Alguns afazeres inadiáveis por estes dias têm-me afastado do blogue e feito da única leitura do momento – o último romance de Salman Rushdie editado entre nós – um exercício de entretenimento sincopado pelo necessário achamento do fio meada da dita obra que, se mais não bastasse, tinha de ser do babilónico-hermético escritor indo-britânico.
Talvez seja das sucessivas interrupções, algumas bastante longas, ou quiçá de um preconceito inultrapassável perante o autor da obra, mas parece-me que A Feiticeira de Florença é uma manta de retalhos muito mal cerzida. Mas a falta da visão global, que se adquire após a última página, prejudica, para já, qualquer análise minimamente séria.
Há, no entanto, passagens que têm o condão de fazer soar o alarme que me alerta para o atingimento de um nível estético notavelmente baixo, para não falar do ético, essencialmente pela sua impudica e descarada desarmonia com o texto, como se tentasse colar uma ideia que sobreveio inusitadamente a uma mente subitamente tortuosa – e espera-se, sem qualquer relação com a experiência, difícil de vislumbrar pela conhecida garbosidade da contraparte. Verosímil, pode ser; real, infelizmente sim; necessária, jamais, atendendo ao contexto, de uma Florença dissoluta, expulsos os Chorões corporizados em Savonarola e o seus sequazes, largamente descrita ao longo da obra.
Rushdie ultrapassou o histerismo, na medida em que ele é resolvido pelos devaneios lascivos perfeitamente secundários dos seus personagens, tautológicos e recalcitrantes, e que parecem resultar de um falhadíssimo pastiche da marca distintamente lúbrica de Philip Roth, ética e esteticamente irrepreensíveis.
Veja-se esta passagem… ou melhor, leia-se este retalho, que deveria voltar ao lugar de onde saiu, à mente maltratada… retalhada:
Talvez seja das sucessivas interrupções, algumas bastante longas, ou quiçá de um preconceito inultrapassável perante o autor da obra, mas parece-me que A Feiticeira de Florença é uma manta de retalhos muito mal cerzida. Mas a falta da visão global, que se adquire após a última página, prejudica, para já, qualquer análise minimamente séria.
Há, no entanto, passagens que têm o condão de fazer soar o alarme que me alerta para o atingimento de um nível estético notavelmente baixo, para não falar do ético, essencialmente pela sua impudica e descarada desarmonia com o texto, como se tentasse colar uma ideia que sobreveio inusitadamente a uma mente subitamente tortuosa – e espera-se, sem qualquer relação com a experiência, difícil de vislumbrar pela conhecida garbosidade da contraparte. Verosímil, pode ser; real, infelizmente sim; necessária, jamais, atendendo ao contexto, de uma Florença dissoluta, expulsos os Chorões corporizados em Savonarola e o seus sequazes, largamente descrita ao longo da obra.
Rushdie ultrapassou o histerismo, na medida em que ele é resolvido pelos devaneios lascivos perfeitamente secundários dos seus personagens, tautológicos e recalcitrantes, e que parecem resultar de um falhadíssimo pastiche da marca distintamente lúbrica de Philip Roth, ética e esteticamente irrepreensíveis.
Veja-se esta passagem… ou melhor, leia-se este retalho, que deveria voltar ao lugar de onde saiu, à mente maltratada… retalhada:
«Todas as noites se punha a olhar para a sua mulher à mesa e não encontrava nada para lhe dizer. Marietta, era esse o seu nome, e aqui estavam os seus filhos, os filhos de ambos, os seus muitos, muitos filhos; era, portanto, verdade que ele se casara e tivera filhos a exemplo das pessoas como deve ser, mas isso era noutra época, na época da grandeza negligente, em que todos os dias fodia com uma rapariga diferente para se manter vigoroso e vivo, e fodia também com a mulher, claro, seis vezes, pelo menos. Marietta Corsini, a mulher, que lhe passajava as camisolas interiores e toalhas e não sabia nada de nada, que não compreendia a sua filosofia nem se ria das suas piadas. Todos os demais no mundo o achavam engraçado, mas ela tomava tudo à letra, pensava que um homem queria dizer exactamente o que dizia e as alusões e metáforas eram apenas as ferramentas de que os homens se serviam para enganar as mulheres, para as fazerem pensar que não sabiam o que se passava. Ele amava-a, é certo. Amava-a como um membro da sua família. Como uma irmã. Quando fodia com ela sentia-se levemente pecaminoso. Sentia-se incestuoso, como se estivesse a foder com a irmã. Aliás, essa noção era a única coisa capaz de o excitar quando se deitava com ela. Estou a foder com a minha irmã, dizia para consigo, e vinha-se.»
Salman Rushdie, A Feiticeira de Florença, pp. 230-231.
[Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Outubro de 2008, 343 pp.; tradução de J. Teixeira de Aguilar; obra original: The Enchantress of Florence, 2008.]
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