Alçada parte de uma asserção de Jules Michelet em que o eminente historiador enunciava: «eu tenho em mim o homem e a mulher», o masculino e o feminino (le mâle et la femelle), terminando o curto texto com três parágrafos que definem de uma forma nítida o seu pensamento, cuja raiz partiu anteontem aos 81 anos, deixando, porém, as sementes que germinaram (e ainda vão germinado) a reflexão da condição da mulher na sociedade Ocidental:
«Mas tudo isto se passou há mais de cento e cinquenta anos. Não se pode imaginar a força e a construção interior de uma mulher desse tempo que a fez enfrentar com tanta força e audácia o mundo masculino e abrir um pouco da muralha que impedia o acesso da mulher à própria entrada na história.
»Quando foi da sua morte [1876], Flaubert, numa carta a Tourgueniev [sic; o autor usou a transliteração francesa], escreveu: “No seu enterro, chorei como uma criança. Era preciso conhecê-la como eu a conheci para saber tudo aquilo que havia de feminino neste grande homem.”
»Talvez a frase de Flaubert esconda esta realidade de que não tomámos consciência. Se temos em nós o masculino e o feminino, como dizia Michelet, George Sand foi capaz de pôr ao seu serviço valores ditos “masculinos” – a audácia e a coragem – para impor na sociedade a presença “feminina” que tem que ver com o complexo mundo dos afectos, de que ainda estamos privados. As mulheres podem ser corajosas sem deixarem de ser mulheres.»
António Alçada Baptista, “George Sand”, A Cor dos Dias – Memórias e Peregrinações, pp. 162-163.
[Lisboa: Presença, 2.ª edição, Dezembro de 2003, 223 pp.]
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