«Para uma filosofia da força ou da vontade, parece difícil explicar como é que as forças reactivas, como é que os “escravos”, os “fracos” levam a melhor. Porque, se todos em conjunto formam uma força maior que a dos fortes, não vemos muito bem o que mudou, e sobre que se funda uma avaliação qualitativa. Mas, na verdade, os fracos, os escravos não triunfam por adição das suas forças, mas por subtracção da força do outro: separam o forte daquilo que ele pode. Eles triunfam, não pela composição do seu poder, mas pelo poder do seu contágio. Acarretam um devir-reactivo de todas as forças. É isso a “degenerescência”. Nietzsche mostra já que os critérios da luta pela vida, da selecção natural, favorecem necessariamente os fracos e os doentes enquanto tais, os “secundários” (chama-se doente a uma vida reduzida aos seus processos reactivos). […] As forças reactivas, ao levarem a melhor, não deixam de ser reactivas. Porque, em todas as coisas, segundo Nietzsche, trata-se de uma tipologia qualitativa, trata-se de baixeza e de nobreza. Os nossos senhores são escravos que triunfam num devir-escravo universal [...] Nietzsche descreve os Estados modernos como formigueiros, em que os chefes e os poderosos levam a melhor devido à sua baixeza, ao contágio desta baixeza e desta truanice. Qualquer que seja a complexidade de Nietzsche, o leitor adivinha facilmente em que categoria (quer dizer, em que tipo) ele teria colocado a raça dos “senhores” concebidos pelos nazis. Quando o niilismo triunfa, então e só então a vontade de poder deixa de querer dizer “criar”, mas significa: querer o poder, desejar dominar (portanto, atribuir-se ou fazer com que lhe atribuam os valores estabelecidos, dinheiro, honras, poder...). Ora, esta vontade deste poder é precisamente a do escravo, é a maneira como o escravo ou o impotente concebe o poder, a ideia que dele faz, e que ele aplica quando triunfa. Acontece que um doente pode dizer: ah! se eu estivesse bom, faria isto – e talvez o fizesse –, mas os seus projectos e as suas concepções são ainda as de um doente, e nada mais que as de um doente. Passa-se o mesmo com o escravo e com a sua concepção do domínio ou do poder. Passa-se o mesmo com o homem reactivo e com a sua concepção de acção. Por toda a parte, é a inversão dos valores e das avaliações, por toda a parte são as coisas vistas do lado pequeno, as imagens invertidas como numa clarabóia. Uma das grandes frases de Nietzsche é: “Temos sempre de defender os fortes contra os fracos.”» [destaque meu]
Gilles Deleuze, Nietzsche, pp. 25-26
[Lisboa: Edições 70, 1.ª edição, Agosto de 2007, 107 pp.; tradução de Alberto Campos; obra original: Nietzsche, 1965]
Gilles Deleuze, Nietzsche, pp. 25-26
[Lisboa: Edições 70, 1.ª edição, Agosto de 2007, 107 pp.; tradução de Alberto Campos; obra original: Nietzsche, 1965]
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