Eram bêbados, toxicómanos e sexualmente promíscuos reunidos sob o signo das artes, cujos principais representantes ainda hoje se distinguem num trio que se destacou entre os reais fundadores do movimento: Kerouac, Ginsberg e Burroughs (este último não estudou em Columbia).
Em Agosto de 1944, em Riverside Park, um dos discípulos e amigo íntimo da dupla Kerouac e Burroughs, Lucien Carr (1925-2005), então com dezanove anos, esfaqueia barbaramente David Kammerer, por alegada tentativa de violação deste último ao mais novo, que já o assediava quando Carr ainda tinha uns imberbes catorze anos. Kammerer de 33 anos, amigo de infância de Burroughs em St. Louis, foi professor e era frequentador do círculo Beat.
O corpo de Kammerer é atirado ao rio Hudson e Carr refugia-se no apartamento de Burroughs, onde encontra Kerouac, trazendo a arma do crime, ainda ensanguentada, na mão.
Parte deste episódio vem descrito no romance semi-autobiográfico de 1968 de Kerouac, Duluoz, o Vaidoso (Vanity of Duluoz) – é a última obra escrita por Kerouac, que viria a falecer em 1969 –, onde para além do herói epónimo representar o próprio autor, aparecem os personagens Lucien Carr, com o nome ficcional de Claude, e David Kammerer, travestido de Mueller:
«No momento em que vou a passar diante da St. Paul’s Chapel, no campus, e começo a descer as velhas escadas de madeira que ali existiam, eis que surge Mueller no seu passo saltitante e ávido, de barbas, na penumbra, a caminhar na minha direcção, avista-me, pergunta: – Onde está o Claude?
– No West End.
– Obrigado. Até à vista! – E vejo-o precipitar-se ao encontro da morte.
[…]
[E]is ali Claude, de pé ao meu lado, com o cabelo loiro nos olhos, a sacudir-me pelo braço. […] Ele diz “Bom, despachei o velho a noite passada.”
[…]
– Para que é que foste fazer uma coisa dessas?
– Agora não há tempo para isso, ainda tenho a navalha e os óculos dele todos sujos de sangue. Queres vir comigo, a ver como é que havemos de os deitar fora?
[…]
– Apunhalei-o doze vezes no coração com a minha navalha de escuteiro.
– Porquê?
– Ele atirou-se a mim. Disse que me amava imenso e essas coisas todas e que não era capaz de viver sem mim e que me ia matar, que nos ia matar aos dois.»
Jack Kerouac, Duluoz, o Vaidoso, pp. 236-237.
[Lisboa: Relógio D’Água, Abril de 2008, 285 pp.; tradução de Paulo Faria; obra original: Vanity of Duluoz, 1968]
Em 1945, Kerouac e Burroughs escrevem um romance a duas mãos, a que deram o título de And the Hippos Were boiled in Their Tanks (tradução literal: E os hipopótamos foram cozidos nos seus tanques), título grotesco que tem na sua origem um incêndio ocorrido no zoo de Nova Iorque onde os colossais mamíferos foram literalmente cozinhados – Consider the Hippo, poderia ter sido um título de um manifesto de defesa dos animais escrito pelo recentemente falecido David Foster Wallace, se a prática do “hipopótamo suado” tivesse alastrado às ementas dos restaurantes no mundo ocidental.
Sessenta e três anos depois, a Grove Press (nos EUA) e a Penguin (no Reino Unido) publicam o dito romance.
«WILL DENNISON*
»Aos sábados à noite os bares fecham às três da manhã, assim cheguei a casa por volta das 3:45, depois de ter comido o pequeno-almoço no Riker’s na esquina da Christopher Street com a 7.ª avenida. Atirei o News e o Mirror para cima do sofá e esbulhei-me do meu caso de seersucker atirando-o para cima deles. Eu ia direitinho para a cama.
Nesse instante, a campainha tocou. É uma campainha estridente que te trespassa, logo apressei-me pela sala para carregar no botão e abrir a porta lá de baixo. Tirei o casaco do sofá e assestei-o a uma cadeira para que ninguém se sentasse em cima dele, e meti o jornais numa gaveta. Eu queria ter a certeza de que eles ainda estariam por cá quando acordasse durante a manhã. Caminhei em direcção à porta e abri-a. Eu cronometrei o tempo preciso para que eles não tivessem hipótese de bater à porta.
Quatro pessoas entraram na sala. Agora, dir-vos-ei de forma genérica quem eles eram e como era a sua aparência, uma vez que a histórica diz sobretudo respeito a dois deles.»
William S. Burroughs e Jack Kerouac, And the Hippos Were Boiled in Their Tanks, pp. 3-4 [tradução: AMC]
[New York: Grove Press, first edition, November, 2008, 224 pp.]
E assim se divertiam os beatniks, deixando os bacanais e as orgias de drogas e álcool de lado, esfaqueavam-se uns aos outros e, por vezes, há quem diga, interpretavam com afinco o papel do herói o suíço William Tell e dedicavam-se ao famoso jogo da maçã, substituindo o arco e a flecha por um revólver… é um problema de Guilhermes, enquanto um procurava salvar e salvou a mulher, o outro matou acidentalmente a sua na prática desse jogo delicioso, para confessar décadas depois que a matou intencionalmente porque já não a suportava.
1 comentário:
curiosamente, acabo de comprar "On the road", numa deliciosa edicao revivalista da Penguin, que editou alguns (penso que cerca de 50 ) dos seus clássicos em edicoes baratissimas com o look de decadas passadas (apenas as faixas com cores e o titulo a negro)
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