Intróito
Depois de ter lido isto e isto do Eduardo Pitta no seu blogue Da Literatura, germinou em mim uma vontade incomensurável de falar, de gritar, de exteriorizar a revolta que casos como este e similares me provocam, me revolvem as entranhas e me fazem, por vezes, estiolar em palavras de desprezo perante este país de capelinhas e sacristias, onde uma pequena turba de oligarcas dedilha os fios que fazem mover os nossos braços e pernas como se fôssemos marionetas.
Irei falar um pouco das vicissitudes de um processo desta natureza, eminentemente persecutória, que está escrito nos seus contornos quase kafkianos. E, de seguida, recupero um texto – cujo título original deu o nome ao de hoje –, à laia de ensaio, passe o possível pretensiosismo, que havia escrito, por catarse (outros queriam-no para publicação, a que resisti com alguma veemência, dada a minha indisponibilidade física e mental, não literal, para servir de Martim Moniz), em Fevereiro de 2004. Hoje, ao ler os textos do Eduardo, sabia que o houvera escrito e que estaria arrumado com centenas de outros numa das pastas abandonadas do disco rígido do meu computador; apenas cheguei lá pelo título – neste caso aparece com o subtítulo “Do Poder: a incubação dos medíocres”.
Do Processo
É esta a resignação perante uma coisa cuja denominação há muito deixou de corresponder à sua etimologia (percebe-se no final, pela circularidade).
Um exemplo cabal desse desfasamento materializa-se no processo disciplinar consubstanciado no direito do trabalho. A putativa protecção do trabalhador nestes casos, não passa disso mesmo, de uma presunção de atribuição de determinados direitos de defesa que jamais poderão ser exercidos, quer no campo meramente interno – na condução do processo disciplinar tout court, que cabe única e exclusivamente à empresa dirigir, com um instrutor parcial (de partidário) nomeado para o efeito –, quer no plano externo quando a decisão de despedimento é tomada e se recorre aos tribunais para recuperação do vínculo e de todas as prerrogativas anteriores que a mera existência desse vínculo englobava.
A lei obriga a manifestação expressa do desejo de despedir na, usualmente rocambolesca, “Nota de Culpa”. Findo o processo de inquérito, segue-se o tribunal, com a interposição do procedimento cautelar de suspensão do despedimento. A vitória aí alcançada poderá, segundo dizem, ser um prenúncio para a vitória final, mas quase sempre se trata de um presente envenenado, uma vez que nada mais repõe que não seja o direito à retribuição.
Depois de ter lido isto e isto do Eduardo Pitta no seu blogue Da Literatura, germinou em mim uma vontade incomensurável de falar, de gritar, de exteriorizar a revolta que casos como este e similares me provocam, me revolvem as entranhas e me fazem, por vezes, estiolar em palavras de desprezo perante este país de capelinhas e sacristias, onde uma pequena turba de oligarcas dedilha os fios que fazem mover os nossos braços e pernas como se fôssemos marionetas.
Irei falar um pouco das vicissitudes de um processo desta natureza, eminentemente persecutória, que está escrito nos seus contornos quase kafkianos. E, de seguida, recupero um texto – cujo título original deu o nome ao de hoje –, à laia de ensaio, passe o possível pretensiosismo, que havia escrito, por catarse (outros queriam-no para publicação, a que resisti com alguma veemência, dada a minha indisponibilidade física e mental, não literal, para servir de Martim Moniz), em Fevereiro de 2004. Hoje, ao ler os textos do Eduardo, sabia que o houvera escrito e que estaria arrumado com centenas de outros numa das pastas abandonadas do disco rígido do meu computador; apenas cheguei lá pelo título – neste caso aparece com o subtítulo “Do Poder: a incubação dos medíocres”.
Do Processo
É esta a resignação perante uma coisa cuja denominação há muito deixou de corresponder à sua etimologia (percebe-se no final, pela circularidade).
Um exemplo cabal desse desfasamento materializa-se no processo disciplinar consubstanciado no direito do trabalho. A putativa protecção do trabalhador nestes casos, não passa disso mesmo, de uma presunção de atribuição de determinados direitos de defesa que jamais poderão ser exercidos, quer no campo meramente interno – na condução do processo disciplinar tout court, que cabe única e exclusivamente à empresa dirigir, com um instrutor parcial (de partidário) nomeado para o efeito –, quer no plano externo quando a decisão de despedimento é tomada e se recorre aos tribunais para recuperação do vínculo e de todas as prerrogativas anteriores que a mera existência desse vínculo englobava.
A lei obriga a manifestação expressa do desejo de despedir na, usualmente rocambolesca, “Nota de Culpa”. Findo o processo de inquérito, segue-se o tribunal, com a interposição do procedimento cautelar de suspensão do despedimento. A vitória aí alcançada poderá, segundo dizem, ser um prenúncio para a vitória final, mas quase sempre se trata de um presente envenenado, uma vez que nada mais repõe que não seja o direito à retribuição.
Depois chega a acção declarativa (a chamada de "principal"), o processo de impugnação desse despedimento: a verdadeira tortura. Advogados, petições, juízes, requerimentos, audiências preliminares, tentativas de conciliação, audiência de partes, arrolamento de testemunhas, adiamentos por falta de douta agenda, expedientes dilatórios, etc. Custas, taxas de justiça, preparos, honorários, telefonemas, deslocações… dois anos, na melhor das hipóteses. Em suma, o despedido via processo disciplinar é condenado a pelo menos dois anos de tortura enquadrada nos beneplácitos e nas concessões da monstruosa máquina judicial portuguesa.
Todavia, o pior chega com o impedimento de entrada do visado nas instalações onde durante anos, talvez décadas, exerceu a sua actividade profissional; onde deixou todo o seu suor, as suas ideias, a sua dedicação e natural socialização dentro de um ambiente controlado que, fatalmente, criou uma teia de relações pessoais. É precisamente aí que se inicia a tortura chinesa da difamação e da injúria: dentro das instalações, “no escurinho do cinema” (sem dropes de anis), longe da vista e do coração do terrível aviltador do status quo, sem qualquer hipótese de defesa, inicialmente difundida pelos donos do poder e perpetrada diariamente nos corredores através do boato e da inócua maledicência, e depois propagada até por aqueles que um dia havíamos reputado como colegas de trabalho dignos da nossa confiança e até, em alguns casos, como amigos fora do círculo restrito das relações profissionais. É precisamente aí que ficamos a conhecer, sem hipótese de remissão, a mesquinhez da natureza humana, a baixeza, a vileza, o grau de maleabilidade moral de seres intrinsecamente reptilários.
Já não me recordo de quem o disse, mas louvo-lhe a coragem por haver proferido a seguinte frase: «frequento muito pouco a natureza humana». Atribuo, hoje em dia, um valor imensurável à independência e à sujeição mínima perante uma hierarquia. Como diz o Miguel Esteves Cardoso na última Ler, prefiro ser «autor de mim próprio» nem que isso faça de mim materialmente mais pobre.
Sem conhecer a visada, e tão-pouco vislumbrar a hipótese de algum dia a poder vir a conhecer; sem conhecer o processo em causa, mas divisando, infelizmente, os contornos que por ora assume e que, mais tarde, irá decerto assumir, gostaria de manifestar a minha solidariedade a Joana Morais Varela, que de um momento para outro se viu despojada de um projecto que erigiu e ajudou a retirar, em definitivo, a Colóquio/Letras dos escombros da ociosa intelectualidade lusa.
Todavia, o pior chega com o impedimento de entrada do visado nas instalações onde durante anos, talvez décadas, exerceu a sua actividade profissional; onde deixou todo o seu suor, as suas ideias, a sua dedicação e natural socialização dentro de um ambiente controlado que, fatalmente, criou uma teia de relações pessoais. É precisamente aí que se inicia a tortura chinesa da difamação e da injúria: dentro das instalações, “no escurinho do cinema” (sem dropes de anis), longe da vista e do coração do terrível aviltador do status quo, sem qualquer hipótese de defesa, inicialmente difundida pelos donos do poder e perpetrada diariamente nos corredores através do boato e da inócua maledicência, e depois propagada até por aqueles que um dia havíamos reputado como colegas de trabalho dignos da nossa confiança e até, em alguns casos, como amigos fora do círculo restrito das relações profissionais. É precisamente aí que ficamos a conhecer, sem hipótese de remissão, a mesquinhez da natureza humana, a baixeza, a vileza, o grau de maleabilidade moral de seres intrinsecamente reptilários.
Já não me recordo de quem o disse, mas louvo-lhe a coragem por haver proferido a seguinte frase: «frequento muito pouco a natureza humana». Atribuo, hoje em dia, um valor imensurável à independência e à sujeição mínima perante uma hierarquia. Como diz o Miguel Esteves Cardoso na última Ler, prefiro ser «autor de mim próprio» nem que isso faça de mim materialmente mais pobre.
Sem conhecer a visada, e tão-pouco vislumbrar a hipótese de algum dia a poder vir a conhecer; sem conhecer o processo em causa, mas divisando, infelizmente, os contornos que por ora assume e que, mais tarde, irá decerto assumir, gostaria de manifestar a minha solidariedade a Joana Morais Varela, que de um momento para outro se viu despojada de um projecto que erigiu e ajudou a retirar, em definitivo, a Colóquio/Letras dos escombros da ociosa intelectualidade lusa.
Do Poder: a incubação dos medíocres
Muitas vezes, a forma mais vil de se obter o poder, ao contrário do popularmente determinado, não é aquela onde se o conquista pela força. Ela advém de um sistema genericamente considerado como o mais “humanamente benigno”, a democracia.
Winston Churchill disse, mais ou menos por estas palavras, que «a democracia é o pior de todas as formas de governo, com excepção de todos as outras que a História já deu a conhecer ao mundo».
A inquietação implícita nesta frase leva-nos ao reconhecimento cabal das falhas dos sistemas democráticos.
Arriscar-me-ia a afirmar que a democracia, na sua fase de maturidade, conduz à alienação das massas, ao triunfo dos medíocres e à permanente insatisfação das franjas populacionais que lutam por ideias de transparência, honestidade e de desenvolvimento sustentado da condição humana.
Cada acto eleitoral deveria corresponder a um acto de renovação da esperança dos eternos insatisfeitos com a classe governativa. Quando falo de classe governativa não me circunscrevo àquela que administra e representa os destinos da nossa pátria, seja ela qual for. O conceito é mais abrangente, incluindo as micro-relações de poder que vamos enfrentando na nossa vivência quotidiana.
O respeito pela democracia plena determinaria “1 Homem – 1 voto”. Empiricamente, afigura-se-nos como a solução mais generosa no sentido de garantir a participação plural de todos os membros que compõem uma dada comunidade ou uma dada organização no processo de tomada de decisão. Todavia, o somatório das vontades individuais não é igual à vontade colectiva, na medida em que o jogo da procura pela solução consensual implica, à partida, cedências de alguns desejos de cariz pessoal para benefício da colectividade.
Parece um simples truísmo, mas convém salientar que é impossível conciliar posições individuais quando estas se revelam antagónicas, sob pena de o próprio sistema democrático não funcionar. Logo, os grupos formam-se por pessoas que têm valores, comportamentos, atitudes e objectivos similares. Agrupam-se, em primeiro lugar, pela identificabilidade.
Depois de constituídos os grupos, que normalmente se arrogam de representativos de determinadas franjas sociais, há a definição da acção comum de forma a seduzir os indecisos e engrossar fileiras para a conquista da vitória final, que se poderá facilmente traduzir pela conquista do poder – é todo um léxico marcial que mais bem se adequa à explicação da génese do poder.
Inicia-se o processo de governação, normalmente começa-se por satisfazer as clientelas políticas, distribuem-se os poleiros, hierarquizados pela notoriedade, poder de influência e pelo pretenso grau de operacionalidade ou mais-valia técnico-científica. Posteriormente, tomam-se decisões de fundo e afastam-se algumas vozes críticas que, potencialmente, pelas suas integridade e idoneidade, podem constituir um entrave à governação. Arrebanham-se os volúveis e os medíocres com promessas vãs de status social, de engrandecimento da reputação e/ou com estabilidade governativa, já que geralmente o seu valor de mercado é acessível.
Quem detém o poder governa para si e para os seus e intimida os oponentes que, de forma resistente, ainda perduram, quais obstáculos, no horizonte de poder dos dirigentes.
Ao ostracismo são votados os que permanecem com as suas convicções e, o pior de tudo, são apontados a dedo, pelos neodominados partidários da elite governamental, como destruidores da instituição ou da comunidade a que pertencem e das suas vidinhas conformistas.
Usualmente, vigora a tese da intimidação pelo bem colectivo – que para os poderosos significa a eternização no poder, manutenção do status quo e conservação ou expansão do açambarcamento de privilégios extraordinários –, que é divulgada, amedrontando: "o bem colectivo" poderá ser destruído pelos, por si denominados, com direito a comunicação explícita usando os gratuitos megafones do poder, “difamadores” e/ou “sequiosos de poder”, de forma a garantirem a imposição das suas vontades individuais.
Confesso. Não sei quem de mim merece um maior sentimento de comiseração, se os medíocres que sabem que são medíocres, ou aqueles que, devido à ignorância, se acham autorizados a intervir pelo bem comum. Estes últimos são os coitados que interferem nas nossas vidas com a consciência tranquila de que contribuíram de forma decisiva para a comunidade. Os primeiros são os parasitas da sociedade, aqueles que cedem, que recuam, que deambulam neste mundo esquecendo amigos, parentes, vizinhos, colegas de profissão, e, mais grave ainda, os valores mais nobres e elevados da sinceridade, honradez, amizade, compaixão, integridade e, acima de tudo, da lealdade nas relações humanas, que deveriam ser orientadores do seu comportamento nas suas mesquinhas vidas.
A democracia emprenha intimidadores, concebe medíocres e afasta aqueles com opiniões próprias.
Mas haverá melhor sistema!? (voltar a "Do Processo")
(Imagem: “A Destruição do Leviatã” gravura de Gustave Doré, 1865, para a Bíblia Sagrada: Isaías, 27)
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