quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A escolha dos livreiros

Por vezes no afã de criticar duramente as coisas que diante dos nossos olhos vão mal no nosso país, numa espécie de umbiguismo quase autista, esquecemo-nos de reparar naquilo que, potencialmente, será criticável noutros países, até nos geograficamente próximos, mesmo com níveis de desenvolvimento e de literacia superiores aos nossos.
Enquanto consultava a página da Internet da revista francesa Le Magazine Littéraire, saltou-me à vista, seguindo os meus instintos de listómano – e para além do apelativo dossier mensal, que desta feita versa sobre o marxismo e o inusitado ressurgimento comercial dos livros do barbudo alemão no mercado literário francês, provavelmente correlacionável com o ambiente económico-financeiro onde predomina um sentimento cataclísmico –, mas dizia, instigou-me uma lista de livros que será elaborada mensalmente, em colaboração com os responsáveis do sítio Le choix des libraires – os ideólogos da referida lista –, sobre as preferências dos livreiros no mercado editorial francês.
Na lista dos 20+ deste mês, um pouco chauvinista… ou melhor francesa – arrisco, porventura, são adjectivos intermutáveis –, para além de figurarem os nomes do inglês de Birmingham David Lodge, da irlandesa Nuala O’Faolain, da australiana Julia Leigh e do afegão Atiq Rahimi, com os seus mais recentes romances – ainda inéditos em Portugal –, todos os outros são franceses ou francófonos, não se incluindo, como é óbvio, o primeiro da lista – top of the list, king of the hill, a number one... perdoem-me a sinatrada – um dos melhores escritores britânicos da actualidade, Ian McEwan.
É verdade, McEwan surge no topo das preferências dos 113 livreiros franceses consultados, com o seu novo romance Sur la plage de Chesil, editado pela insigne Gallimard em meados de Setembro.
Só para recordar, o romance Na Praia de Chesil (On Chesil Beach, 2007), editado em Portugal pela Gradiva, teve, honra lhe seja feita, estreia mundial simultânea no Reino Unido e em Portugal, algures pelo mês de Abril do ano passado. A edição francesa demorou quase um ano e meio – toma lá esta! [as minhas desculpas, este blogue vai de mal a pior.]
Esquecendo todos os outros factores como o da primazia na edição para os autores de língua francesa ou o da francofilia cega, em conformidade com uma razoável anglofobia, por esta amostra a edição literária em Portugal recomenda-se e respira saúde…
Bom, mas não nos entusiasmemos…
Ainda na dita lista de preferências, figura na 18.ª posição o mais recente romance do escritor francês, natural de Le Mans, François Vallejo (n. 1960), L’Incendie du Chiado, história, como o título indica, tem por base o fatal dia 25 de Agosto de 1988 em Lisboa. Ainda assim, a obra não tem edição marcada em Portugal.

Trata-se, uma vez mais, da consagração do velho adágio (em versão pós-moderna): Quem com ferros mata, não atira pedras ao vizinho.

2 comentários:

filipe canas disse...

Este blog é maravilhoso.

E muito bem escrito.

Parabéns.

André Moura e Cunha disse...

Caro Filipe,
Speechless. Os elogios deixam-me assim, e como a sensação de desmerecimento...
Obrigado.
Um abraço,
André