Quando em 1984 surge a dupla Joel e Ethan Coen com o seu primeiro trabalho, um filme negro série B, Sangue por Sangue (Blood Simple), as portas da selectiva – particularidade que se rege por critérios que não interessa aqui e agora explorar – indústria de Hollywood foram-lhe franqueadas, por via da aclamação unânime gerada no circuito cinematográfico independente. Os Óscares, antecedidos, decerto, pela brisa marítima que perambula pela passadeira vermelha da emproada Cannes seria apenas uma questão de tempo.
E assim foi, de lá para cá, a chancela “Irmãos Coen” juntou-se ao exclusivíssimo conjunto de fazedores de cinema americano cuja crítica, e produtos derivados, trata com alguma complacência, nalgumas vezes merecida. Na realidade, houve fortes razões para isso, na minha discutibilíssima opinião, Fargo (1996) e O Grande Lebowski (The Big Lebowski, 1998) por si só mereceriam o Olimpo e a chama eterna da memória cinematográfica. Para trás tinham ficado os aceitáveis Arizona Júnior (Raising Arizona, 1987), História de Gangsters (Miller's Crossing, 1990) e Barton Fink (1991), para além do anódino O Grande Salto (The Hudsucker Proxy, 1994).
Mas, 2000 foi a marca indelével para o início do desencanto, o ano em que surgiu o paupérrimo Irmão, Onde Estás? (O Brother, Where Art Thou?) com início do abuso da utilização da compassiva e celebrada estrela ascensional George Clooney e o recrutamento da irritante e histriónica Holly Hunter – aqueles que me conhecem, já sabem da minha qualificação apriorística de sofrível a qualquer película em que figure, mesmo que de forma fugaz, a enervante meia-leca georgiana; está acima da minha vontade, fazendo tinir as campainhas de alarme pela entrada na zona restrita da minha psique denominada por “ódios de estimação”.
Seguiu-se-lhe um trio indesculpável – onde O Barbeiro (The Man Who Wasn't There, 2001) se distingue dos demais por vestígios de alguma qualidade – que precedeu o euromilhões cinematográfico, em grande parte proporcionado pelo brilhante enredo de um dos melhores escritores norte-americanos da actualidade, Cormac McCarthy.
O livro de McCarthy, como por aqui fui referindo amiúde, é uma pequena obra-prima, e exigiria cautelas na sua adaptação cinematográfica. Todavia, os manos Coen conseguiram-no, apesar de, pelo caminho, se haver perdido alguma de massa encefálica (que até pode ser literal) do cérebro literário do romance, aparando-lhe alguma da frondosidade moral elucubrada por McCarthy, sem contudo danificar a raiz – mas esses são os tais graus de liberdade que deverá gozar a adaptação de uma obra literária consagrada ao cinema, sob pena da textualidade arruinar as necessárias ductilidade e comunicabilidade entre artes.
Este País Não É para Velhos (No Country for Old Men, 2007) vence 4 Óscares (incluindo o de Melhor Filme), 3 BAFTA e 2 Globos de Ouro, para além de mais umas oito dezenas de prémios e galardões cinematográficos – apenas falhou, entre os grandes, a Palma de Ouro de Cannes, para a qual estava também nomeado.
Os Coen rejubilam, recolhem os louros e prosseguem na tarefa de inscrição de títulos nas suas ainda não muito extensas filmografias.
Menos de um ano depois da estreia comercial do filme de todos os sucessos, os manos voltam a atacar, regressando aos domínios da comédia, com o filme Destruir Depois de Ler (Burn After Reading, 2008) e com um elenco de luxo – expediente muito em voga, que o diga Soderbergh, talvez para disfarçar algum sentido desconforto artístico perante a obra forjada: John Malkovich, Frances McDormand, Clooney, Brad Pitt e Tilda Swinton – esta última acabadinha de ganhar, desmerecidamente, o Óscar para Melhor Actriz Secundária pelo seu banalíssimo papel em Michael Clayton (2007) de Tony Gilroy.
Destruir Depois de Ler é tipicamente um filme produto de dois fenómenos que costumam ocorrer quase em simultâneo em Hollywood após um grande sucesso: uma clamorosa ressaca vitoriosa e uma desmesurada insuflação do ego. Regra que se confirma não só com a realização mas com este desastroso regresso dos irmãos Coen ao argumento original: uma completa nulidade, confuso e desgarrado. Este País Não É para Velhos foi o livre-trânsito para este desastre, para esta imbecilidade fílmica, e estou certo de que a dupla se deve ter apercebido da manifestação de alguns sintomas eminentemente suicidários por negligência e de puro menosprezo por aqueles que se interessam pela manifestações artísticas da 7.ª arte. Nem se trata sequer de um exercício para invocar algum experimentalismo cénico, e com isso obter alguma condescendência. Já foi feito, e este é um acto falhado.
Nas interpretações, Brad Pitt está magnifico na personificação do típico bronco dos ginásios que inunda as nossas sociedades cultoras do físico a qualquer preço – consegue enroupar-se de todos os tiques do típico troll urbano que enxameia aqueles espaços bafientos com o seu adocicado perfume sudorífero. McDormand não sabe interpretar mal. Malkovich é prejudicado por um personagem oco num enredo sem nexo, fazendo com que o simples acto de assistir à sua performance se torne, de certa forma, num exercício confrangedor e masoquista, principalmente quando se é um admirador confesso do actor. Swinton está bem, e não mais do que isso, num papel que condiz com a sua cara de falsa pudica. Clooney está igual a si próprio, um pateta consumado.
O filme é uma sucessão de gags, quase todos sem o mínimo vestígio de graça e que jamais se unem num todo harmonioso e consistente. É um delírio fílmico arrevesado que nada tem de artístico no sentido lynchiano do termo, ou neste caso, pela índole que se lhe quis atribuir, no sentido gilliamiano de cinema.
Destruir Depois de Ler é um descarado assalto à mão armada para os admiradores do dueto fraterno e um roubo por esticão para todos aqueles que o meteram nos seus frágeis corações depois do seu último sucesso. E até me dou ao luxo de prescindir das metáforas anteriores, verbalizando alguma da minha pretendida violência classificativa: é um filme intelectual e literalmente desonesto.
Atrevo-me a finalizar com uma das frases do argumento, proferida por Chad Feldheimer (Pitt), que, pela pertinência, poderá ter servido de mote na concepção deste subproduto cinematográfico:
«As soon as you give us the money, dickwad!»
E assim foi, de lá para cá, a chancela “Irmãos Coen” juntou-se ao exclusivíssimo conjunto de fazedores de cinema americano cuja crítica, e produtos derivados, trata com alguma complacência, nalgumas vezes merecida. Na realidade, houve fortes razões para isso, na minha discutibilíssima opinião, Fargo (1996) e O Grande Lebowski (The Big Lebowski, 1998) por si só mereceriam o Olimpo e a chama eterna da memória cinematográfica. Para trás tinham ficado os aceitáveis Arizona Júnior (Raising Arizona, 1987), História de Gangsters (Miller's Crossing, 1990) e Barton Fink (1991), para além do anódino O Grande Salto (The Hudsucker Proxy, 1994).
Mas, 2000 foi a marca indelével para o início do desencanto, o ano em que surgiu o paupérrimo Irmão, Onde Estás? (O Brother, Where Art Thou?) com início do abuso da utilização da compassiva e celebrada estrela ascensional George Clooney e o recrutamento da irritante e histriónica Holly Hunter – aqueles que me conhecem, já sabem da minha qualificação apriorística de sofrível a qualquer película em que figure, mesmo que de forma fugaz, a enervante meia-leca georgiana; está acima da minha vontade, fazendo tinir as campainhas de alarme pela entrada na zona restrita da minha psique denominada por “ódios de estimação”.
Seguiu-se-lhe um trio indesculpável – onde O Barbeiro (The Man Who Wasn't There, 2001) se distingue dos demais por vestígios de alguma qualidade – que precedeu o euromilhões cinematográfico, em grande parte proporcionado pelo brilhante enredo de um dos melhores escritores norte-americanos da actualidade, Cormac McCarthy.
O livro de McCarthy, como por aqui fui referindo amiúde, é uma pequena obra-prima, e exigiria cautelas na sua adaptação cinematográfica. Todavia, os manos Coen conseguiram-no, apesar de, pelo caminho, se haver perdido alguma de massa encefálica (que até pode ser literal) do cérebro literário do romance, aparando-lhe alguma da frondosidade moral elucubrada por McCarthy, sem contudo danificar a raiz – mas esses são os tais graus de liberdade que deverá gozar a adaptação de uma obra literária consagrada ao cinema, sob pena da textualidade arruinar as necessárias ductilidade e comunicabilidade entre artes.
Este País Não É para Velhos (No Country for Old Men, 2007) vence 4 Óscares (incluindo o de Melhor Filme), 3 BAFTA e 2 Globos de Ouro, para além de mais umas oito dezenas de prémios e galardões cinematográficos – apenas falhou, entre os grandes, a Palma de Ouro de Cannes, para a qual estava também nomeado.
Os Coen rejubilam, recolhem os louros e prosseguem na tarefa de inscrição de títulos nas suas ainda não muito extensas filmografias.
Menos de um ano depois da estreia comercial do filme de todos os sucessos, os manos voltam a atacar, regressando aos domínios da comédia, com o filme Destruir Depois de Ler (Burn After Reading, 2008) e com um elenco de luxo – expediente muito em voga, que o diga Soderbergh, talvez para disfarçar algum sentido desconforto artístico perante a obra forjada: John Malkovich, Frances McDormand, Clooney, Brad Pitt e Tilda Swinton – esta última acabadinha de ganhar, desmerecidamente, o Óscar para Melhor Actriz Secundária pelo seu banalíssimo papel em Michael Clayton (2007) de Tony Gilroy.
Destruir Depois de Ler é tipicamente um filme produto de dois fenómenos que costumam ocorrer quase em simultâneo em Hollywood após um grande sucesso: uma clamorosa ressaca vitoriosa e uma desmesurada insuflação do ego. Regra que se confirma não só com a realização mas com este desastroso regresso dos irmãos Coen ao argumento original: uma completa nulidade, confuso e desgarrado. Este País Não É para Velhos foi o livre-trânsito para este desastre, para esta imbecilidade fílmica, e estou certo de que a dupla se deve ter apercebido da manifestação de alguns sintomas eminentemente suicidários por negligência e de puro menosprezo por aqueles que se interessam pela manifestações artísticas da 7.ª arte. Nem se trata sequer de um exercício para invocar algum experimentalismo cénico, e com isso obter alguma condescendência. Já foi feito, e este é um acto falhado.
Nas interpretações, Brad Pitt está magnifico na personificação do típico bronco dos ginásios que inunda as nossas sociedades cultoras do físico a qualquer preço – consegue enroupar-se de todos os tiques do típico troll urbano que enxameia aqueles espaços bafientos com o seu adocicado perfume sudorífero. McDormand não sabe interpretar mal. Malkovich é prejudicado por um personagem oco num enredo sem nexo, fazendo com que o simples acto de assistir à sua performance se torne, de certa forma, num exercício confrangedor e masoquista, principalmente quando se é um admirador confesso do actor. Swinton está bem, e não mais do que isso, num papel que condiz com a sua cara de falsa pudica. Clooney está igual a si próprio, um pateta consumado.
O filme é uma sucessão de gags, quase todos sem o mínimo vestígio de graça e que jamais se unem num todo harmonioso e consistente. É um delírio fílmico arrevesado que nada tem de artístico no sentido lynchiano do termo, ou neste caso, pela índole que se lhe quis atribuir, no sentido gilliamiano de cinema.
Destruir Depois de Ler é um descarado assalto à mão armada para os admiradores do dueto fraterno e um roubo por esticão para todos aqueles que o meteram nos seus frágeis corações depois do seu último sucesso. E até me dou ao luxo de prescindir das metáforas anteriores, verbalizando alguma da minha pretendida violência classificativa: é um filme intelectual e literalmente desonesto.
Atrevo-me a finalizar com uma das frases do argumento, proferida por Chad Feldheimer (Pitt), que, pela pertinência, poderá ter servido de mote na concepção deste subproduto cinematográfico:
«As soon as you give us the money, dickwad!»
2 comentários:
até que enfim alguém diz isto.
eu até acho que a ideia do filme tem piada. apesar da falta de originalidade do argumento, tem piada enquanto "espírito" (não me sai palavra melhor) geral do filme. mas a sucessão de gags sofríveis (não me lembro de ter rido, mas o problema pode ser meu que não sou de riso fácil) deita por terra uma possível comédia brilhante. não sei se a ressaca ao óscar justificará tudo, mas aquilo não se faz ao malkovich, que até prometia mais nas primeiras cenas. o brad pitt, apesar do tróia, é mesmo bom.
o que mais impressionante é: estes gajos fizeram o big lebowsky, pá. como é que agora (me) fazem isto?!
e assim perdi a vontade de ver o no country for old men, que estava até agora no topo da lista dos "vergonhosamente deixados passar".
um abraço.
É verdade, meu caro João.
Mas tens de ver o Este País Não É para Velhos, o raio do filme é mesmo bom.
Um abraço,
André
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