwa? Os três em simultâneo com rapel e desconto de 5% em caso de pronto pagamento?

Agora, V. Exas., senhores administradores bem remunerados, não se esqueçam de me enviar mais uma carta com a mensagem cada vez mais enganadora: “O Seu Lugar no Palco das Emoções”.

O cúmulo da desfaçatez: pedir 450 euros pelo meu antigo lugar anual para lutar pelas posições que dão acesso às competições europeias!

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Hofmannsthal

Se fosse alemão, austríaco, suíço de cantão alemão ou até brasileiro gaúcho de origem alemã, ter tamanho apelido seria certamente uma privilégio, cujo sufixo gutural ganha especial proeminência.

Hugo Laurenz August Hofmann (1874-1929), Hugo von Hofmannsthal, poeta, dramaturgo, libretista e ensaísta austríaco, ficou conhecido pela sua poesia e peças de forte pendor lírico, e ficará indelevelmente ligado ao Festival de Salzburgo, que reabilitou após a I Guerra Mundial conjuntamente com outras eminências da época, como o director do Teatro de Salzburgo Max Reinhardt, o cenógrafo Alfred Roller, o maestro Franz Schalk e o compositor Richard Strauss, de quem se tornou grande amigo, havendo escrito seis libretos para óperas do compositor alemão:
  • Electra (Elektra, 1903 [estreia em ópera: 1909]);
  • O Cavaleiro da Rosa (Der Rosenkavalier, 1911);
  • Ariana em Naxos (Ariadne auf Naxos, 1912 [versão revista em 1916]);
  • A Mulher sem Sombra (Die Frau ohne Schatten, 1913 [estreia em ópera: 1919]);
  • A Helena Egípcia (Die Ägyptische Helena, 1928);
  • Arabella (1929, [estreia em ópera:1933]).

Das restantes obras destacam-se, entre outras, as suas primeiras deambulações pela poesia lírica, como por exemplo a peça dramática em verso A Morte de Ticiano (1892), passando, mais tarde, a dedicar-se numa quase exclusividade à dramaturgia, área onde se sentia mais apto para desenvolver as suas pulsões estéticas, manifestando no seu famoso ensaio ficcional Carta de Lord Chandos (Ein Brief, 1902), redigida a 22 de Agosto de 1603 pelo distinto Philip (Lord Chandos), filho mais novo do Conde de Bath, ao filósofo e político Francis Bacon (1561-1626), em tom de elegia pelo abandono prematuro das artes literárias, pela sentida insuficiência da linguagem como meio de expressão do mundo. Destacam-se, ademais, obras como a adaptação para teatro da obra moral inglesa Everyman do século XV, Todo-o-Mundo (Jedermann, 1911)*, peça que iria marcar durante anos consecutivos o Festival de Salzburgo, apresentada pela primeira vez em 1920; e, por exemplo, A Torre (1925).

Andreas é uma obra ficcional em prosa que, segundo a contracapa da edição da Relógio D’Água, começou por ser imaginada pelo próprio autor em 1905, conforme uma entrada no seu diário, com o objectivo de este estabelecer uma reconciliação com a sua infância – o título original completo na nossa língua seria Andreas ou a Reconciliação. Todavia, por ironia do destino, Andreas é uma obra inacabada e apenas foi publicada postumamente, em 1932, dada a morte inopinada e fulminante do seu autor a 15 de Julho de 1929 – contava 55 anos –, vítima de um ataque cardíaco, ao que se supõe motivado pelo terrível desgosto que o ensombrou quando, dois dias antes, o seu filho mais novo, Franz, se suicidou.
A novela inacabada de Hofmannsthal narra um curto período da vida de Andreas von Ferschengelder, um mancebo austríaco de 22 anos pertencente à baixa nobreza vienense, que deixa, em Setembro de 1778, a sua terra natal rumo a Veneza, numa viagem financiada pelos pais, para que aquele, imbuído do seu inebriamento diletante, pudesse conhecer o mundo através do contacto com outros povos e culturas, e realidades distintas.
«O seu pai ficaria muito satisfeito por saber isso, estava sempre muito interessado em tomar conhecimento das particularidades e curiosidades de outros países e de outros costumes.» (pp. 14-15)
No entanto, a sua estadia em Veneza é desde logo marcada pela inquietação, quando o barqueiro que o trouxe deixa as suas malas estendidas numa escada de pedra no cais de desembarque e o jovem Andreas se vê completamente isolado, à seis da madrugada e sem alguém a quem recorrer:
«Lindo serviço! (…) Isto está a ficar bonito… deixar-me aqui sem mais nem menos. Carruagem, em Veneza não há, que eu bem sei. Moço de fretes? Que poderia ele andar a fazer por estas bandas, num recanto ermo como este, um verdadeiro cu de judas? (…) Entretanto, rasgando o silêncio da manhã ouviram-se passos apressados que ressoavam nítidos nas lajes da rua (…) de uma ruela surgiu, por fim, um vulto mascarado (…)» (pág. 7)
Andreas aborda o homem mascarado e, de súbito, percebe que, debaixo da capa de dominó, este apenas envergava uma camisa para além de uns sapatos sem fivela e umas meias enroladas que deixavam entrever a barriga das pernas.
Na abertura da novela prenuncia-se a mundanização de uma alma até então pura, a perda da inocência, o desmoronar de toda a credulidade que cegava o bom selvagem, a conquista da experiência de vida que, inevitavelmente, se faz por tentativas e erros, pela dor ou pelo sofrimento infundidos por actos malsucedidos ou fracassados.

Sem as profundidade e capacidade encantatória de romances ou novelas similares de autores seus contemporâneos de língua alemã, lembrando-me de, também seu compatriota, Robert Musil (1880-1942) e o seu Törless, Robert Walser (1878-1956) e o seu Jakob von Gunten, ou mesmo de Thomas Mann (1875-1955) e o seu Tonio Kröger, Andreas, apesar de na versão portuguesa se estender por apenas noventa páginas, não é uma obra de leitura fácil, dado o emaranhado de pormenores, porquanto uma leitura desatenta obrigará certamente a um generoso retrocesso nas páginas, e até pelo forte teor simbólico que Hofmannsthal lhe quis atribuir.

Apenas uma última nota para a tradução: sofrível. Para além da utilização abusiva, por todo o livro, do pleonasmo, normalmente decorrente do seu uso abundante na oralidade, “ anos atrás”, fica um erro, bastante comum nos tempos que correm, mas que me irrita particularmente: «Ia desfolhando o livro vagarosamente…» (pág. 31) Só a imagem que sobrevém à minha mente de um livro a ser despojado das suas folhas, já é motivo de irritação. No meu entender e apesar do seu uso frequente como palavras sinónimas, “folhear” é assaz diferente de “desfolhar”, mas deixo isso aos linguistas.

Classificação: **** (Bom)

Referência bibliográfica:
Hugo von Hofmannsthal, Andreas. Lisboa: Relógio D’Água, 1.ª edição, Abril de 2007, 90 pp. (tradução de Leopoldina Almeida; obra original: Andreas oder die Vereinigten, 1932).


*A propósito do último romance do escritor norte-americano Philip Roth, Everyman, editado este ano entre nós pelas Publicações Dom Quixote, de realçar que Jedermann de Hugo von Hofmannsthal já se encontrava editado em Portugal, pelo menos no ano de 1986, sob a chancela da Estante, com tradução de João Barrento.

domingo, 8 de julho de 2007

Correntes

Como há pouco mais de dois meses expliquei aqui, normalmente não encadeio as inúmeras cadeias que percorrem a blogosfera. No entanto, desta vez, dado o convite do Sérgio e da Mónica para nomear os últimos cincos livros que passaram, de forma mais aprofundada, pelos meus olhos, não irei negar o convite que me foi dirigido, não só devido ao assunto desta corrente, que como sabeis me é muito caro, mas também, e sobretudo, como uma forma de evidenciar o remorso que se apoderou de mim quando não dei sequência à corrente blogosférica anterior.

Os meus últimos cinco livros (algumas leituras facilmente comprováveis pela exibição da minha apreciação, se publicados em 2007):

  • As Não-Metamorfoses, de Alexandre Andrade (Errata, 2004);
  • Sangue Sábio, de Flannery O’Connor (Cavalo de Ferro, 2007);
  • Experiência, de Martin Amis (Teorema, 2002);
  • Andreas, de Hugo von Hofmannsthal (Relógio D’Água, 2007);
  • Em Busca do Carneiro Selvagem, Haruki Murakami (Casa das Letras, 2007).

Estou a ler:

  • Diário, de Chuck Palahniuk (Casa das Letras, 2007);
  • God Is Not Great: How Religion Poisons Everything, de Christopher Hitchens (Twelve, 2007).

A reler:

  • Traições, de Philip Roth (Bertrand, 1991).

Para minha expiação passo a palavra ao Paulo Kellerman, ao André Benjamim, à Fátima Pinto Ferreira, ao Carlos Araújo Alves e, já agora, às minhas estimadas Misses Woody & Allen, pela glosa na anterior cadeia.

sábado, 7 de julho de 2007

Momento Solnado

E dizes tu que não conversas com Ele – ou ele, ou ela (versão Maria Belo).
Andava eu a escrever qualquer coisa sobre umas declarações escritas, mefistofélicas, ateístas, antiteístas, porém rutilantes e piadéticas por CHRISTopher HITCHens, palavras apenas não publicadas por algum pudor provindo de moderada lembrança (anamnese) educacional… desculpa pai (bem grafado, para que se entenda).

Pronto, confesso, não li tudo. Alguma sovinice disfarçada de enorme indignação pelos 22,46 euros – e porque não posso passar o dia a fumar cigarro atrás de cigarro, pela minha saúde, no Fórum Fnac – quando o livro custa 14,99 dólares (11,03 euros ao fixing cambial de ontem).

Afinal, falaste com a John Nash, Jr. lusa mas-com-cérebro-
homérico!?

Nota: amanhã, talvez – momento Doce da noite – postarei o último quinteto. É que estou com o Palahniuk na mão… é peganhento.

Bendita interactividade! Acabo de constatar que estás de PARABÉNS. Um abraço.

Porra, e não é que toda a gente, neste círculo íntimo, é mais nova que eu!

Interpol

Em Slow Hands (na versão ao vivo abaixo), do álbum Antics de 2004, a voz de Paul Banks segue os passos do deus Ian, se bem que num registo menos baixo e não tão cavo.
Atentem nos acordes arrancados da guitarra principal por Daniel Kessler, isolem-nos… a típica harmonia, etérea, feérica, de Joey Santiago.
Sam Fogarino é Stephen Morris… Basta que se recordem de 24 Hour Party People – filme de 2002 realizado por Michael Winterbottom –, quando o estouvado Martin Hannett despacha Morris para o exterior do estúdio para que este aperfeiçoe a sua técnica na bateria, tocando-a horas a fio.
Momento do curto solo de baixo (dos 2’05’’ aos 2’12’’) temos Carlos D. no papel do magistral Peter Hook – tanto do seu som é Joy Division.

Com reminiscências (influências) assim, eis os melhores newcomers da actualidade (banda fundada em 1998, a tocar a sério desde o Verão de 2002):



Nota: a versão original de Slow Hands tem mais som de Boston do que de Manchester

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Dan Brown dos intelectuais...

Houve já quem lhe tivesse chamado “o Dan Brown dos intelectuais”. Outros ainda deixaram de o ler quando verificaram que Kafka à Beira-Mar – o terceiro livro do autor a ser publicado em Portugal – se manteve, durante um tempo considerável, em posição cimeira nos tops de vendas de livros no nosso país, como se popularidade fosse sinónimo de mau gosto, de iliteracia e implicasse, desde logo, a menor qualidade do produto vendido.
Falo, é claro, do autor japonês, nascido em 1949 na cidade de Quioto, Haruki Murakami, a propósito da leitura recente do seu romance Em Busca do Carneiro Selvagem, originalmente publicado em 1982 no Japão – título em inglês: A Wild Sheep Chase.
O que há em Murakami? (utilizando para o efeito esta oração interrogativa própria, e tão típica, do coloquialismo de habla castellana).
Imaginação fértil, fantasia, e um conjunto personagens vulgares cujas vidas se conglomeram no quotidiano anódino e cinzento de uma sociedade tipicamente edificada na inexorabilidade dos padrões e ritmo de vida ocidentais.
Toda a prosa ficcional de Murakami parte da premissa da possibilidade de uma catarse, libertadora das trevas que agrilhoam o indivíduo a uma rotina dilacerante, posta em prática pela imaginação criadora da raça humana, ou melhor, possibilitada pelo seu dom único e exclusivo de sonhar. E o resultado é uma alegoria onde o transcendental, o divino, e o material e o mundano se entrecruzam num estranho jogo de símbolos levado aos limites do absurdo. Neste aspecto Murakami parece saber explorar todas a potencialidades do ilógico ou paradoxal, transversal ao enredo puramente hitchcockiano, ou melhor criado pelo Mestre dos mestres da sétima arte, onde nem sequer estranhamos, ou façamos disso a pedra basilar da nossa íntima avaliação do produto final, que para se perpetrar um homicídio se recorra, por exemplo, como em Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), a uma avioneta agrícola de pulverização de colheitas para aniquilar o pobre Cary Grant numa estrada deserta, onde um simples tiro causaria menos espalhafato.
O absurdo é a matéria-prima do processo de construção plástica de Haruki Murakami, trazendo ao quadro final uma miscelânea de tons garridos que forma um todo harmonioso. Minimizar estas capacidades – entenda-se depreciar o autor sem que se alcance ou entenda o desenvolvimento do seu processo criativo – é pura desonestidade intelectual. O que é bem diferente da simples avaliação positiva ou negativa – ou até neutra – de acordo com o gosto eminentemente pessoal de cada leitor.

Com personagens poucos trabalhados e que por vezes parecem surgir do nada, com metáforas em certas ocasiões pueris e com um ritmo narrativo a dois tempos, umas vezes acelerado, outras vezes fastidiosamente lento, o terceiro romance da carreira literária de Haruki Murkami, Em Busca do Carneiro Selvagem – último da trilogia de O Rato –, revela-se como um produto final atabalhoado e pouco consistente; esteve longe de se aproximar das minhas exigências estético-literárias, perfeitamente alcançadas com romances como Norwegian Wood (1987, ed. port. 2004) ou Crónica do Pássaro de Corda (The Wind-Up Bird Chronicle, 1995; ed. port. 2006). Situá-lo-ia ao nível do desapontante Kafka à Beira-Mar (Kafka on the Shore, 2002; ed. port. 2006) e um pouco abaixo de Sputnik Meu Amor (Sputnik Sweetheart, 1999; ed. port. 2005).

Classificação: *** (A Ler)

Referência bibliográfica:
Haruki Murakami, Em Busca do Carneiro Selvagem
. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 1.ª edição, Abril de 2007, 369 pp. (tradução de Maria João Lourenço; obra original: Hitsuji o meguru bōken, 1982).

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Opiniões Fortes

Vladimir NabokovHá 30 anos, no dia 2 de Julho de 1977, morria no Palace Hotel de Montreux, Suíça, o escritor russo Vladimir Vladimirovich Nabokov (n. 22 de Abril de 1899), vítima de uma infecção viral.

Em jeito de homenagem, deixo aqui ficar algumas das Opiniões Fortes*, ordenadas aleatoriamente, quase sempre carregadas da empáfia e da verrina que lhe eram típicas, de um dos maiores escritores de todos os tempos.

Sobre Freud [o seu alvo predilecto] e de o haver chamado de doutor-bruxo:
«(…) detesto não um mas quatro doutores: Dr. Freud, o Dr. Jivago, o Dr. Schweitzer e o Dr. Castro. É claro, o primeiro ganha a palma, como dizem os ajudantes na sala de dissecação. Não faço tenções de sonhar as ordinarices dos sonhos da classe média dum velho ranzinza austríaco de guarda-chuva roto. Sugiro também que a fé freudiana conduz a consequências éticas perigosas, como quando um asqueroso assassino com o cérebro de uma ténia recebe uma sentença mais leve porque a mãe lhe bateu de mais ou de menos… dá para os dois lados. A gritaria freudiana parece-me tanto uma farsa como o gigantone de madeira polida com um buraco polido no meio que não representa nada a não ser a face alvar de um filisteu a quem disseram que se trata duma grande escultura produzida pelo maior homem das cavernas vivo.» (BBC 2, 1968)

Sobre escritores contemporâneos da sua preferência:
«Tenho alguns favoritos… por exemplo, Robbe-Grillet e Borges. Como se respira livre e reconhecidamente nos maravilhosos labirintos de ambos! Gosto da sua lucidez de pensamento, da pureza e da poesia, da miragem no espelho.» (Playboy, 1964)

Sobre O Duplo de Dostoievski:
«O Duplo de Dostoevskii [sic] é a sua melhor obra, embora seja uma imitação evidente e sem vergonha do “Nariz” de Gogol (…)» (Wisconsin Studies in Contemporary Literature, 1967)

Sobre o uso da expressão “génio” para qualificar escritores:
«A palavra “génio” circula bastante generosamente (…) Pelo menos em inglês, porque a sua contrapartida russa, geniy, é um termo carregadíssimo de uma espécie de respeito gutural e só se usa com um número muito pequeno de escritores, Shakespeare, Milton, Tolstoi. Com autores profundamente amados, como Turgenev [Ivan Turguéniev] e Tchekhov, os russos utilizam o termo mais magro, talant, talento, e não génio (…) ainda me sinto horrorizado ao ver a palavra “génio” aplicada a qualquer contador de histórias importante, como Maupassant ou Maugham. Génio continua a significar para mim, no meu enfado e orgulho de russos na frase, um dom raro, ofuscante, o génio de James Joyce, e não o talento de Henry James.» (BBC 2, 1969)

Sobre a frequente comparação da sua escrita com Borges e Beckett, por alguns críticos:
«Oh, sei perfeitamente quem são esses comentadores: espíritos lentos, dactilógrafos apressados! Fariam melhor se ligassem Beckett a Maeterlinck e Borges a Anatole France. Poderia ser mais instrutivo do que dar à língua sobre um estranho.» (Vogue, 1969)

Sobre a literatura americana pós-1945:
«(…) raramente existem simultaneamente numa determinada geração mais do que dois ou três escritores verdadeiramente de primeira ordem. Penso que Salinger e Updike são de longe os artistas mais finos dos anos mais recentes. O falso best-seller sexy, o romance ordinário, violento, o tratamento novelístico de problemas sociais ou políticos, e, em geral, os romances constituídos principalmente por diálogo ou comentário social, esses estão banidos terminantemente da minha mesinha-de-cabeceira. E a mistura popular de pornografia e trapaça idealista dá-me absolutamente vómitos.» (TV 13 NY, 1965)

E para terminar em beleza, à pergunta «Qual é a sua posição no mundo das letras?», respondeu:
«É linda a vista aqui de cima.» (The New York Times Book Review, 1972)

Todas as citações foram retiradas de:
Vladimir Nabokov, Opiniões Fortes. Lisboa: Assírio & Alvim, 1.ª edição, Maio de 2005, 377 pp. (tradução de Carlos Leite; obra original: Strong Opinions, 1973).

Experiência

Saul BellowQuando há doze anos comecei a dar aulas – hoje, a despeito da eventual mutabilidade opinativa provocada pela envolvente, intuo haver-se tratado do maior erro da minha vida – tudo aquilo que não pretendia ser, em razão até de um resultado longamente depurado da minha observação desde a franja exterior mais próxima do mundo académico, era tornar-me num reles assistente pedante e obsequioso, radicado num lamaçal até à cintura, movendo-me, num rigoroso tropismo, pela luz cintilante de tão eruditas cabeças pensantes, que mais não faziam que descarregar o seu recalcamento bilioso por, outrora, haverem sido reles assistentes. Porquanto, visto de fora, existia todo um processo de sucessão dinástica – profundamente endogâmica, mas essa é outra história – e que se me afigurava como uma transmissão em cadeia de sadismos, cuja origem não descortino, mas que se distingue pela marca lusa do pequeno e medíocre autocrata que habita o nosso corpo – daí a imparável reprodução de sósias de Margarida Moreira, Rui Rio e Correia de Campos, para apenas nomear os casos mais recentes e à vista do insuperável poder mediático.
Apesar da ufana certeza de esplendor intelectual que geralmente se imbui do espírito de um jovem adulto que vai entrar na vida activa, estulto e ignaro da necessária e permanente interacção social e comunicacional como forma de aprendizagem, tentei, desde o início, combater esse apetite de pavoneamento que, bem medidas as consequências, mais tarde ou mais cedo, nos cobrirá de vergonha pela encenação eminentemente burlesca de antanho. Tentei, e deixei passar sobre mim o rolo compressor... era o ruivo em terra de corruptos das mais variegadas magnitudes.
Por tudo isso e por acreditar na desmemória lacunar da generalidade das pessoas que connosco se envolvem, creio que a sinceridade humilde que tento apor nos meus actos quotidianos revela-se de um masoquismo atroz, são actos manifestamente suicidários. E o que se torna mais grave é que, assumida essa condição, só vos peço que nunca exijais de mim as virtudes da arrogância, da sobranceria e da histrionia, boas – são virtudes! – para sobreviver nesta selva, porém absolutamente discrepantes dos meus carácter e feitio.

E isto a propósito da Experiência de Martin Amis – um livro de memórias absolutamente notável –, quando aquele fala de uma conferência sobre Saul Bellow em Haifa, em Israel, realizada no princípio do ano de 1987, onde interveio, e que contou com a presença do próprio escritor americano, Nobel da Literatura em 1976:

«Sem comer e mal vestido, viajei para um edifício universitário que parecia um abrigo anti-bomba com muitos andares e ouvi uma série de académicos americanos perorar sobre coisas como “A Caixa Registadora Engaiolada: Tensões entre Existencialismo e Materialismo em Dangling Man”. Saul estava presente. Ouviram-no dizer que, se tivesse que aturar muito mais daquilo, morreria, não de mágoa*, mas de inanição. Depois não se encontrou muitas vezes Saul Bellow no Centro de Conferências Saul Bellow.» (pág. 229)
*Referência ao seu próprio romance, publicado nesse ano, Morrem Mais de Mágoa (ed. port. Livros do Brasil, 1990; ed. original More Die of Heartbreak, 1987) [Nota minha]

Na nota de rodapé que Amis apôs a esta passagem, pode ler-se:
«Na altura pensei que ele estava apenas envergonhado (e, claro, entediado). Mas a sua dor não era somente pessoal “As universidades”, como observa num texto de 1975 (“Uma questão de Alma”, publicado em It All Adds Up) “falharam dolorosamente. Privam a literatura de toda a agitação e entusiasmo, produzindo o bacharel [licenciado (nota minha)] capaz de dizer, ou que se pensa capaz, o que simboliza o arpão de Ahab ou que símbolos cristãos há em uma Luz em Agosto.” Melville e Faulkner sentir-se-iam atormentados com tais observações, tal como Bellow se sentiu, naquela manhã em Haifa» (pág. 229)

Martin Amis, Experiência. Lisboa: Teorema, 1.ª edição, Outubro de 2002, 444 pp. (tradução de Telma Costa; obra original: Experience, 2000).