O argumento pertence a Russell Gewirtz, o mesmo que escreveu o guião para um dos melhores filmes de 2006 Infiltrado (Inside Man) realizado por Spike Lee.
No topo dois actores: Robert De Niro e Al Pacino.
Abstenho-me de enumerar o conjunto de filmes em que ambos os actores proporcionaram momentos de puro deleite cinematográfico a uma geração que cresceu nos anos 70 e aprendeu a endeusá-los nas duas décadas seguintes. Há muitos e bons exemplos de inexcedíveis interpretações, dirigidas por entronizados mestres da 7.ª arte.
Pode-se admirar apenas um deles, ou gostar mais de um – eu, intimamente, coloco num patamar superior, o meu De Niro – apesar de se elevar à condição de ídolo o outro, são gostos, discutíveis e incensuráveis; concedo que, por mais que se tente negar, existe sempre uma plêiade de motivos e argumentos que poderão ser evocados para colocar um à frente do outro, reconheço e dá uma interessante tertúlia rememorativa, de tabaco e álcool à volta de uma mesa de entendidos e admiradores. Mas o século XXI conduziu-os ao abismo do dinheiro fácil, da interpretação quase abúlica, mas lucrativa, que não pede sacrifícios (ou não lhes souberam/quiseram pedir), estudo aturado dos personagens, análise do enquadramento do seu papel num todo complexo que forma a obra de arte.
Porém, para ser rigoroso, não fui ver A Dupla Face da Lei, quis apenas assistir à interpretação da dupla que povoa a secção dourada do meu imaginário de cinéfilo. E se deixarmos de lado a segunda parte de O Padrinho de Coppola, em que ambos, por mais que encantem com as suas interpretações – como assevero que encantaram –, não contracenam, dada a impossibilidade cronológica da trama – De Niro representa o jovem D. Vito Corleone acabado de chegar à América, e Pacino é Michael, o filho mais novo do primeiro que apenas surge de fraldas nas analepses, dando os seus primeiros passos por Little Italy –, apenas sobra o portentoso Cidade Sob Pressão (Heat, 1995), soberbamente dirigido por um dos meus realizadores favoritos, Michael Mann (e com argumento do próprio).
Mann é um exímio gestor de actores e das suas representações. Não me recordo – e não fora a preguiça, poderia rapidamente verificar a inviolabilidade da inabalável asserção – da direcção de uma parelha masculina de célebres actores mal conseguida ou desajustada no grande ecrã – recordo-me, por exemplo e para não recuar mais no tempo, de Farrell e Foxx em Miami Vice (2006), ou do mesmo Foxx e Cruise no filme, bem demonstrativo do paradigma manniano, Colateral (2004).
Como falar sobre o subproduto cinematográfico que acabei de assistir, seria como teorizar sobre um conjunto de inanidades e de lugares-comuns travestidos de arte, deixo aqui ficar, para a posteridade, uma das mais deliciosas contracenas da história do cinema americano. Em Cidade sob Pressão (Heat), o tenente da polícia Vincent Hanna (Al Pacino) janta com a sua Nemésis o assaltante e homicida Neil McCauley (Robert De Niro). Eis uma passagem do longo diálogo (dura cerca de seis minutos) à mesa de um restaurante em Beverly Hills:
«Vincent Hanna: A minha vida? Não, a minha vida... A minha vida é uma catástrofe. Tenho uma enteada completamente desvairada porque o pai dela é uma besta em larga escala. Tenho uma mulher, atravessamos ambos a curva descendente do casamento – o meu terceiro –, porque passo o tempo todo a perseguir tipos como tu. É esta a minha vida.
Neil McCauley: Uma vez um tipo disse-me que não me agarrasse a nada que não pudesse largar em trinta segundos se pressentisse a tensão* ao virar da esquina. Agora, se você quer prender-me e não me pode largar, como espera conseguir manter um casamento?» [tradução: AMC]
*N.T. – a expressão usada é “feel the heat”; “heat” tanto pode ser genericamente designado por tensão (no contexto em causa, de permanente fuga), como, em termos restritos, no jargão usado entre criminosos, pode simplesmente designar a “polícia” na sua azáfama persecutória.
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