terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Literatura: Os Melhores de 2008

Das três listas de preferências que costumo divulgar no final do ano, esta é aquela cuja novidade, a sê-lo, reside apenas na ordem a dar aos livros editados em Portugal durante o ano de 2008.
Com efeito, desde que iniciei as lides blogueiras em Dezembro de 2005, é meu hábito manter em permanente actualização a listagem de livros que vou lendo, classificando-os em cinco categorias – do “Mau” ao “Muito Bom” –, reservando uma sexta – “Obra-Prima” – para aqueles cuja excepcionalidade literária obriga, desde logo, a uma distinção relativamente aos demais – o pior, é que esta última, dada a profusão de obras nela inseridas a cada ano, tem vindo a perder o peso da excepcionalidade.
Como referi, a novidade desta lista resulta apenas da singularização das obras, organizadas numa lista de preferências – prática que encetei, com alguma reserva mental, no ano passado, se bem que em 2006 houvesse destacado a melhor obra entre as melhores seleccionadas.
Só para recordar, deixo aqui ficar a lista dos vencedores dos últimos anos (como referi, explicitamente escolhido a partir de 2006, assumido por mim no ano de 2005):


  • 2005 – Kazuo Ishiguro, Nunca Me Deixeis, Gradiva (Never Let Me Go, 2005);
  • 2006 – Vladimir Nabokov, Convite para uma decapitação, Assírio & Alvim (Priglasheniye na kazn, 1936);
  • 2007 – Colm Tóibín, O Mestre, Dom Quixote (The Master, 2004) e, ex aequo*, Jonathan Littell, As Benevolentes, Dom Quixote (Les Bienveillantes, 2006).

    Nota: *decisão de igualização tomada no decurso do ano, depois de assentada a poeira, consolidou-se a certeza de se tratar de uma obra que perdurará como notável referência nas próximas décadas.

Este ano foram lidos e avaliados 48 livros editados em 2008 (50 em 2007), predominantemente de ficção, havendo-se revelado a avaliação de 46 (48 em 2007) e, entre esses, apenas 8 (contra a boa produção de notas de apreciação em 2007, 34) foram objecto de textos individuais de análise oportunamente publicados. Quanto à sua divisão pelas 6 grandes categorias qualitativas (ou 5+1) – de mau (1 estrela) a Obra-Prima (6 estrelas) –, foram classificados, para além das 2 obras não referidas, 2 livros como “Mau”, 2 como “Medíocre”, 8 com o designativo “A ler”, 13 como “Bom”, 16 como “Muito Bom” e, finalmente, 5 como “Obra-prima”.

Lista final (que podia ser uma repetição do palavreado usado no ano anterior dada a coincidência numérica):
Dos 21 livros que atingiram a classificação máxima “Muito Bom” (5 estrelas), houve cinco que se destacaram pela qualidade excepcional, daí haver-se adoptado o critério de desdobramento do nível máximo em dois patamares de avaliação, correspondendo o mais elevado à tal distinção pela excepcionalidade, apondo-se o natural epíteto de “obra-prima” (6 estrelas).
Assim, de acordo com o meu critério estético-literário, um conjunto de cinco obras publicadas (2 novidades e 3 reedições) destacou-se das restantes 16. As cinco figurarão por ordem de preferência nos cinco primeiros lugares da lista composta pelos dez melhores livros editados em 2008.

Eis, finalmente, a lista definitiva de Os Dez Melhores Livros de 2008 (por ordem de preferência):

  1. Robert Musil, O homem sem qualidades, vols. I e II, Dom Quixote (Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942);
  2. José Donoso, Casa de Campo, Cavalo de Ferro (Casa de Campo, 1978);
  3. Julio Cortázar, O Jogo do Mundo (Rayuela), Cavalo de Ferro (Rayuela, 1963);
  4. Herberto Helder, A faca não corta o fogo, Assírio & Alvim (2008);
  5. Gustave Flaubert, A Educação Sentimental, Relógio D'Água (L’Éducation sentimentale, histoire d’un jeune homme, 1868);
  6. Per Petterson, Cavalos Roubados, Casa das Letras (Ut og stjæle hester, 2003);
  7. Virginia Woolf, Rumo ao Farol, Relógio D'Água (To the Lighthouse, 1927);
  8. Maria Velho da Costa , Myra, Assírio & Alvim (2008);
  9. Knut Hamsun, Fome, Cavalo de Ferro (Sult, 1890);
  10. George Steiner, Os livros que não escrevi, Gradiva (My Unwritten Books, 2008).

Restantes 11 livros com classificação máxima (por ordem alfabética do autor), separados em dois grupos. O primeiro grupo integra as obras que potencialmente poderiam ter sido introduzidas, por substituição, na lista dos “Dez Melhores”:

1.º grupo

  • A. S. Byatt, Possessão, Sextante (Possession, 1990);
  • John Updike, Regressa, Coelho, Civilização (Rabbit Redux, 1971);
  • Mikhail Bulgakov, Coração de Cão, Nova Vega (Sobac’e Serdce, 1925);
  • Philip Roth, Património, Dom Quixote (Patrimony: A True Story, 1991);
  • Rawi Hage, Como a Raiva ao Vento, Civilização (De Niro's Game, 2006).

2.º grupo

  • Albert Sánchez Piñol, Pandora no Congo, Teorema (Pandora al Congo, 2003);
  • João Tordo, As Três Vidas, QuidNovi (2008);
  • Louis-Ferdinand Céline, Castelos Perigosos, Ulisseia (D’un château l'autre, 1957);
  • Mikhail Lérmontov, O Herói do Nosso Tempo, Relógio D'Água (Guerói náchevo vrémeni, 1840);
  • Paul Auster, Mr. Vertigo, Asa (Mr. Vertigo, 1994);
  • Robert Musil, A portuguesa e outras novelas, Dom Quixote (Zwei Erzählungen / Drei Frauen, 1911/1924).

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E assim começa, com uma espécie de introdução que se estende por 19 capítulos, a odisseia de Ulrich pelos meandros e teias da aristocracia do Império Austro-húngaro.
Uma descrição astronómico-meteorológica1. Um caso do qual, curiosamente nada resulta:

«Uma zona de baixas pressões sobre o Atlântico deslocava-se para leste, em direcção a um anticiclone situado sobre a Rússia; não denunciava ainda qualquer tendência para o evitar, e dirigia-se para norte. Os isotermos e os isóteros cumpriam as suas obrigações. A temperatura do ar mostrava uma relação normal com a temperatura média anual, com as dos meses mais frio e mais quente e com a oscilação mensal aperiódica. O nascer e o pôr do Sol e da Lua, as fases desta última, de Vénus, dos anéis de Saturno e muitos outros fenómenos significativos correspondiam às previsões dos anuários da astronomia. O vapor de água no ar tinha atingido a sua tensão máxima e a humidade relativa era fraca. Para usar uma expressão que, apesar de um tanto antiquada, serve na perfeição para dar a realidade dos factos: era um belo dia de Agosto do ano de 1913.»
Robert Musil, O homem sem qualidades, p. 31
[Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Março de 2008, vol. I, 843 pp.; tradução de João Barrento; obra original: Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942.]

3 comentários:

Sorvete de Framboesas disse...

Epa, eu li só um dos que mencionas! :(

André Moura e Cunha disse...

E qual foi?

El-Gee disse...

acho optimo haver alguem que se de ao trabalho de fazer uma lista destas. É bom haver opinioes como a sua, informadas e apaixonadas.

Porem, acharia muito mais interessante se a sua lista fosse de "livros que li este ano" e nao de "livros que li este ano e que foram publicados em Portugal neste ano"

Por outras palavras, acho que o Universo em questao é irrelevante - se está a incluir na lista livros que foram escritos ha muitos anos (embora so agora editados em Portugal), mais valia ignorar se sao ou nao editados em Portugal em determinado ano, e fazer uma lista baseada apenas nos livros que leu, tenham eles sido editados em Portugal quando tiverem. Acho que esse Universo seria muito mais interessante.

O Universo "livros editados em portugal em determinado ano" é, a meu ver, irrelevante. Proporciona excelentes amostras, sem duvida, e o seu lote é soberbo, mas é um Universo conceptualmente irrelevante. Limita, sem nada acrescentar.

Mas, voltando ao que importa: obrigado por se dar ao trabalho de tao magnifico post.