sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Rumo

«Há uma fase na vida em que esta abranda de forma nítida, como se hesitasse entre continuar ou alterar o seu rumo. É possível que nesta fase seja mais fácil o azar vir ao nosso encontro.»
Robert Musil, “Grigia”, in A portuguesa e outras novelas, pág. 11.

[Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Setembro de 2008, 230 pp. (novela: pp. 11-40); tradução de Maria Antónia Amarante; obra original (reunião de duas obras): Zwei Erzählungen, 1911; Drei Frauen, 1924.]

O abrandamento é o próprio prenúncio, seja ele imposto ou auto-induzido, de que o azar virá, travestido de mudança, ataviado de promessas, mesmo que exista a sensação de continuidade do rumo, obstinada e integramente, traçado num passado mais ou menos recente.
Há um desvio, na maioria das vezes imperceptível numa análise ex post facto, e indetectável no aqui e agora. Não, nunca mais. Já não iremos calcorrear as mesmas pedras ou saltar os mesmos obstáculos.
Porém, o azar é apenas desresponsabilização: se melancolia, é um vício que se vai alimentando de autojustificações até à inacção pulverizadora daqueles que nos amam; se infelicidade, é um grito surdo de desespero, uma súplica dilacerante para o alijamento final para não os magoar.

Caeteris paribus: a melancolia é uma variante do egoísmo que se desenvolve até ao estádio máximo da ruína ou da destruição, caminha por fim como uma alma penada de eremitério em eremitério, cristalizada no tempo; a infelicidade, ao invés, é a própria ruína, procura rapidamente um acto de altruísmo, sem qualquer tipo de dissimulação, para que o tempo apague os despojos dessa destruição.

É fácil ser-se feliz na melancolia, mas é um contra-senso ser-se melancólico na infelicidade.

4 comentários:

bloguista disse...

OFF-TOPIC
Estás convidado a visitar e a participar: Os Novos Capitalistas.

Você me dá autorização para republicar lá um texto sobre um livro de Louis Kelso e Mortimer Adler, The Capitalist Manifesto, de um finado seu blog (citando teu nome, claro, e linkando pra cá)?

André Moura e Cunha disse...

Claro que dou autorização. Suponho que te referes a este texto que agora já faz parte deste blogue, através de um mecanismo de fusão que a Blogger finalmente facilitou aos utilizadores.
Vou dar uma espreitadela ao V. blogue.
Obrigado pelo convite.
Um abraço,
André

bloguista disse...

Não, André, é outro, de 25 de março de 2006, mas esse está bom também. Gostaria de republicar lá os dois. Hoje já sai o que você já autorizou.

Abraços

P.S.: já viu o vídeo que estou linkando no meu perfil? É Mortimer Adler falando sobre o assunto de The Capitalist Manifesto. Atualíssimo.

André Moura e Cunha disse...

OK. Por mim tudo bem. O texto está agora aqui depois da tal fusão entre os meus 3 blogues.
Um abraço,

André