quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Um silogismo...

IX
[Respigado algures]

«…outros morrem; mas eu sou / Outro; por isso não morrerei.»
Por “J. S.”


X
[Ainda por mão alheia, um comentário ao silogismo]

«Pode agradar a um rapaz. Mais tarde, aprendemos que somos esses “outros”.»
Por “C. K.” (e não, não desenha e produz roupa interior masculina.)


XI
[Oportunamente, ir-se-á falar aqui da pertinência das citações acima expostas]


Pista (para conhecedores, assunto desvelado; ocultos amores, verve do letrado):
«Fui a sombra do ampelis despenhando-se / No céu falso da vidraça; / Fui a nódoa de um tufo de cinzas – e / Vivi sempre, fluí, no céu reflectido.»
Por “J. S.”


XII
[o Outro]

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
      Pilar da ponte de tédio
      Que vai de mim para o Outro.

Mário de Sá-Carneiro, «7» (1914)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Pedrada no charco

Repetem-se na televisão os debates políticos anódinos, garantidores de uma bipolaridade geométrica do espectro ideológico, para discutir a justeza das últimas afirmações sobre o estado da justiça em Portugal. Hoje à noite, na Quadratura do Círculo, iremos assistir, por um lado, a uma descomunal zurzidela em António Marinho Pinto pelos discursos (o da semana passada e o de ontem, na abertura do Ano Judicial) e explicações subsequentes sobre a impunidade e os crimes de colarinho branco em Portugal e, por outro, a um ligeiro, porém doloroso, puxão de orelhas ao Presidente da República pela pertinência do discurso também proferido ontem e no mesmo evento, embora esta última reprimenda se vá revelar de menor intensidade (em relação à zurzidela ao primeiro protagonista) para que se sobreleve a falta de legitimidade e, acima de tudo, de carácter do actual bastonário da Ordem dos Advogados – e isto pode parecer que da minha parte há uma obsessão persecutória sobre o referido programa, mas se, de uma forma incessante, o trago à colação neste espaço, isso apenas se fica a dever ao forte impacto do que aí se professa na opinião pública, que lê com alguma dificuldade a redondez do discurso político proferido nos diversos púlpitos dos órgãos de soberania nacionais.

Marinho Pinto não tem medo. Cavaco, apesar da preconizada cooperação estratégica, não se furta ao magistério de influência que os seus poderes presidenciais permitem.
O sistema de comentário político, fortemente delimitado por um dogmatismo de forma do discurso dos titulares de cargos dos órgãos de soberania, apodá-los-á de populistas e de demagogos, emitindo mensagens subliminares sobre a índole difamatória das suas afirmações, porque fogem ao cânone discursivo das falinhas mansas e da vacuidade generalista.
Ontem, na abertura do Ano Judicial, Marinho Pinto reiterou, e bem, as afirmações que havia produzido sobre a impunidade dos poderosos. Cavaco Silva, depois do excelente discurso de tomada de posse de 9 de Março de 2006, voltou a insistir na clarificação e no saneamento dos sistemas judicial e judiciário portugueses, apelando à transparência e à perceptibilidade pelos cidadãos das reformas na justiça, ao envolvimento dos actores judiciários na concepção dessas reformas e ao rigoroso escrutínio dos seus resultados.
O Presidente da República pôs o dedo na ferida, não se limitando a referir em abstracto e de forma genérica os males que enfermam a dita justiça em Portugal. Um desses males foi especialmente salientado: os expedientes dilatórios.

«A justiça não pode estar à mercê daqueles que recorrem a todos os instrumentos processuais como meio dilatório para impedir ou retardar o trânsito em julgado das decisões judiciais. O Estado de direito não pode ser refém daqueles que dispõem de maiores recursos.»

Cavaco foi além da já alertada e sentida impunidade dos poderosos na prática reiterada da corrupção e de crimes económicos e financeiros no nosso país. Referiu-se, e muito bem – embora o tenha feito de uma forma subentendida, que em nada prejudicou a inteligibilidade da mensagem –, à complacência e/ou à cumplicidade criminosa entre determinadas indivíduos com a tutela da investigação, da acção penal ou com a autoridade de proferir decisões judiciais e jurisprudenciais, envolvendo os respectivos organismos a que se encontram adstritos pelo exercício das suas funções, e um grupo de pessoas que, pela incomensurabilidade de recursos (financeiros e de acesso privilegiado aos meios de justiça por uma longa e espúria teia de relacionamentos, vulgo compadrio ou tráfico de influências) se serve da justiça para aniquilar aqueles que, de forma estrutural, jamais os possuirão ou, no caso de os possuírem, estes são-lhes incomparavelmente inferiores, de uma desproporcionalidade gritante que anula qualquer hipótese de equidade na administração da justiça.

Que, uma vez mais, não se procure transformar a pedra com que se pretende abanar o charco num irrisório e solúvel grão de areia, rápida e inexoravelmente absorvido pela sua podridão.

Os dados foram lançados. E, ao contrário da aparência reflexiva (ou de apelo à reflexão) com que a classe política sói apodar e interpretar estes efectivos gritos de alerta, criando comissões de estudo bem remuneradas que normalmente se extinguem sem resultados práticos, chegou a altura de agitar as águas que, pela tão conveniente inacção, se vão tornando cada vez mais inquinadas, fétidas e opacas, insusceptíveis de purificação num futuro próximo.
Neste momento e de forma urgente, este país necessita de uma acção firme e incisiva, sob pena de já não ter remedeio, transformando-se em definitivo e com indulgência numa oligarquia dificilmente sanável nas próximas décadas, a não ser pela força, pelo sangue, por uma revolução profunda e dolorosa, de todo não desejável, mas cuja conjectura já esteve mais longe das mentes dos denominados portugueses anónimos, o povo – a rocha.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Screen Actors Guild Awards 2008

À laia de folheto informativo, eis os vencedores (apenas na categoria de Cinema) da 14.ª edição dos prémios do maior sindicato americano de actores, o Screen Actors Guild, onde apenas actores votam nos seus pares (sessão realizada na noite do passado domingo em Los Angeles, madrugada de segunda-feira em Portugal):
  • Melhor conjunto de actores (elenco): Este País Não É para Velhos (No Country for Old Men): Javier Bardem, Woody Harrelson, Tommy Lee Jones, Josh Brolin, Garret Dillahunt, Tess Harper, Kelly Macdonald;
  • Melhor Actor: Daniel Day-Lewis, Haverá Sangue (There Will Be Blood);
  • Melhor Actriz: Julie Christie, Longe Dela (Away from Her);
  • Melhor Actor Secundário: Javier Bardem, Este País Não É para Velhos (No Country for Old Men);
  • Melhor Actriz Secundária: Ruby Dee, Gangster Americano (American Gangster);
  • Melhor conjunto de duplos: Ultimato (Bourne Ultimatum);
  • Prémio de Carreira: Charles Durning.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Do miasma

[breve interlúdio na sequência de textos ordenados em numeração romana]

Hoje é um dia triste, e não se julgue que a causa, por via imediata, esteve na infeliz circunstância de o meu Porto haver sofrido por terras do Visconde a segunda derrota no campeonato – ganhou em atitude, segundo o filósofo Prof. Jesualdo, e com atitude pagarei a minhas quotas se o espectáculo de falhanços clamorosos, com ou sem Xistra, se repetir.
Como já referi sou um sofredor pelas mágoas do mundo, pela dor que comigo se cruza diariamente nos passeios da vida – cenhos franzidos, corpos mirrados, uma criança sozinha, indiferente, que ignora a pomba que a seu lado voa levando no bico o ramo de oliveira da paz entre os homens –, em suma, pela miséria ou infortúnio de se ser português. Porém, hoje, quando acordei para mais uma jornada, decerto pungente, neste vale de lágrimas, senti na boca o gosto a ferro da ressaca por um par de dias dos mais negros deste ainda imberbe 2008. Pensei em Pacheco Pereira, triste, isolado a um canto escuro e bafiento onde apenas se escutam as gotas de humidade a embater em solo duro e, no entanto, alagadiço e viscoso, carpindo, lamentando a derrota que o seu indisfarçável portismo agudizou – JPP é portista, não sabiam? O seu amor pelo Porto (todas as acepções permitidas) é inesgotável, da sua casa no antigo Carlton (agora Pestana)… ah, é um hotel… adiante.
Enquanto o seu grande amigo, o Querido Líder da Invicta, dá
sinais evidentes de que, em breve, se mudará a contragosto de malas e bagagens para Lisboa (Deus, ou alguém ou algo por Ele, o guarde aí em baixo por muitos anos) a pedido da imprensa e da blogosfera da Capital, atente-se nos seus hossanas diários, Pacheco Pereira anda distraído a brincar ao “São João Baptista” (até porque é o padroeiro da sua tão amada e inesquecível cidade), com a Cofina, Pinhão & Botelho, Carolina e com a elite fozeira Veiga e Aguiar Branco, abrindo os caminhos para a triunfal chegada do senhor, pondo de lado a “Teoria do Milieu” – ambiente miasmático em que tudo se passa – e o seu principal arquitecto JNPC, depois dos homicídios de Rio de Mouro e dos gangues que, a fazer fé nos relatos de residentes com identidade protegida, todos os dias aterrorizam a população, ou das facadas em Guimarães e dos anódinos very lights.
JPP pôs literalmente as barbas de molho, a vice-presidência chegará em breve, entretanto toca a “botar faladura” (como se sói dizer cá por cima) nos inúmeros meios de comunicação que lhe dão voz – ad nauseam.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Da (triste) realidade

VII
[O rei vai nu ou a história de alguém que, de hoje em diante, irá percorrer o alcantilado, duro e tortuoso caminho da justiça portuguesa; grotesca e aviltante, kafkiana; promotora da desonra e do assassinato de carácter para os que não lhe conhecem as entranhas, nauseabundas, pútridas e ignominiosamente retorcidas; escorraçados do sistema pelo peristaltismo cúpido do poder.
Imperativo categórico: fiat justitia et pereat mundus.]

«Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português.»
António Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados (declarações à Antena 1, 25/01/2008) [destaques meus]

VIII
[Da arrogância à ignorância. A sobranceria como afiguração de uma debilidade intelectual e espiritual percebida e insanável. Estreiteza. Apedeutismo. Filistinismo. Mediocridade. As duas faces da mesma moeda.]


«Aprendemos mais do que ensinamos, e os arrogantes vão continuar a sofrer de achaques, a contorcer-se, a espumar de raiva, a empalidecer, a esticar o nariz até tocar no tecto, como focas, a modular a voz até se assemelhar a um trombone, uma longa nota, estridente e cava, que não tem maneira de acabar. Deixemos a purulência arrogante refastelar-se na sua própria bílis.»
Sérgio Lavos, “
Os Outros”, Auto-Retrato

[Lema de vida: jamais serei arrogante, mas ignoro ser ignorante. Ainda agrilhoado na caverna, assistindo ao teatro de sombras onde se projectam os detentores da verdade suprema.]

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Da reflexão (após enfado)

IV
[Rudimentos de maiêutica socrática. Seguido de metaficção]


– No fim de tudo isto, aconteça o que acontecer – disse ela, – eu não quero perder-te como amigo.
Ele olhou-a nos olhos e replicou:
– Eu prometo que jamais serei teu amigo, não importa o que aconteça, nunca mais.
A voz dela esmoreceu: – Se fodermos, amanhã irei sentir-me uma merda.
– Por mim está tudo bem – disse ele, tirando-lhe a camisola.
– Eu amo-te – disse ela. – Nunca te quis magoar de propósito.
Ele abanou a cabeça e disse: – Quero lá saber.
Diálogo entre Jack Whitman (Jason Schwartzman) e a sua ex-namorada (Natalie Portman). Argumento de Wes Anderson, Hotel Chevalier, curta-metragem inserida em The Darjeeling Limited (2007), transformado em conto neste último. [versão: AMC]


V
[Uma despedida, como um belo epitáfio (nota: incluir nos desejos finais)]


«Obrigado por teres abusado de mim.»

Jack Whitman (Jason Schwartzman) agradece a prestimosa companhia de Rita (Amara Karan) durante a viagem no Darjeeling Limited, no argumento de Wes Anderson, Roman Coppola (filho de Francis, irmão de Sofia) e Jason Schwartzman. [versão: AMC]

VI
[O espectro que paira sobre a obra… e se perguntar não ofende…]




O meu amigo de infância Ray Davies, com as imagens de Philippe Garrel de uma sequência do fabuloso (e de apreciação maniqueísta) Os Amantes Regulares (Les amants réguliers, 2005).
This Time Tomorrow… talvez não por aqui.

Nota: Obrigado LMO, pelo conselho.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Do enfado

I
[epitáfio apócrifo]
«Deixa-me em paz, diz a triste Morte» (falsa legenda num túmulo vazio).
Vladimir Nabokov, Opiniões Fortes (Strong Opinions, 1973)

II
[ou como terminar, rematando a ainda tão actual reflexão "Da Certeza"]
«Tendo visto com que lucidez e coerência lógica certos loucos justificam, a si próprios e aos outros, as suas ideias delirantes, perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez.»
Bernardo Soares, Livro do Desassosego

III
[rogo]
«Antepassado meu, antigo artífice, ampara-me e ajuda-me agora e sempre.»
James Joyce, Retrato do Artista quando Jovem (A Portrait of the Artist as a Young Man, 1916)

Siri

(Abril de 2008)

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Óscares 2008 – nomeações


Foram anunciadas as nomeações para os Óscares 2008, cuja cerimónia de entrega decorrerá no Kodak Theatre, Hollywood, no próximo dia 24 de Fevereiro (1 hora e 30 minutos da madrugada do dia 25, hora de Portugal Continental).
Para não fugir à regra, a Academia reservou algumas surpresas para este dia, como a única nomeação para o filme mais recente de David Cronenberg (Promessas Perigosas, na categoria para “Melhor Actor”, Viggo Mortensen) ou as duas apenas para O Lado Selvagem de Sean Penn (Actor Secundário: Hal Holbrook; Montagem).
Ao invés, ficaram no capítulo “penalizações mais que aguardadas” as modestas duas nomeações tanto para Gangster Americano de Ridley Scott (Actriz Secundária: Ruby Dee; Direcção Artística), como para Elizabeth – A Idade do Ouro de Shekhar Kapur, embora neste caso tenha havido uma nomeação maior, a de Cate Blanchett na categoria de “Melhor Actriz” (a outra nomeação foi para o guarda-roupa), juntando assim a sua nomeação para “Melhor Actriz Secundária” com I’m Not There.
Excluídos da competição ficaram The Great Debaters, o segundo filme realizado por Denzel Washington e Sedução, Conspiração, o controverso e mais recente filme do realizador taiwanês Ang Lee.
Entretanto, tal como temia, sem no entanto o haver referido (daí a citação, com direito a ilustração, no texto anterior), o filme La Sconosciuta de Giuseppe Tornatore não foi nomeado para a categoria de “Melhor Filme Estrangeiro”, ficando igualmente de fora a película brasileira pré-seleccionada (ver texto).

Finalmente, eis uma lista, de elaboração própria, com os 12 filmes mais nomeados para os Oscars 2008®, seguida da lista dos nomeados para “Melhor Filme Estrangeiro” e “Melhor Filme de Animação”:
[Em destaque (a bold) e com o sinal “+” as nomeações pertencentes ao denominado Top 5, ou seja, aquelas que dizem respeito às cinco categorias consideradas como as mais importantes na atribuição do galardão. A saber, melhores filme, realização, argumento (original e adaptado), actor principal e actriz principal.]

Este País Não É para Velhos / No Country for Old Men (8 nomeações, 3+)
Actor Secundário – Javier Bardem
Argumento Adaptado – Joel e Ethan Coen
Efeitos Sonoros
Filme
Fotografia
Montagem
Realização – Joel e Ethan Coen
Som

Haverá Sangue / There Will Be Blood (8 nomeações, 4+)
Actor – Daniel Day-Lewis
Argumento Adaptado – Paul Thomas Anderson

Efeitos Sonoros
Filme
Fotografia
Montagem
Realização – Paul Thomas Anderson
Som

Expiação / Atonement (7 nomeações, 2+)
Actriz Secundária – Saoirse Ronan
Argumento Adaptado – Christopher Hampton
Direcção Artística
Filme
Fotografia
Guarda-Roupa
Música (BSO) – Dario Marianelli

Michael Clayton – Uma Questão de Consciência / Michael Clayton (7 nomeações, 4+)
Actor – George Clooney
Actor Secundário – Tom Wilkinson
Actriz Secundária – Tilda Swinton
Argumento Original – Tony Gilroy
Filme

Música (BSO) – James Newton Howard
Realização – Tony Gilroy

Ratatui / Ratatouille (5 nomeações, 2+)
Argumento Original – Brad Bird
Efeitos Sonoros
Filme (Animação)
Música (BSO) – Michael Giacchino
Som

O Escafandro e a Borboleta / Le scaphandre et le papillon (4 nomeações, 2+)
Argumento Adaptado – Ronald Harwood
Fotografia
Montagem
Realização – Julian Schnabel

Juno / Juno (4 nomeações, 4+)
Actriz – Ellen Page
Argumento Original – Diablo Cody
Filme
Realização – Jason Reitman


La Vie en Rose / La Môme (3 nomeações, 1+)
Actriz – Marion Cotillard
Caracterização
Guarda-Roupa

Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street / Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street (3 nomeações, 1+)
Actor – Johnny Depp
Direcção Artística
Guarda-Roupa

Transformers / Transformers (3 nomeações, 0+)
Efeitos Especiais
Efeitos Sonoros
Som

Ultimato / The Bourne Ultimatum (3 nomeações, 0+)
Efeitos Sonoros
Montagem
Som

Uma História de Encantar / Enchanted (3 nomeações, 0+)
Música (3 Canções originais)


Melhor Filme Estrangeiro

  • Beaufort, de Joseph Cedar (Israel);
  • 12, de Nikita Mikhalkov, (Rússia);
  • Os Falsificadores, de Stefan Ruzowitzky (Áustria: Die Fälscher; título EUA: The Counterfeiters);
  • Katyn, de Andrzej Wajda (Polónia);
  • Mongol, de Sergei Bodrov (Cazaquistão).

Melhor Filme de Animação

  • Dia de Surf, de Ash Brannon e Chris Buck (Surf’s Up)
  • Persepolis, de Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi
  • Ratatui, Brad Bird e Jan Pinkava (Ratatouille)

Filmes Estrangeiros

Enquanto Expiação de Joe Wright (Atonement, 2007) se prefigura como o mais forte dos putativos candidatos a arrecadar as estatuetas douradas da Academia das Artes e das Ciências Cinematográficas de Hollywood, com sessão de entrega marcada para o próximo dia 24 de Fevereiro às 17:30 PST (madrugada de 25 de Fevereiro, 1:30, hora de Portugal Continental), uma das principais curiosidades, cuja expectativa se adensou na passada terça-feira, dia 15, está na escolha do Melhor Filme Estrangeiro.

Hoje mesmo em Hollywood todas as dúvidas serão desfeitas. Juntamente com as outras categorias, serão anunciados os 5 filmes finalistas para o melhor dos não-anglófonos. De uma lista inicial de 63 candidatos, representando outros tantos países, foi escolhida, há precisamente uma semana, uma lista de semifinalistas, composta por 9 filmes, dos quais 5 são europeus.
Portugal, relegado uma vez mais para a lista do olvido da Meca do cinema mundial, concorreu, através de candidatura e selecção prévia do ICA, com Belle Toujours de Manoel de Oliveira.
Um propósito, à laia de autojustificação, para desfazer o forte sentimento de inutilidade deste texto no momento em que o escrevia: dar o devido destaque – suponho que já o havia feito neste blogue há pelo menos um ano, a propósito da sua estreia, numa das minhas típicas irritações com os critérios comerciais na selecção dos filmes para exibição nas salas de cinema portuguesas – ao meu mui apreciado realizador italiano Giuseppe Tornatore que com A Desconhecida (título, por enquanto, não oficial) se estreou nos domínios do thriller psicológico e que, segundo dizem, revela toda a mestria do criador do fabuloso Cinema Paraíso (Nuovo cinema Paradiso, 1988) e do genial, enternecedor e comovente, embora ignorado pelas massas, Estão todos bem (Stanno tutti bene, 1990).
Destaque também para a pré-nomeação do russo Nikita Mikhalkov e para o veterano realizador polaco Andrzej Wajda, não esquecendo que a língua portuguesa irá ser, uma vez mais, representada por um filme brasileiro.


Eis os pré-nomeados:

  • ÁustriaDie Fälscher, de Stefan Ruzowitzky, 2007 (Título EUA: The Counterfeiters);
  • BrasilO Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, 2006 (Título EUA: The Year My Parents Went on Vacation);
  • CanadáL’Âge des ténèbres, de Denys Arcand, 2007 (Título EUA: Days of Darkness);
  • CazaquistãoMongol, de Sergei Bodrov, 2007;
  • IsraelBeaufort, de Joseph Cedar, 2007;
  • ItáliaLa Sconosciuta, de Giuseppe Tornatore, 2006 (Título EUA: The Unknown Woman);
  • PolóniaKatyn, de Andrzej Wajda, 2007;
  • Rússia12, de Nikita Mikhalkov, 2007;
  • SérviaKlopka, de Srdjan Golubovic, 2007 (Título EUA: The Trap).

Nota: a sessão de apresentação dos nomeados (serão eliminados 4 filmes deste conjunto) realizar-se-á hoje às 5:30 PST (13:30, hora de Portugal Continental) em Beverly Hills.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Massa Assobiativa

Já foi o Costa (José Alberto), ou o Semedo, ou o Sérgio Conceição, agora é o Quaresma. Todos, jogadores de futebol de primeira água que passaram pelo meu clube e cujas carreiras contribuíram de forma indelével, ao longos dos últimos anos, para o engrandecimento do seu nome, mas que nunca caíram no goto de um conjunto de adeptos que, nada entendendo de futebol, escolhe em cada época desportiva um bode expiatório, a equipar de azul e branco, para descarregar porventura as suas frustrações diárias que uma mentalidade e uma vidinha medíocres não deixam ultrapassar.
Sou sócio desde 1976 (ainda nem sequer havia completado 4 anos) e era muito novo quando comecei a acompanhar o meu pai ao futebol. Lembro-me do extinto “tribunal” (no falecido Estádio das Antas, situava-se na Superior Sul junto à Bancada da Maratona, este último e a Arquibancada eram os locais onde assistíamos aos jogos) e das invectivas contra os nossos jogadores.
Os anos foram passando e o “tribunal” disseminou-se por outros locais do estádio – fenómeno que ocorreu ainda no velhinho estádio quando, no advento do futebol como negócio sujeito às regras empresariais, surgiram os lugares marcados com bilhete de época. Por todo o lado espalhou-se o vírus da assobiadela crónica de pendor masoquista. Curiosamente, esses que assobiam os jogadores da equipa de que se dizem sócios e adeptos não pertencem nem aos proscritos Super Dragões, nem ao Colectivo 95, como não pertenciam à extinta claque dos Dragões Azuis. Esses, fazem parte da Massa Assobiativa – expressão usada pelo meu pai, quando armado de Mao Tsé-Tung das Antas, tentava educar, repreendendo, essas alimárias ditas portistas, atitude que lhe valeu alguns insultos –, o extinto “tribunal”, e são, na verdade, uma imagem fiel do povinho português que desdenha do êxito, não do alcançado pelos outros, os rivais – isso seria inveja –, mas do sucesso que, com esforço, aqueles que esses dizem admirar lograram alcançar – a isto chama-se mediocridade.
Esses involuntários paladinos da mediocridade são os tais que assobiam as claques quando estas entoam os famosos cânticos de ode às mães dos adeptos do SLB, mas que, ao invés, não se inibem de, na altura de soltar as suas frustrações quotidianas, amesquinhar aqueles que lhes dão as poucas alegrias que podem (ou poderão) desfrutar nas suas vidas miseráveis.
Insultar o Quaresma, é insultar o melhor jogador português a actuar dentro de portas, o activo mais valioso de uma sociedade anónima desportiva que tudo deveria fazer para o proteger e, acima de tudo, um dos poucos que de azul e branco vestido nos sacia a sede de magia tão rara no panorama futebolístico nacional.
Mas, o que dizer daqueles que o fazem contra o vento e que, para além de tudo, se pavoneiam em público, orgulhosos e húmidos, pela sua infeliz incontinência?

*Eu sei, fui muito polido…

domingo, 20 de janeiro de 2008

Filmar com scanner (II)


Diversão ingrata, esta, a que se materializa na tarefa de o admirador incondicional da obra literária ter de observar a sua transposição para o grande ecrã. Depois da sua concretização já nada do que até aí se alcançou de satisfação interior, de prazer estético, da doce saudade dos momentos de leitura, se detém nos anteriores lugares da memória, virgem, intocado, despoluído.
Em 2002, a editora Gradiva publicava a versão de Atonement para a nossa língua, obra-prima do portentoso escritor inglês Ian McEwan. Deu-lhe o título de Expiação, designativo que foi transposto para o filme de 2007, dirigido pelo realizador inglês Joe Wright, com estreia mundial em Novembro passado (antestreia no local de origem em Setembro) e já vencedor de numerosos prémios, entre eles o Globo de Ouro para Melhor Filme (Drama), recebeu 14 nomeações para os BAFTA 2008, fazendo-se uma extrapolação vitoriosa para os Óscares da Academia, cujas nomeações serão anunciadas na próxima terça-feira (quarta-feira de madrugada em Portugal).
Amesterdão (Amsterdam, 1998) venceu o Booker Prize, Expiação foi finalista vencido do mesmo prémio em 2001 (conquistado pela obra genial A Verdadeira História de Ned Kelley do escritor australiano Peter Carey), e são ambas, na minha opinião pessoal, embora estruturalmente diferentes, as suas melhores obras – já o referi dúzias vezes e não me cansarei de o repetir outras tantas, sempre que a ocasião se proporcionar, convém vincar a posição dada a constatada volatilidade de leitores assíduos deste blogue.
Porquê Expiação?
«Ao longo destes cinquenta e nove anos [1940-1999], o problema tem sido este: como pode uma escritora expiar os seus crimes se, com o poder absoluto de decidir o final, é em certa medida Deus? […] É uma tarefa impossível, e a questão foi precisamente essa. O que conta é a tentativa.
[…]
Dei-lhes a felicidade, mas não fui prestável ao ponto de permitir que me perdoassem.
»
(Expiação, Ian McEwan. Gradiva, 2.ª ed., 2005, pp. 417-418, trad. Maria do Carmo Figueira).
A realidade, dura, implacável, pode ser mais tenebrosa e sombria que a ficção:
«Se eu a entendi correctamente, você levantou uma suspeita tão medonha que eu mal tenho palavras para a descrever» (palavras dirigidas por Henry Tilney a Catherine Morland sobre as suspeitas macabras que esta levantou sobre o pai do primeiro, General Tilney, a propósito da morte da sua mulher Mrs. Tilney, in Jane Austen, Northanger Abbey, 1817; tradução livre: AMC). Estas são as escassas linhas que faltam à passagem do romance de Austen citada em epígrafe no livro Expiação de Ian McEwan.
Os anais da História da Literatura contam que Northanger Abbey surgiu como uma paródia ao movimento da literatura gótica, que despontava pelas mãos de autores como Ann Radcliffe, designadamente pela sua obra de 1794 The Mysteries of Udolpho (publicada em Portugal como Os Mistérios do Castelo de Udolfo). Austen pretendia desmistificar a literatura da ilusão, da substituição de uma realidade pelo delírio ficcionado – a miscigenação do sagrado e do profano –, que, apesar de tudo, no próprio romance de Austen, acaba por não ser menos violenta – a cupidez e a frivolidade da classe alta inglesa expia o pecado da vil difamação.
Em Expiação a realidade de Briony é mais brutal que o romance engendrado ao longo de toda uma vida: «Não há ninguém, nenhuma entidade, nenhum ser superior a quem ela possa apelar, com quem possa reconciliar-se ou que possa perdoar-lhe.» (pág. 417)
A culpa não morre. O processo de expiação é permanente, sem hipótese alguma de reparação do mal causado por um acto irreflectido perpetrado décadas antes.

Joe Wright, através do argumento de Christopher Hampton, transcreve literalmente para o ecrã o romance de McEwan – já aqui me havia referido à crítica na The New Republic por Christopher Orr, onde este falava do tal “livro filmado”.
Em boa verdade, se exceptuarmos a parte final, em que uma nada convincente Vanessa Redgrave encarna o papel de Briony Tallis aos 77 anos (em Londres, 1999) para, perante as câmaras de um estúdio televisivo – no romance trata-se apenas de um amargo e culpado monólogo interior –, contar a verdade nua e crua sobre as personagens Robbie Tuner (James McAvoy), o rapaz humilde, filho da governanta, que cresceu no seio da aristocrática família Tallis, e a sua irmã Cecilia (Keira Knightley), Wright segue fielmente a obra de McEwan com os constrangimentos imagéticos e de tempo que a adaptação de uma obra literária ao grande ecrã exige – a obra de McEwan, na edição portuguesa da Gradiva, dispões de 418 páginas. Wright cria assim a sua própria armadilha e que se reflecte, por exemplo, na necessária redução da deambulação de Robbie por território francês no início da II Guerra Mundial como soldado ao serviço do exército britânico (corresponde a mais de uma quinta parte do livro), que culmina com a violenta retirada deste último por via marítima nas desoladoras praias de Dunquerque no nordeste da França, junto à fronteira belga, enquanto os homens aguardavam a salvação eram impiedosamente bombardeados pela Luftwaffe e pela divisão Panzer. A espera em Dunquerque vê-se como uma enorme alegoria para a maldade humana materializada na guerra, que, por um lado, reforça a cadeia de acontecimentos provocadas por um acto irreflectido de uma jovem pré-púbere de 13 anos e, por outro, mostra a dureza de uma realidade bélica, comprovada factualmente nas atrocidades cometidas entre Homens no conflito mundial. Por outro lado, Wright reduz a quase nada a última parte (por sua vez subdividida em duas: (1) a narração dos factos ocorridos em 1940 por Briony aos 18 anos como principiante na prática de enfermagem; (2) a revelação da realidade por Briony, sozinha em Londres, no dia em que fez 77 anos).
Com interpretações seguras de McAvoy e de Knightley, e um soberbo desempenho da jovem actriz norte-americana Saoirse Ronan (de apenas 13 anos) na pele de Briony, com uma mais do que razoável banda sonora a cargo de Dario Marianelli (vencedor do Globo de Ouro para Melhor BSO), com um argumento difícil de avaliar dado o perceptível esforço da textualidade e, por último, com uma realização firme no início que, a partir dos acontecimentos narrados em 1940, se vai desmoronando de cliché em cliché – seguindo o movimento aparente da obra, como se a sua elaboração seguisse a sequência dos factos narrados, à medida que o filme se aproxima do fim assalta-nos a sensação de que Wright foi perdendo o fôlego, cedendo, esgotado de energia e de ideias, a um academismo artificioso, vide, entre muitas outras que abundam na parte final, a cena em que Briony de 18 anos se dá a conhecer como aprendiz de enfermeira... é, simplesmente, kitsch –, Expiação não consegue encher as medidas, carece de um toque de génio para se tornar num “grande filme”.
Trata-se de um melodrama, é certo, com todas as inferências menos abonatórias que o género pode trazer, que, aqui sim, não encaixa com o tom da obra de base. E esta dissonância, que à primeira vista poderia consubstanciar-se numa questão meramente formal, é o principal defeito do filme: está longe de captar a verdadeira essência da obra, a crueza realista e sem contemplações líricas da narrativa mcweaniana e dos seus personagens. Trata-se, em suma, sem ser um mau filme, longe disso até – dar-lhe-ia entre 7 a 8 pontos em 10 possíveis –, do cometimento cinematográfico de um pecado capital sobre o brilhantismo de uma obra que, tenho a certeza, perdurará no Olimpo literário por mais alguns séculos.
No entanto, os prémios estão aí, as previsões laudatórias têm-se vindo a confirmar, o que demonstra que para o todo o pecado, mesmo que capital, há pelo menos uma hipótese de redenção...
«Mas agora tenho de dormir.»

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Meus senhores (…) Ivan Ilitch morreu! [actualizado]

«Aspirou o ar profundamente, não acabou a aspiração, inteiriçou-se e morreu.»
Porém, continuam a matar o pobre do Ivan Ilitch.

«Como isto aconteceu no início do terceiro mês da doença de Ivan Ilitch, impossível é sabê-lo, porque se deu a pouco e pouco, mas sucedeu que, sem ninguém dar conta, a mulher, a filha, o filho, os criados, os amigos, os médicos, e especialmente o próprio Ivan Ilitch, compreenderam que todo o interesse da sua situação para os outros se reduzia a saber quando deixaria enfim o campo livre, quando libertaria os vivos do mal-estar que causava a sua presença e se libertaria ele próprio dos seus sofrimentos.»


A Dom Quixote através da sua chancela para os livros de bolso, Booket, em colaboração com António Lobo Antunes, anunciou a edição da colecção “Biblioteca de Autor”, composta por 50 livros (à data não sei se reunirá 50 autores diferentes), ao preço de venda ao público de 7 euros cada, escolhidos pelo autor de Memória de Elefante.
Começou com Daudet e Tolstói (ambas as capas na imagem), e prosseguirá, por enquanto, com Conrad – mais uma edição, há poucas!, porventura com nova tradução, de O Coração das Trevas –, Svevo, Hawthorne com A Letra Encarnada – provavelmente, pelo título, com a tradução de Fernando Pessoa – e Balzac.

As citações acima reproduzidas referem-se à edição da Europa-América de A Morte de Ivan Ilitch, com tradução de Adolfo Casais Monteiro. Esta é a versão em português da obra imortal do escritor russo de que disponho na minha modesta biblioteca. Mas há-as para todos os gostos, mesmo sem contar com as edições brasileiras: ele é com tradução de Pedro Tamen, de António Pescada, de João Maia, do referido Casais Monteiro, de Alfredo e Maria Clarinda Brás – e não sei se a brilhante dupla de tradutores Nina Guerra e Filipe Guerra não terá feito a sua perninha; depois há Ilitch e Iliitch, de Leão, Leon, Leo ou Lev com Tolstoi, Tolstói ou Tolstoy; enfim, não é decerto por falta de soluções que Ivan Ilitch não morre…

Li algures que ALA pretende acabar com o marasmo da classificação de obras literárias como “clássico” – lá está a célebre megalomania, Lobo Antunes armado em Harold Bloom lusitano para fixar o cânone, com uma pitada de Borges para tentar delimitar a Biblioteca... se bem que este último houvesse proferido que ela “existe ab aeterno” e que o Homem é o imperfeito bibliotecário...
Pelos vistos, o marasmo combate-se com o marasmo. A Dom Quixote edita a célebre novela de Tolstói (a 7 euros, com uma brevíssima introdução de ALA) apenas dois meses volvidos da sua reedição pela Relógio D’Água (a 12 euros, com prefácio de Vladimir Nabokov), facto que é agravado pela total disponibilidade para venda da edição de bolso das Publicações Europa-América (a 5,99 euros, embora sem o precioso prefácio de 10 linhas de ALA…)
Assim vai o mercado editorial em Portugal, ainda parco na publicação de uma grande parte das obras da literatura universal de reconhecidíssimo mérito, abundante nas repetições, cujo único mérito, atingido assim de repente, é o de aumentar os lucros das indústrias da celulose, e pródigo nas mesquinhas guerras editoriais de alecrim e manjerona – e se, de facto, não se tratar de uma guerra, então o marasmo deve-se a uma negligência pura e simples, evidenciando o desrespeito pelo leitor e pelo fenómeno literário; maior proveito trariam se vendessem sabonetes…

[Não sei se já repararam, mas hoje mais do que nunca as reticências abundam neste blogue. É da idade e da irritação (contenção extrema para não dizer uma... caralhada.)]

Bom, eis o momento em que reiniciarei a antiga melopeia deste blogue em relação à maior (não confundir com a melhor, como se sói fazer neste país)
editora portuguesa, agora propriedade da LeYa, a princesa do George Lucas:

Para quando a prometida publicação das obras completas de Robert Musil com tradução de João Barrento?

«Nesse instante precisamente Ivan Ilitch caiu, viu a luzinha e descobriu que a sua vida não fora o que deveria ser, mas que o mal ainda podia ser reparado.»


[Adenda às 19:10]: Confirma-se, a versão de A Morte de Ivan Iliitch (sic) da editora Relógio D'Água é de autoria da dupla Nina Guerra e Filipe Guerra.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Zelosias

Já todos sabem, até pelo seu uso frequente, que os italianos empregam uma espirituosa sentença popular, concebida pela feliz proximidade fonética entre duas palavras do seu léxico, que pretende exprimir, por oposição, as necessárias idoneidade e precisão na arte de tradução literária: “Traduttore, Traditore” (tradutor, traidor).
Não é novidade, e até poderia resultar de uma constatação empírica, que traduzir exige do tradutor argúcia e inteireza de contextuação, assim como zelo e objectividade, sob pena de, à mais simples inexactidão, arruinar o engenho, a razão de ser, a alma que o autor emprestou à obra, em suma, a sua subjectividade.
Nabokov, um fiel suspeitoso das traduções – não foi à toa que traduziu, ele mesmo, algumas das suas obras e acompanhou outras que não pôde traduzir, revendo-as –, dizia que sendo a tradução perfeita impossível a literalidade é preferível à legibilidade ou à tão em voga “tradução artística” que desvirtua o sentido original da obra.
Mas, como em quase tudo na vida, há excessos. Há quem leve o literalismo demasiadamente a sério. E se o exercício de uma determinada função extravasa o domínio das suas competências (mesmo que tacitamente determinadas, vulgo razoabilidade), isso significa que, por estupidez, por inépcia ou pelo puro prazer de um raro autoritarismo supervenientemente alcançado, se cria uma situação potencialmente intolerável para os destinatários desse mesmo exercício – neste caso, o leitor, apodado de forma subliminar de ignaro.
Ora, no caso da tradução de uma obra literária, o zelo extremoso e até paternalista do tradutor, materializado, por exemplo, em infindáveis notas de pé de página de carácter dispensável, não só prejudica de forma irremediável a integridade da obra e o prazer da sua leitura, como também incentiva o consumo de ansiolíticos pelas sobranceria e insolência da afirmação velada da sua superioridade intelectual.
Na biografia de Leni Riefenstahl, escrita por Steven Bach, recentemente publicada pela Casa das Letras, surge na página 10 uma pequena advertência sobre o aspecto formal da obra editada em português para «comodidade de leitura»: eliminaram-se a notas do autor típicas de um trabalho académico, deixando para o fim do livro as «que enriquecem a informação factual do corpo do texto», acrescentando em rodapé as notas do tradutor.
Até este ponto, apesar da discutibilidade do critério – porque não permanecerem ambas em pé de página, identificando-as como “N.A.” se do autor ou como “N.T.” se do tradutor? –, não há motivos para algum reparo de natureza substantiva. No entanto, à medida que se lê a obra e nos vamos familiarizando com a mecânica de leitura das tais notas, atinge-se rapidamente o ponto de saturação pela profusão de notas de tradução irrelevantes e até caricatas, como a tradução dos nomes dos jornais alemães para português. Assim, na página 77, as segunda e terceira notas de rodapé servem apenas para traduzir os nomes dos periódicos «Neueste Nachrichten» por «Últimas Notícias» e «Morgenpost» por «Correio da Manhã», respectivamente; ou, por exemplo, na página 154 «Lokal-Anzeiger» por «O Anunciante Local» – afinal, o grupo Cofina já publicava o seu jornal diário na Alemanha na década de 1920.
Seguindo esta linha de raciocínio, só não entendo por que motivo não se atribuiu a obra ao escritor Estêvão Ribeiro.

Referência bibliográfica:
Steven Bach
, Leni – A Vida e Obra de Leni Riefenstahl. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 1.ª edição, Novembro de 2007, 469 pp. (tradução de Óscar Mascarenhas; obra original: Leni – The Life and Work of Leni Riefenstahl, 2007).

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Galanterias

Mesuras e submissão moral, acrescento.

«Quem observa os hábitos de relacionamento mas rejeita a mentira, é como alguém que traja à moda mas não traz camisa sobre o corpo.»
Walter Benjamin, “Artigos de Galantaria”, Rua de Sentido Único (Relógio D’Água, 1992, pág. 69; trad. Isabel de Almeida e Sousa; Einbahnstrasse, 1928).

Prefiro a indigência, a solidão e o cultivo da minha melancolia crónica (ou que caminha a passos largos para essa condição de perenidade), o espírito saturnino na acepção benjaminiana, tão bem caracterizado por Susan Sontag no sei ensaio Sob o Signo de Saturno (Under the Sign of Saturn, 1978), que serve de introdução à obra em epígrafe, ao pungente masoquismo (íntimo e patológico) da cortesia imposta, derrogando, talvez pela minha inocência, materializada numa frontalidade obstinada, o segredo e a dissimulação que, de acordo com Benjamin, se constituem como factores primordiais para a sobrevivência de um ser melancólico.
O isolamento, a ascese, são preferíveis à dura incerteza sobre a prática de um exibicionismo burlesco.

Novidades Literárias para 2008

Decorrida a febril quadra natalícia no que ao meio editorial diz respeito, vão surgindo algumas notícias sobre as obras de grandes autores que irão ser publicadas no decurso de 2008.
Dos livros que aqui irei destacar, três pertencem a autores galardoados com o Prémio Nobel da Literatura: Lessing em 2007, Toni Morrison em 1993 e Pamuk em 2006. Martin Amis apresentar-se-á com duas obras, um romance e um ensaio, este último dedicado ao 11 de Setembro e às suas consequências no mundo ocidental. Paul Auster surge, tal como já havia anunciado algures pelas vielas esconsas deste blogue, com o seu 12.º romance. John Banville faz-se publicar de novo com o seu pseudónimo para a literatura policial Benjamin Black – para quando a edição de Christine Falls em Portugal? Regressa Salman Rushdie depois de Shalimar, O Palhaço. Jeffrey Eugenides edita uma colectânea de vinte e seis contos, entretanto publicada no passado dia 8 nos Estados Unidos, que para além de Tchékhov e de Munro (como constam do próprio título da antologia) inclui pequenas narrativas de Nabokov, Joyce e Faulkner e de alguns autores contemporâneos, como por exemplo Miranda July. Segundo o autor norte-americano «não se trata de um livro de amor, mas de um livro de histórias de amor… as histórias de amor dão mau nome ao amor». J. G. Ballard publicará a sua autobiografia e Julian Barnes surge com o seu livro de memórias. Finalmente, depois de um longo hiato de quatro anos, em que se distraiu com a História e a Crítica de Arte, a excepcional Siri Hustvedt (Auster) regressa com um novo romance.
Uma pequena listagem retirada de uma maior publicada no blogue de
Eric Forbes (por ordem alfabética – autor):

Ficção

  • Anne Enright – Taking Pictures (contos)
  • Benjamin Black – The Silver Swan
  • Doris Lessing – Alfred and Emily
  • Hanif Kureishi – Something to Tell You (este é para ti, Manel)
  • Jeffrey Eugenides – My Mistress’s Sparrow Is Dead: Great Love Stories, from Chekhov to Munro (contos)
  • Jhumpa Lahiri – Unaccustomed Earth (contos)
  • Martin Amis – Pregnant Widow
  • Orhan Pamuk – The Museum of Innocence
  • Paul Auster – Man in the Dark
  • Peter Ackroyd – The Casebook of Victor Frankenstein
  • Peter Carey – His Illegal Self
  • Salman Rushdie – The Enchantress of Florence
  • Siri Hustvedt – The Sorrows of an American
  • Toni Morrison – Mercy

Não-ficção

  • J. G. Ballard – Miracles of Life: Shanghai to Shepperton: An Autobiography
  • Julian Barnes – Nothing to be Frightened of
  • Martin Amis – The Second Plane: September 11, 2001-2007

Nota: Alguém sabe por onde anda este homem? Já não publica desde 2005, e está incluído o guião do filme A Condessa Russa de James Ivory (The White Countess, 2005). Respostas elucidativas na caixa de comentários. Grato pela atenção.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Globos de Ouro Express

Globos de Ouro 2008, Beverly Hills, CA

A sessão de ontem (hoje às 2 da madrugada, hora de Lisboa) de anúncio dos Globos de Ouro de 2008, foi, como se esperava e por circunstâncias alheias à vontade da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA), de uma penúria confrangedora.
A apresentação das diversas categorias a concurso e dos respectivos vencedores ficou a cargo de um conjunto de apresentadores de televisão, sendo o último – Melhor Filme-Drama – apresentado pelo presidente em exercício da HPFA, de naturalidade dominicana, Jorge Camara. A sessão, transformada em simples conferência de imprensa, durou apenas 31 minutos.
Eis os vencedores da noite, onde se destacam 4 filmes que arrecadaram dois Globos de Ouro cada, com uma enorme surpresa nas categorias principais ("Filme/Drama" e "Realizador"), atendo-me apenas às categorias de Cinema (na categoria Televisão, Hugh Laurie não ganhou pela 3.ª vez consecutiva o Globo de Ouro para Melhor Actor com Dr. House):

2 Globos de Ouro
O Escafandro e a Borboleta (The Diving Bell and the Butterfly, Julian Schnabel)
- Melhor Filme Estrangeiro
- Melhor Realizador: Julian Schnabel

Este País não é para Velhos (No Country for Old Men, Joel e Ethan Coen)
- Melhor Actor Secundário: Javier Bardem
- Melhor Argumento: Joel e Ethan Coen

Expiação (Atonement, Joe Wright)
- Melhor Filme – Drama
- Melhor Banda Sonora Original: Dario Marianelli

Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street (Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, Tim Burton)
- Melhor Filme – Comédia ou Musical
- Melhor Actor – Comédia ou Musical: Johnny Depp

1 Globo de Ouro
Haverá Sangue (There Will Be Blood, Paul Thomas Anderson)
- Melhor Actor – Drama: Daniel Day-Lewis

I’m not There (Todd Haynes)
- Melhor Actriz Secundária: Cate Blanchett

La Vie en Rose (La Môme, Olivier Dahan)
- Melhor Actriz – Comédia ou Musical: Marion Cotillard

O Lado Selvagem (Into the Wild, Sean Penn)
- Melhor Canção: Eddie Vedder com “Guaranteed”

Longe Dela (Away from Her, Sarah Polley)
- Melhor Actriz – Drama: Julie Christie

Ratatui (Ratatouille, Brad Bird e Jan Pinkava)
- Melhor Filme de Animação

Nota: Não vi O Escafandro e a Borboleta. Para além da escassez de oportunidades de que disponho para me deslocar a uma sala de cinema, a crítica cinematográfica portuguesa massacrou (e o emprego deste verbo soa a eufemismo) o filme de Julian Schnabel, que até ao momento já arrecadou 18 prémios – entre os quais contam-se 8 para “Melhor Filme” (estrangeiro). Ora, aliando-se a falta de tempo ao eminente conselho, está encontrada a justificação para a primeira frase desta nota. Irei ver…

[Na imagem: 8 perninhas anorécticas, 2 a fugir para o oversized e um totó, que seguiu à risca o dress code americano (cujo ponto culminante do mau gosto costuma reflectir-se nas gravatas ostentadas).]

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Melancolia



Electrelane – In Berlin
(No Shouts, No Calls; 2007)

É uma pena. Só hoje cheguei à triste notícia enquanto, num momento de ociosidade plena, espreitava o MySpace em busca de novidades. Parece que as quatro meninas de Brighton acabaram de vez, pelos menos fecharam as portas aos espectáculos ao vivo – e que bem que estiveram em Paredes de Coura (via SIC Radical). Um desperdício.
Indefinite Hiatus: Em Novembro passado, uma breve mensagem anunciava uma pausa, sem termo definido, para reflectir sobre o futuro da banda.

Daqui, em jeito de elegia, sai uma pobre e melancólica sextilha:

Mia, obedeço, vociferas,
As tuas mãos soltam os acordes.
Rendido, lasso, solfejo odes
Só, cerro os olhos, à espera.
Dedilhas trastos, estás ausente
Não te demores, eternamente.


À virtuosa, doce e angelical Mia Clarke (leitora de Pessoa e de Walter Benjamin), por AMC.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

You don't ride with the devil...

David Fincher's Zodiac «“Zodiac” is about an investigation and is itself an investigation. As is always the case with Mr. Fincher’s movies, it is also about extreme human behavior and an example of the same. Extremes possess the murderer and those who chase him, men whose desire to solve the killings burns away large swaths of their worlds. “I need to know,” Graysmith (Jake Gyllenhaal) tells his wife, whom he eventually drives away with his compulsive pursuit. That need is ultimately frustrated — the Zodiac killer remains uncaught and officially unnamed — which gives the movie a strange pathos. In the end there is no confession of guilt or triumphantly condemned prisoner, no trial or justice. All that remains is the search, and the filmmaking.»
Manohla Dargis, "Building Suspense Along the Trail of an Invisible Man", The New York Times (6/Jan/2008) [destaques meus]


Último parágrafo do excelente artigo publicado no NY Times, escrito pela habitualmente impiedosa Manohla Dargis, sobre Zodiac de Fincher — na minha modesta opinião de espectador atento, o melhor do ano — no encalço dos filmes passíveis de nomeação para os Óscares de 2008.

Nota: posta de lado a preguiça, encontrei a minha apreciação escrita, feita a quente, sem rede, no dia em que o vi no cinema.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Êxtase recidivo

Radiohead – Reckoner (In Rainbows, 2007)

(Eu bem tento... mas volto sempre à mesma.)

O Melhor de 2007: Literatura


Tardou, por manifesta falta de tempo, mas não faltou. Na tentativa de ser um nada congruente com a linha editorial desta chafarica digital pseudocultural, não poderia deixar de me referir aos livros que me acompanharam durante 2007 e sobre os quais fui falando em dezenas de textos, encerrando, assim e em definitivo, os habituais balanços do ano velho.
A lista que se segue não é de todo uma novidade. Desde o início do ano, fui publicando aqui neste blogue a minha visão particular sobre as obras que iam sendo publicados no mercado editorial nacional, e isto, convém notar, sem que houvesse a pretensão de atingir o inaudito rigor quase científico de uma recensão, ou ainda, que o processo se tornasse um emulador daquilo que o mercado vem estabelecendo como cânone da crítica literária, não cedendo nas suas características da rigidez e de um dogmatismo anacrónico, que afugenta quem faz da Literatura o principal instrumento para os seus momentos de lazer.
Ao longo do ano, como sempre fui referindo até ao limiar da exaustão, apenas assumi o papel do bibliófilo inveterado que procurou transmitir a quem o quisesse ler – e nunca é de mais assinalar e enfatizar esta última parte – simples notas de leitura: as emanações feéricas de um bom livro, as irritações provocadas por outros, as frustrações, os arrebatamentos, as perplexidades, as imprecisões e/ou os momentos de genialidade que contribuíram, de forma decisiva, para a assunção de determinada vontade de qualificar a obra que se acabou de ler. Nada mais. Aliás, não sigo critérios editoriais, nem sou vítima de imposições de leitura; o único critério que aqui se segue materializa-se (também literalmente) em tentar manter alguma (ir)racionalidade económico-financeira perante as minhas necessidades e os meus recursos monetários disponíveis no momento – sim, paguei por todos os livros que aqui foram apreciados – e, por outro lado, só leio o que me apetece, o que em certa medida serve de fundamento ao baixo número de livros de classificação inferior a “3 estrelas”: 5 ao todo, 3 dos quais foram revelados a despeito do princípio que adoptei de não divulgação das mediocridades literárias.
Em jeito de balanço quantitativo do ano, foram lidos e avaliados 50 livros editados em 2007, predominantemente de ficção, havendo-se revelado a avaliação de 48 e, entre esses, um conjunto de 34 foi objecto de textos individuais de análise oportunamente publicados. Quanto à sua divisão pelas 6 grandes categorias qualitativas (ou 5+1) – de mau (1 estrela) a Obra-prima (6 estrelas) –, foram classificados, para além das 2 obras não referidas, 1 livro como “Mau”, 2 como “Medíocre”, 11 com o designativo “A ler”, 13 como “Bom”, 18 como “Muito Bom” e, finalmente, 3 como “Obra-prima”.
No que diz respeito às editoras que os publicaram, sem qualquer tipo de critério apriorístico de selecção como atrás expliquei, sobressaíram os livros da editora independente Relógio D’Água (8 obras), das Publicações Dom Quixote (6), seguidas pelas editoras Civilização e Casa das Letras (4 obras cada), representando as 4 cerca de 44% do total de obras de 2007 aqui avaliadas – de realçar que em termos qualitativos, desprezando as editoras com apenas 1 título nesta lista final, a Texto Editores (com 2 títulos, ambos de Saul Bellow) e a Relógio D’Água tiveram os níveis de avaliação mais altos, 5 e 4,9 pontos, respectivamente.

Lista Final
Dos 21 livros que atingiram a classificação máxima (5 estrelas), houve três que se destacaram pela qualidade excepcional, daí haver-se adoptado o critério de desdobramento do nível máximo em dois patamares de avaliação, correspondendo o mais elevado à tal distinção pela excepcionalidade, apondo-se o natural epíteto de “obra-prima” (6 estrelas).
Assim, de acordo com o meu critério estético-literário, um conjunto de três obras publicadas (2 novidades e 1 reedição) destacou-se das restantes 18. As três figurarão por ordem de preferência nos três primeiros lugares da lista composta pelos dez melhores livros editados em 2007 – esta será a primeira vez em que irei fazer uma distinção classificativa individual dos 10 primeiros livros, atendendo, estritamente, ao grau de exaltação literária provocado (em anos anteriores classificava-os apenas por grandes grupos, sem distinções internas em cada grupo):

  1. Colm Tóibín, O Mestre, Dom Quixote (The Master, 2004);
  2. Jonathan Littell, As Benevolentes, Dom Quixote (Les Bienveillantes, 2006);
  3. Lev Tolstói, A Sonata de Kreutzer, Relógio D'Água (Крейцерова соната, translit. Kreutzerova sonata, 1889, reedição);
  4. Cormac McCarthy, Este País Não É para Velhos, Relógio D'Água (No Country for Old Men, 2005);
  5. Ian McEwan, Na Praia de Chesil, Gradiva (On Chesil Beach, 2007);
  6. John Updike, Corre, Coelho, Civilização (Rabbit, Run; 1960; reedição);
  7. Cormac McCarthy, A Estrada, Relógio D'Água (The Road, 2006);
  8. Ivan Turguéniev, Pais e Filhos, Relógio D'Água (Отцы и Дети, translit. Otzy i Deti, 1862, reedição);
  9. Gonçalo M. Tavares, Aprender a Rezar na Era da Técnica, Caminho (2007);
  10. W.G. Sebald, Vertigens. Impressões, Teorema (Schwindel. Gefühle, 1990).

Restantes 11 livros com classificação máxima (por ordem alfabética do autor):

  • André Gide, Os Subterrâneos do Vaticano, Âmbar (Les Caves du Vatican, 1914);
  • Gustave Flaubert, Salammbô, Relógio D'Água (Salammbô, 1862, reedição);
  • Halldór Laxness, Gente Independente, Cavalo de Ferro (Sjálfstætt fólk, 1933-35);
  • Hisham Matar, Em Terra de Homens, Civilização (In the Country of Men, 2006);
  • Honoré de Balzac, O Último Adeus, Europa-América/DN (Adieu, 1830, reedição);
  • Iris Murdoch, Um Homem Acidental, Relógio D'Água (An Accidental Man, 1971);
  • John Cheever, Falconer, Sextante (Falconer, 1977);
  • Paul Auster, Viagens no Scriptorium, Asa (Travels in the Scriptorium, 2007);
  • Philip Roth, Todo-o-Mundo, Dom Quixote (Everyman, 2006);
  • Saul Bellow, Aproveita o Dia, Texto Editores (Seize the Day, 1956, reedição);
  • Saul Bellow, O Planeta do Sr. Sammler, Texto Editores (Mr. Sammler’s Planet, 1970).

Nota: ligações para as “notas de prova” na coluna do lado direito deste blogue.

domingo, 6 de janeiro de 2008

A Comédia do Poder


Esclarecimento
Não tive a oportunidade de assistir em directo na televisão à mensagem presidencial de Ano Novo, nem tão-pouco à primeira emissão do ano do debate televisivo semanal Quadratura do Círculo que, sei agora, reflectiu sobre a pertinência da tal mensagem enviada aos portugueses por Cavaco Silva no exercício das suas funções.
Dei-me conta, todavia, dos ecos noticiosos repercutidos pela mensagem – que pude ler na íntegra no sítio da Presidência da República –, li, atónito, a notícia de primeira página da edição do Jornal de Negócios de ontem sobre o assunto e ouvi hoje o
podcast do referido programa da SIC Notícias, que foi para o ar na passada quarta-feira à noite, dia 2 de Janeiro.

Perplexidades
José Pacheco Pereira classificou o alerta/reflexão do Presidente da República sobre se os «rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores» como fait divers e uma manobra populista.
António Lobo Xavier apelou inclusivamente ao recurso da evidência estatística para desmistificar essa inverdade presidencial de natureza e objectivos marcadamente demagógicos, ignorando, todavia, porque à boa maneira do político luso falou de cor, os próprios dados tratados pela mesma ciência tão assertiva e enfaticamente evocada que, por mero azar, depois de uma simples análise descritiva, foram publicados no dia seguinte pela generalidade da imprensa nacional e que demonstraram de uma forma categórica o gigantesco desfasamento entre o rendimento médio de dirigentes e trabalhadores – informação apurada pela empresa norte-americana
Mercer Human Resource Consulting; em Portugal a média de rendimentos da classe de dirigentes é cerca de 32 vezes superior ao rendimento médio dos trabalhadores (15 em Espanha, 14 no Reino Unido e 10 na Alemanha, por exemplo).
Jorge Coelho, reconhecidamente um homem inteligente e um político astuto, bem informado sobre os meandros do poder, entendedor da retórica da ilusão e dos preceitos da teoria da falácia, disse que o problema não está nos altos rendimentos dos dirigentes das empresas portuguesas mas nos baixos rendimentos dos trabalhadores em geral.
Ora, a realidade que a tríade comentadora não pode nem deve encobrir, até por conhecimento de causa, angariado nos lugares de responsabilidade públicos e privados que ocupam ou ocuparam, e sem que com isso se caia na apologia do radicalismo cego da meritocracia, normalmente esquecediça das condições de partida, é a do processo viciado de cariz endogâmico, em circuito fechado, de nomeações de figuras políticas para altos cargos directivos nos domínios empresariais público e privado. Nomeia-se pela influência subterrânea criada pelo exercício anterior da função pública, prática corrente, reiterada, tacitamente aceite e potenciada por um Estado controlador e superpoderoso, anquilosado e ainda inadaptado ao exercício dos seus poderes dentro dos limites naturais definidos por uma sociedade democrática moderna e avançada, onde deveriam imperar, para a sua própria sobrevivência, o espírito da livre iniciativa e o princípio da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos sem excepção.
Em Portugal todos invocam a Constituição, todos falam sobre o cumprimento ou sobre a derrogação dos direitos, liberdades e garantias previstos pela Lei fundamental, existe até um tribunal que zela pelo seu cumprimento, cujos membros são designados pelo poder político, pelos grupos de interesse legalmente constituídos, vulgo partidos; porém ainda ninguém reparou ou quis notar que a vozearia invocativa oculta o seu verdadeiro estado de efectividade, o daguerreótipo da situação real do país: ferida de morte por incumprimento implícito, cúmplice e tolerante – a tão típica impunidade dos poderosos.
Não errarei por muito se disser que Portugal nunca foi um país verdadeiramente democrático, apesar de apresentar alguns sintomas ou indícios de democracia, consubstanciados meramente na eleição dos órgãos de poder nacional, regional e local. Aliás, o apodo de “democrático” ao nosso Estado, salvaguardadas as devidas distâncias demonstradas pela História, faz-me lembrar o segundo D na sigla DDR (ou o D da ex-RDA em língua portuguesa), um país democrático não praticante. Vivemos numa pura oligarquia que a ciência política não nega. Prevalecem os nepotismos, os favoritismos de cor e de filiação partidária e a luta pelo poder subterrâneo entre os homens do avental e os rapazes do cilício – diga-se, em abono da verdade, que Cavaco Silva, segundo confidência de uma voz assaz entendida no assunto, foi o primeiro Presidente da República eleito que jamais pertenceu quer a uma quer a outra organização de compadrios malsãos.
Cavaco Silva entendeu por bem trazer à colação a disparidade remuneratória entre dirigentes e dirigidos, talvez instigado pelos mais recentes escândalos ocorridos no centro nevrálgico de comando do Millennium BCP. O trio de comentadores da Quadratura do Círculo, em especial Pacheco Pereira e Lobo Xavier, escarneceram e vituperaram o Presidente da República por este se haver referido a um assunto menor e que, segundo dizem, está deslocado da realidade do país. Pois bem, neste caso, não entrando em linha de conta com o desrespeito desabrido ao mais alto soberano da nação e nos termos em que foi feito, releva a reacção desmesurada e desproporcional face a um assunto que resulta de uma mera constatação empírica e que em nada desmerece o estatuto do político por haver sido proferido por Cavaco Silva. Além disso, ninguém espera que um bom Presidente, interventivo e perspicaz, se auto-inflija de um degredo opinativo, posicionando-se no alto de uma torre de marfim, ignorando as reais preocupações da população que, de acordo com os poderes constitucionais, superintende. É bonito falar-se da livre iniciativa e da liberalização do mercado e que um mercado livre tende a corrigir os seus erros. No entanto, numa oligarquia típica de um país terceiro-mundista como o nosso, o verdadeiro mercado não existe porque nele apenas intervém um grupo restrito de senhores e protegidos. Nem tão-pouco se pode falar em activismo accionista, ou na célebre e ilustrativa Teoria da Agência formulada por Jensen e Meckeling, ou numa monitorização da gestão eficaz. Os próprios reguladores institucionais não intervêm ou quando o fazem movem-se apenas por reacção. Os accionistas de referência são poucos, de fraca qualidade e espalham-se por ambos os lados da barricada – o principal e o agente – em diversas empresas. Os pequenos investidores participam de forma marginal no mercado e actuam como meros especuladores, onde a maximização dos lucros é uma um conceito difuso. A generalidade da classe dirigente das empresas portugueses para além de não agir de forma directa na criação de valor para os seus accionistas, esquece-se por completo dos demais interessados, de onde emergem os próprios trabalhadores, para além dos clientes ou fornecedores, ou mesmo do Estado. Não há uma efectiva política de recompensas, ou um sistema de incentivos, aos trabalhadores que se relacione de forma directa com a produtividade total (não apenas a laboral).
No meio de tudo isto, o mais surpreendente, talvez para os mais desprevenidos, foi a exagerada e agreste reacção de repúdio dos comentadores supracitados. Talvez o Presidente da República haja logrado atingir um ponto sensível a tão desinteressados analistas de quase tudo o que mexe politicamente na lusa pátria.
E será que JPP, ALX e JC:

  • Acaso não conhecem empresas cujos próprios titulares dos órgãos administrativos e de supervisão interna aumentam os seus próprios salários e benefícios em dinheiro ou em espécie de forma considerável apesar da prevista e iminente ruína económica e financeira, despedindo trabalhadores à discrição, com salários em atraso e indemnizações por pagar?

  • Será que os comentadores da Quadratura do Círculo desconhecem que os bancos agora investigados têm deixado de forma impiedosa particulares, empresas e respectivos trabalhadores à beira da miséria, para fazerem valer os seus direitos de crédito?

Não acredito. Aliás, estou convicto de que, na posição de observadores privilegiados dentro de um sistema oligárquico, não desconhecem situações como essas. E, no entanto, criticam ferozmente a diligência presidencial, que em nada extravasou o limite das suas competências funcionais e orgânicas, de um firme e sonoro alerta ao país, às instituições policiais e judiciais, às entidades reguladoras.

E se realmente necessitam de uma imagem para atestar do grau de impunidade reinante na república oligárquica portuguesa, basta que nos recordemos da imagem recente (final de Dezembro de 2007), carregada de um forte simbolismo do status quo luso, quando a propósito de uma reunião de dirigentes do BCP uma longa fila de automóveis de cor escura com motorista, de marcas Jaguar, Mercedes, BMW e Audi, estava plantado na zona pedonal da Rua Augusta em Lisboa. O que aconteceria se na mesma situação estivesse envolvido o tal Zé de Durão Barroso? Dispenso-me a mais palavras. A impunidade, a vassalagem e a bajulação
do poder estão à vista de todos. Pobre cidadãos, a quem pretendem furar dos dois olhos o único que permanece são.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

3.º Aniversário

Parabéns ao Eduardo Pitta e ao João Paulo Sousa pelo 3.º aniversário do blogue Da Literatura que se tornou, por mérito próprio, uma das grandes referências da blogosfera lusa.

Nota: peço as minhas desculpas, em especial ao Eduardo, pela impontualidade da felicitação, mas motivos de força maior levaram-me a uma ausência temporária da blogosfera.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Novo Ano

Jean Antoine Watteau, L’indifférent
(1717)
Óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris

Ô naître ardent et triste,
mais, à la vie assiste,
tendre et bien habillé,

à la multiple surprise
qui ne vous engage point,
et, bien mis, à la bien mise
sourire de très loin.
Rainer Maria Rilke, "L’indifférent"
(Tendres impôts à la France, 1923-1924)