Num artigo publicado no jornal londrino The Times em Julho deste ano – a propósito da publicação no Reino Unido do primeiro livro de memórias de Haruki Murakami (n. 1949), De que falo quando falo de correr (tradução aproximada), publicado no Japão em 2007 –, o jornalista, crítico e ensaísta Stephen Armstrong discorre sobre as dez coisas que precisamos de saber sobre o escritor nipónico. A primeira asserção é a mais lógica: “Murakami divide as pessoas”. Há os que o idolatram e os que renegam os seus livros e seu tipo de literatura, acusando-a de ser «pop, sem qualidade e excessivamente ocidentalizada», bem longe, como nota o autor do artigo, do aspecto formalmente tradicional das obras de autores japoneses consagrados, como Yukio Mishima, Junichiro Tanizaki ou o nobelizado Yasunari Kawabata.
Murakami é um confirmado caso de sucesso, mas é simultaneamente objecto de uma guerra sem quartel no mundo das letras. As suas recensões são normalmente favoráveis e por vezes a roçar os limites da razoabilidade encomiástica, com comparações inusitadas, dando origem, por vezes, a frases de caracterização e descrição da obra e/ou do autor destemperadamente insólitas, de pura risibilidade, como a do “produto do cruzamento de Kafka com Woody Allen”; foi doutorado “honoris causa” por Princeton e pela Universidade de Liège; todos os anos surge na lista dos principais favoritos a conquistar o Nobel da Literatura, facto que, por si só, tem suscitado acesos debates literários.
Uma coisa parece certa, Murakami vende em Portugal, tal como vendem Paulo Coelho, MRP®, Nora Roberts ou Allende, porém o tipo de comprador/leitor é diferente, bastante heterogéneo em género e habilitações literárias, um pouco mais homogéneo na faixa etária, são sobretudo os mais jovens que lêem Murakami – informação baseada em estudo estatístico sem amostra representativa, rigorosamente acientífico, sem ficha técnica, porque resulta de um empirismo primário com um diminuto tratamento racional.
Segundo as minhas notas de leitura, li o meu último Murakami em Julho de 2007 e achei-o fraquinho, rudimentar e pueril.
Ora, até meados de Novembro de 2008, ou seja, um ano e quatro meses depois, saíram para o mercado mais três livros do escritor japonês, todos editados pela Casa das Letras e com tradução de Maria João Lourenço: Dança, Dança, Dança (Novembro de 2007); o livro de contos A rapariga que inventou um sonho (Março de 2008) e After Dark – Os passageiros da Noite (Novembro de 2008). Disponho de todos em 1.ª edição, num estado de quase pudica virgindade.
Depois de ler Em Busca do Carneiro Selvagem, cansei-me de Murakami, não significando porém que não faça uma segunda tentativa, gozando da excelente oportunidade dada pela publicação entre nós do incensado After Dark (o último romance do autor, publicado originalmente no Japão em 2004).
Talvez seja por uma frívola sugestão infundida pelo design das capas dos seus livros em Portugal – o mesmo ocorre com Lobo Antunes –, mas convenci-me de que estou a ler sempre o mesmo livro com títulos diferentes. Com o tal livro de Julho de 2007, a minha babilónica cabeça emitiu um fortíssimo sinal de déjà-vu, de uma releitura de um aborrecido universo onírico agrilhoado a uma perda de capacidade criativa do quase sexagenário autor nipónico; dando por mim – ah, a prodigiosa mente humana – a pôr em causa o que já tinha dado por adquirido: a identificação de talento e génio literários em algumas das suas obras anteriores.
De um total de onze romances, para além dos ensaios, livros de contos, autobiografia e livro de memórias, Murakami tem sete publicados em Portugal (um publicado pela Civilização e os restantes pela Casa das Letras), dos quais li cinco.
Classifico-os da seguinte forma (entre parêntesis figura o ano de publicação em japonês sem o respectivo título transliterado dada irrelevância da informação, de pôr os olhos em bico):
- De leitura obrigatória: Norwegian Wood (1987, ed. port. Civilização) e Crónica do Pássaro de Corda (1992-1995);
- A Ler: Sputnik, meu amor (1999);
- Prescindíveis: Em Busca do Carneiro Selvagem (1982) e Kafka à Beira-Mar (2002);
- Não lidos: Dança, Dança, Dança (1988) e After Dark – Os Passageiros da Noite (2004).
Será o fim do retemperador pousio?
(Se ainda lido este ano, descubra na secção de apreciação literária na barra da direita, ou mesmo sendo-o, talvez não, aumentando a diferença entre os lidos e classificados. Confuso?)
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