quarta-feira, 31 de maio de 2006

Fiat Lux #5: Leviathan

Intróito
Durante algum tempo, quando num processo meramente introspectivo analisava o prazer da leitura dos livros de Auster, Leviathan – livro dedicado a Don DeLillo, que acabara de publicar o seu extraordinário romance, de 1991, «Mao II», que para quem já o leu perceberá as semelhanças – foi o meu romance preferido do autor. Pela pertinência, pelo cenário, pelas densidade e complexidade dos personagens e pelo estilo da narrativa diferente de todos os romances anteriormente lidos. O acaso está presente, porém de uma forma subliminar, sob a forma da aleatoriedade e da volatilidade comportamental que, actualmente, marcam as relações humanas nas sociedades ocidentais. Longe do tal contrato social preconizado por Hobbes, retrata a sociedade americana alheada num estado de ebulição latente à espera que, de um momento para o outro, uma simples faísca acenda um rastilho que inexoravelmente fará eclodir a loucura intrínseca de um todo sem valores, crenças e referências morais.

«Há seis dias, um homem foi morto por uma explosão na berma de uma estrada algures no norte do Wisconsin. Não houve testemunhas, mas tudo indica que estava sentado no chão, junto ao seu carro, quando a bomba que estava a montar explodiu acidentalmente. Segundo o relatório médico-legal que acaba de ser divulgado, o homem teve morte instantânea. O corpo voou em dezenas de pedaços, de tal modo que foram encontrados bocados do cadáver a quinze metros do local da explosão. Até hoje (4 de Julho de 1990), ninguém parece ter a menor ideia de quem era o morto. O FBI (…)

Quanto a mim, quanto mais tempo demorarem [na investigação da identidade do cadáver], melhor. A história que me sinto obrigado a contar é particularmente complicada, e, se não chegar ao fim antes de eles apresentarem a sua solução para este mistério as palavras que vou escrever não terão o menor significado.»
Paul Auster, em Leviathan, Asa, 1.ª Edição, Outubro de 2003, pp. 9-10
[Tradução de José Vieira de Lima] (Leviathan, 1992)

Fiat Lux #4: A Música do Acaso

Intróito
Este romance foi adaptado ao cinema por Philip Haas no filme homónimo de 1993, com interpretações de James Spader, Mandy Patinkin, Charles Durning e Joel Grey.
Quando uma vez fiz aqui neste blogue um mero exercício classificativo dos romances de Auster, atendendo a critérios de puro gozo pessoal nas suas leitura e rememoração, coloquei A trilogia de Nova Iorque em 1.º lugar. Todavia uma dúvida apoderou-se de mim: A Música do Acaso mereceria, por certo, essa classificação para ser honesto comigo próprio; no entanto como havia estipulado o não ex-aequo, deixei o mais aplaudido para o lugar cimeiro. Critérios!

«Durante um ano inteiro não fez outra coisa senão conduzir, viajando sem destino pela América enquanto esperava que o dinheiro acabasse. Nunca lhe ocorrera que aquela história lhe pudesse prolongar-se por tanto tempo, mas uma coisa levava constantemente a outra e, quando compreendeu o que lhe estava a acontecer, Nashe já tinha passado o ponto em que queria que aquilo acabasse. Ao terceiro dia do décimo terceiro mês, conheceu o rapaz que dava pela alcunha de Jackpot. Foi um acaso, um daqueles encontros fortuitos que parecem materializar-se a partir do nada – um galho que se quebra com o vento e que, de súbito, aterra aos nossos pés. Se tivesse acontecido noutro momento qualquer, é duvidoso que Nashe tivesse sequer aberto a boca. Mas como já tinha desistido, como julgava que já não tinha nada a perder, viu aquele desconhecido como um adiamento da pena, como uma última hipótese de fazer qualquer coisa por si mesmo antes que fosse demasiado tarde. E, sem mais nem menos, foi em frente e fez o que fez. Sem o menor arrepio de medo, Nashe fechou os olhos e saltou.»
Paul Auster, em A Música do Acaso, Asa, 1.ª edição, Abril de 2005, pág. 5
[Traduzido por José Vieira de Lima] (The Music of Chance, 1990)

Fiat Lux #3: Palácio da Lua

Intróito
Uma das obras mais dilacerantes de Auster. Conta as desventuras e as atribulações de um jovem cuja indelével linha da sua existência se afasta, pela inércia de um perene estado de desalento, do rumo que à partida fora esboçado e que se inicia na Columbia University. Chama-se Marco Stanley Fogg, nome que lhe marca um destino de peregrinação. Marco como Marco Polo, o primeiro europeu a chegar à China; Stanley como o famoso explorador americano de origem galesa Henry Morton Stanley que parte em busca do Dr. Livingstone e o encontra no coração de África; e Fogg do personagem aventureiro Phileas Fogg criado por Júlio Verne em A Volta ao Mundo em 80 Dias.

«Foi no Verão em que os homens pisaram a Lua pela primeira vez. Eu era muito novo nessa altura, mas não acreditava que, na verdade, houvesse futuro. Queria ir o mais longe possível, viver perigosamente e, quando lá chegasse, ver o que acontecia. Como veio a verificar-se, quase não cheguei lá. A pouco e pouco vi o meu dinheiro desaparecer, até não ficar nenhum; fiquei sem o apartamento; acabei a viver na rua. Se não fosse uma miúda chamada Kitty Wu, talvez tivesse mesmo morrido de fome. Tinha-a conhecido por acaso, pouco antes, mas acabei por encarar essa oportunidade como uma manifestação de boa vontade, um modo de me salvar através da vontade dos outros. Isso foi a primeira parte. Depois trabalhei para o homem da cadeira de rodas. Descobri quem era o meu pai. Atravessei o deserto a pé, desde Utah até à Califórnia. Foi tudo há imenso tempo, é claro. Mas lembro-me sempre muito bem desses tempos. Considero-os o começo da minha vida.»
Paul Auster, em Palácio da Lua, Presença, 3.ª Edição, Agosto de 2000, pág. 11
[Tradução de Rui Wahnon] (Moon Palace, 1989)

Fiat Lux #2: A Trilogia de Nova Iorque

Intróito
Na minha modesta opinião é a obra-prima de Auster, e desde logo com o seu primeiro romance que resulta da compilação de três histórias que falam de Nova Iorque, que dela vivem e que só nela poderiam ocorrer.
É a génese (faça-se a luz) do efabulador e analista do acaso, que é transversal a toda a sua vasta obra.

«Foi uma chamada para o número errado que despoletou tudo, o telefone a tocar três vezes no silêncio da noite, e a voz do outro lado da linha a perguntar por alguém que não era ele. Muito mais tarde, quando foi capaz de pensar nas coisas que lhe aconteceram, concluiria que nada era real excepto o acaso. Mas isso foi muito mais tarde. No início, houve apenas o acontecimento e as suas consequências. Não se trata de uma questão de tudo poder ter acontecido de um modo diferente, ou de tudo estar predestinado desde a primeira palavra proferida pela boca do interlocutor desconhecido. A questão é a história propriamente dita; e se tem ou não algum significado, não é à história que compete revelar isso.»
Paul Auster, “Cidade de Vidro”, em A Trilogia de Nova Iorque, Asa, 3.ª Edição, Outubro de 2000, pág. 9
[Tradução de Alberto Gomes] (City of Glass, 1985; The New York Trilogy, 1987)

«Antes do mais há o Blue. Mais tarde virá o White, depois o Black, e antes de começar há o Brown. Brown domou-o, ensinou-lhe o ofício, e quando Brown envelheceu, Blue substituiu-o. É assim que começa. Passa-se em Nova Iorque, nos tempos presentes, e nenhum destes aspectos alguma vez mudará. Blue vai todos os dias para o seu escritório e senta-se à sua secretária, à espera que aconteça alguma coisa. Durante muito tempo nada acontece, mas depois um homem chamado White entra pela porta, e é assim que tudo começa.»
Paul Auster, “Fantasmas”, idem, pág. 141
Idem (Ghosts, 1986; The New York Trilogy, 1987)

«Parece-me agora que Fanshawe esteve sempre lá. Ele é o sítio onde tudo começa para mim, e sem ele dificilmente saberia quem sou. Conhecemo-nos antes de sabermos falar, bebés a gatinhar de fraldas pela relva, e quando tínhamos sete anos de idade já havíamos picado os dedos com um alfinete para nos tornarmos irmãos de sangue para toda a vida. Sempre que penso na minha infância, vejo Fanshawe. Era aquele que estava comigo, aquele que compartilhava dos meus pensamentos, aquele que eu via sempre que levantava os olhos de mim.»
Paul Auster, “O Quarto Fechado”, idem, pág. 201
Idem (The Locked Room, 1986; The New York Trilogy, 1987)

Fiat Lux #1: Inventar a Solidão

Intróito
Inventar a Solidão, é uma obra autobiográfica constituída por duas partes distintas, porém complementares: na primeira parte, “Retrato de um homem invisível”, fala-nos da morte do pai, partindo para a descoberta da história do início da aventura americana da sua família judaica, onde descobre a ocorrência de um estranho crime... Na segunda parte, “O Livro da Memória”, fala-nos da sua peregrinação pelo mundo das letras, da própria origem da sua linguagem e da sua solidão de escritor. É um ensaio sobre a arte de escrever em que o eu e a envolvente jamais se separam do produto final. Auster parte de Lícofron de Cálcis – que inspira o título da obra – a Pascal ou Hölderlin, de Freud a Duke Ellington, Proust, Rimbaud, colloni, kierkegaard leibniz, etc.

«Um dia há vida. Um homem, por exemplo, de perfeita saúde, nem sequer velho, nenhuma história de doenças. Tudo está como sempre esteve, como sempre estará. Ele passa de um dia ao outro, não se ocupa de outra coisa senão dos seus assuntos, sonha apenas com a vida que tem à sua frente. E então, de súbito, acontece que há morte. Um homem solta um pequeno suspiro, afunda-se na sua cadeira, e é a morte. O Carácter súbito desse facto não deixa o menor espaço ao pensamento, não dá à mente a menor hipótese de procurar uma palavra capaz de a confortar. A única coisa com que ficamos é a morte, o irredutível facto da nossa própria mortalidade»
Paul Auster, “Retrato de um homem invisível”, em Inventar a Solidão, Asa, 2.ª Edição, Julho de 2004, pág. 11
[Tradução João Vieira de Lima] (The invention of sollitude, 1982)

«Põe uma folha em branco na mesa à sua frente e escreve estas palavras com a sua caneta. Foi. Nunca mais voltará a ser.
Mais tarde, nesse mesmo dia, volta ao quarto. Pega noutra folha e põe-la na mesa à sua frente. Escreve até encher de palavras toda a página. Mais tarde, quando relê aquilo que escreveu, tem dificuldade em decifrar as palavras. Aquelas que consegue compreender não parecem dizer aquilo que ele pensava que estava a dizer. Depois, sai para jantar.»
Paul Auster, “O Livro da Memória”, idem, pág. 87
Idem

Fiat Lux: Auster

Durante este dia far-se-á luz sobre as primeiras palavras das obras do escritor norte-americano Paul Auster.
Tudo isto a propósito da atribuição do
Prémio Príncipe das Astúrias das Letras 2006.

Então, «Faça-se a luz» e ela irá ser feita.

Em memória dele próprio…

Auster

«Em memória de mim mesmo

Tão-somente ter cessado.

Como se eu pudesse começar
onde cessou a minha voz, eu mesmo
o som de uma palavra

que não consigo articular.

Tanto silêncio
para trazer à vida
nesta carne apreensiva, o ribombar
do tambor das palavras
na interioridade, tantas palavras

perdidas na amplitude do meu mundo
interior, e assim ter sabido
que apesar de mim

eu estou aqui

Como se fosse isto o mundo.»

Paul Auster, in Poemas Escolhidos, Quasi, 1.ª Edição, Novembro de 2002, pág. 116
[Tradução de Rui Lage] (Selected Poems, 1998)

¡Viva España! AUSTER

O meu mais que tudo literário ganhou o Prémio Príncipe das Astúrias das Letras 2006.
Encontro-me em pleno estado de alvoroço, de exultação e de comoção!
Paul Benjamin Auster, nascido a 3 de Fevereiro de 1947, de ascendência judaica, romancista, poeta, ensaísta, argumentista e tradutor norte-americano.
Auster, poeta do acaso, romancista da solidão, fabulador pictórico da sua amada Nova Iorque, escritor do torturantemente sublime «A trilogia de Nova Iorque» e do inquietante «A Música do Acaso»...
Eis as
palavras do júri que atribuiu o prémio:

«Considerado uno de los escritores estadounidenses más relevantes de su generación, Paul Auster ha creado un universo literario en torno al azar y la búsqueda de la identidad, donde realidad y fantasía invaden los espacios cotidianos del hombre.»

Para ser sincero, faltam-me as palavras para discorrer sobre o meu estado de profundo júbilo numa prosa facunda e eminentemente panegírica.

À laia de Bono Vox sobre Sinatra, fica AMC sobre Auster:

Esta é a prova viva que deus é judeu!

Nota: ver também
aqui.

Heinrich Heine Preis: Handke que se faz tarde!

Peter HandkeUnd der Sieger ist… Peter Handke!

O prémio literário da cidade alemã de Dusseldorf, que já foi atribuído a nomes como Enzensberger (O Diabo dos Números, Asa; Por Onde Tens Andado, Roberto?, Asa) em 1998, Sebald (Austerlitz, Teorema; Os Emigrantes, Teorema; História Natural da Destruição, Teorema) em 2000 e Jelinek (Lust, Estampa; A Pianista, Asa) em 2002, foi atribuído ao controverso escritor austríaco Peter Handke (A Angustia do Guarda-Redes Antes do Penalty, Relógio d’Água; A Mulher Canhota, Difel; Numa Noite Escura Saí da Minha Casa Silenciosa, Casa das Letras; etc.).

Lá se vão os 50.000 euros para…
ou talvez não!

terça-feira, 30 de maio de 2006

Hino ao amor conjugal

Num mundo onde o fundamentalismo de carácter religioso vai somando pontos – materializado na terrível luta pela liberdade de expressão, pela qual pessoas são mortas, condenadas ou apenas proscritas em nome duma fé que em muito ultrapassou os limites da dignidade humana –, há um livro que, apesar da comicidade que encerra, nos fala desses tempos, não tão longínquos, onde a vida – apesar de ser entendida na sua transitoriedade entre o Céu e o inferno – era uma simples mercadoria à mercê de um poder feudal e de um entendimento criacionista engenhosamente construído pelo género masculino contra o símbolo terreno da mácula e da desvirtude representado pelo todo feminino.
Falo do romance «O remorso de Baltazar Serapião», de valter hugo mãe (QuidNovi, 2006). A obra é uma ode medieval ao conceito de amor, na qual a mulher nada mais seria que o receptáculo do vigor e das frustrações do homem, subjugada aos mandos e desmandos dos zelosos maridos, equiparada, numa escala hierárquica informalmente aceite, aos animais de criação que à pobre casa traziam sustento.
Este livro é uma espirituosa metáfora à exploração humana que facilmente pode ser transposta para o mundo contemporâneo através de um simples exercício de substituição do cenário e dos actores, uma vez que o uso (e abuso) do poder continua a manifestar-se com a mesma virulência e o mesmo grau de impudor.
O estilo da prosa, que recorre ao arcaísmo medieval, é um regalo que por si só confere à obra e à sua leitura o efeito burlesco que, por certo, o autor lhe pretendeu dar.
É um romance satírico, gracioso e viciante – lê-se de uma só penada –, que me ficou na memória pela representação imaginosa, porém com fortes marcas de verosimilhança, desta comédia que é a vida.

Silêncio ensurdecedor


[Sem palavras]

Nota: ler
este texto de João Gonçalves.

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Gross em devaneios

Chegado ao ground zero já sem Chloë, Ricardo Gross anunciou novo blogue, sob o sugestivo título de Devaneios.
Como sempre fiz com o
Babugem, estarei atento ao blogue do Ricardo, dadas as qualidades já demonstradas na arte da divagação na blogosfera e, ademais, enquanto um Homem devaneia o mundo pula e avança.
E
para começar, não foi nada mau – uma lição de língua francesa! E depois... Eis The Chairman of the Board com o álbum memorável Where are You?
Como dedicatória deixarei na grafonola aqui ao lado uma das músicas mais melancólicas e bem cantadas de sempre:
The Autumn Leaves, com letra do inesquecível Johnny Mercer (em francês por Jacques Prévert) e música de Joseph Kosma.

Ao
Ricardo, desejo as maiores fantasias nos seus devaneios!

Primeiro agradecimento

Um líder, segundo as diversas teorias organizacionais e da liderança – não entrado aqui com as teorias e aplicações de organização laboral e das relações industriais de Taylor, Fayol, Mayo, Deming, Juran, McGregor, Ouchi, etc. –, é alguém que investido de um poder formal e/ou informal assume a condução dos destinos de um grupo de trabalho com vista à consecução de determinado fim e à concretização de determinadas metas propostas inicialmente.
O Sr. Scolari deu-nos uma aula sobre a significação de uma cadeia hierárquica transmutada para o papel para o convencional organigrama, destrinçado as relações de domínio vertical, com jactancioso ênfase à posição de 2.º responsável hierárquico atribuída pela FPF ao todo-poderoso seleccionador nacional.
Um líder é o principal responsável pelos êxitos de um grupo que se arroga do respectivo comando. Porém, deverá ser o primeiro a escrutinar os fracassos desse mesmo grupo quando as metas propostas não foram atingidas.
Esse senhor – o principal responsável, segundo afirmou – deveria, agora, num acto de humildade e até de honestidade intelectual assumir-se como o principal derrotado com os parcos resultados alcançados pela selecção de futebol nacional de sub-21.
É fácil assumir as prerrogativas de uma liderança quando estas lhe foram formalmente atribuídas. É fácil criticar o trabalho dos outros à distância de 500 km e discutir as escolhas, as tácticas e a avaliação dos adversários.
Agora, o carácter de um líder mede-se, sobretudo, no momento em que, não sendo atingidos os objectivos, há a necessidade de publicamente se assumir a derrota, agravada pelas declarações terroristas feitas a um grupo de trabalho constituído exclusivamente por jovens dos 18 aos 23 anos. E no caso do Sr. Scolari a assumpção da mea culpa devia desde já ser concretizada por iniciativa própria ou por imposição da figura de topo da estrutura, Gilberto Madaíl. Caso contrário, sem sequer darem conta disso – tal é a soberba e a autocracia –, Scolari e Madaíl expuseram-se de forma suicida ao duro escrutínio de um povo que ousaram tratar de estúpido e ignorante, com sobranceria quanto baste e lições de patriotismo primário, parolo e fraco de espírito.

sábado, 27 de maio de 2006

Homofóbico… Eu!?

A Linha da Beleza (BBC)
Eis uma boa notícia para o fastidioso panorama televisivo nacional – Got thirteen channels of shit on the TV to choose from… já cantava Waters em Nobody Home e ainda só dispunha de 13!
A adaptação para televisão do romance «A Linha da Beleza» (The Line of Beauty, 2004) – vencedor do Booker Prize de 2004 – de Allan Hollinghurst estreará para a semana na
2:, segundo afima o Eduardo Pitta e aqui confirmado – 1.º episódio, próxima quarta-feira, 31 de Maio, às 22:30. Trata-se de uma minissérie em 3 episódios produzida pela BBC, com argumento a cargo de Andrew Davies – reputado argumentista, escreveu os argumentos adaptados dos dois Diários de Bridget Jones de Helen Fielding e do romance de John Le Carré O Alfaiate do Panamá, preparando-se para adaptar ao cinema o romance Reviver o Passado em Brideshead, do escritor britânico Evelyn Waugh.

No início dos anos 80, Nick Guest, de origens modestas que remontam à pequena cidade de Barwick, é estudante de inglês em Oxford obtendo no final do curso a classificação máxima. Durante a sua temporada em Oxford conhece Toby Fedden, membro da alta sociedade londrina, filho do recentemente eleito deputado do Partido Conservador Gerald Fedden e residente numa faustosa mansão em Notting Hill, situada num luxuoso condomínio de Kensington Park Gardens.
Nick, após terminar o curso, ingressa no elitista University College London para a frequência de uma pós-graduação em Inglês, propondo-se realizar um estudo sobre o estilo de Joseph Conrad, George Meredith e do seu dilecto Henry James – este último sempre presente ao longo do romance.
Desta maneira, Nick ficará hospedado, a convite de Toby – que se irá transformar em objecto do amor platónico de Nick, quando este resolve “sair do armário” no final do curso –, na colossal casa dos Fedden, encetando uma viagem alucinante ao mundo da homossexualidade e da SIDA, e às frivolidade, devassidão e podridão da alta sociedade londrina e da classe política britânica, onde mesmo Mrs. M. (Margaret T.) surge na trama.
A Linha da Beleza, de Allan Hollinghurst, é um dos melhores romances que li ainda na minha relativamente curta existência e foi, seguramente, a par de «Nunca Me Deixes» de Kazuo Ishiguro, o melhor romance editado em Portugal no ano passado.

Nota para os mais sensíveis: prevê-se que a minissérie contenha cenas que eventualmente poderão chocar, de forma arrebatadora e definitiva, donas de casa desesperadas ou abeatadas, pais zelosos, crianças sugestionáveis e homofóbicos empedernidos, ou quiçá – lembrei-me agora de Beleza Americana, de Sam Mendes – fazer com que alguns desses últimos ultrapassem o preconceito saindo, assim, definitivamente do armário.

sexta-feira, 26 de maio de 2006

A Atlântico, preço e JMA

Agora, no sítio do costume, adquiri, ou melhor trouxe para casa, a temporárias expensas do proprietário do estabelecimento, o n.º 15 da Revista Atlântico (Junho de 2006). Como sou rapaz honesto, que porém não gosta de ficar a dever – excepto aos Bancos – um cêntimo que seja, lá vim com a revista debaixo do braço sem pagar. Porquê?
A razão: os responsáveis pela composição gráfica de revista esqueceram-se de colocar na 1.ª página o preço da dita cuja. Eu bem fui dizendo que, a não ter ocorrido um aumento de preço inesperado, ela custaria 3 euros. Contudo, lá me vim embora com a promessa de amanhã lá voltar, após a verificação do preço nas guias de remessa.
Não sei se já o disse – e se o disse peço as minhas sinceras desculpas pela repetição – a
Revista Atlântico, apesar de “obscura”, lê-se muito bem; não só pela qualidade dos artigos que publica, mas também pelo grafismo e pela prosa de alto teor informativo e/ou opinativo que, embora sintética, é deveras pertinente e interessante.
Se é de direita, do centro ou da esquerda; se é opusdeica, laica ou maçónica; se é azul e branca, vermelha (encarnada), verde ou às risquinhas rosa fucsia; se é catalogada como possidónia, frugal, densa ou hermética, estou-me realmente nas tintas. Gosto de a ler e pronto [ponto].
Até ao momento em que redijo este enfadonho solilóquio ainda só tive tempo para ler dois artigos. O primeiro trecho merecedor da minha atenção foi o editorial do
Paulo Pinto Mascarenhas, que trata da polémica O Código Da Vinci vs. Opus Dei e do anúncio de um artigo de opinião do Director de Informação da Obra, Pedro Gil, que irei ler, mais tarde, com toda a minha ateística ponderação – pobre pai, com um filho desta estirpe, cuja cuidada e dispendiosa educação icarológica de nada serviu.
O segundo texto li-o com um sorriso de orelha a orelha, com laivos de um melífluo inebriamento na degustação final:

«Uma coisa é certa. Além de todas as razões para ter orgulho no Porto, sinto-me muito orgulhoso por o meu clube ser o maior de um Portugal democrático, pluralista e mais europeu.»
De João Marques de Almeida, “ F.C. Porto”, Revista Atlântico, n.º 15, Junho de 2006, p. 11.

Mais palavras para quê?

Nota: afinal há motivo para mais palavras, que surgiu na altura em que editava este texto para postar no meu blogue. O PPM já deu conta do estranho desaparecimento do preço da capa da revista. Quer-me parecer que foi culpa daquele senhor de cravo na dentadura e de punho cerrado que surge no canto inferior direito da 1.ª página.

F. Scott Fitzgerald

F. Scott FitzgeraldEm 1940, apenas com 44 anos, morre um dos maiores nomes de sempre da literatura norte-americana. Membro cimeiro, a par de Hemingway e Faulkner, da denominada Geração PerdidaLost Generation – no campo da literatura, escreveu, para além de outros trabalhos, um sem número de contos e 5 romances: Este Lado do Paraíso (This Side of Paradise, 1920); Belos e Malditos (The Beautiful and Damned, 1922); O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 1925); Terna é a Noite (Tender is the Night, 1934) e o inacabado O Último Magnate (The Last Tycoon, 1940).
Com o seu primeiro romance (Este Lado do Paraíso) enriqueceu – apesar de descender de uma família irlandesa já de si endinheirada, porém esbanjadora.
Scott jamais logrou alcançar o êxito de vendas da sua primeira obra; embora o seu romance O Grande Gatsby seja, hoje em dia, unanimemente considerado como o seu melhor, o verdadeiramente aclamado como a obra-prima.
Casado com a impulsiva Zelda, Scott sustentava a sua vida plena de excessos, de exuberância e de vícios tão próprios das luzes da ribalta escrevendo contos, para posterior venda.
Em 1922 publica uma colectânea de 6 contos denominada por «Tales of the Jazz Age» - uma possível tradução seria “Contos da Era do Jazz”, na qual está incluído – como já referi neste blogue – o conto «The Curious Case of Benjamin Button», que servirá de base a um filme homónimo realizado pelo cineasta norte-americano David Fincher (Alien 3, Se7en, O Jogo, Clube de Combate, Sala de Pânico e do ainda não estreado Zodiac), com participações asseguradas de Brad Pitt e Cate Blanchett.

Aqui ficam, em tradução livre, as primeiras linhas do referido conto:

«
O estranho caso de Benjamin Button

Tão distante como em 1860, nascer em casa era a coisa mais apropriada a fazer. Actualmente, assim mo deram a saber, os ilustres deuses da medicina decretaram que o primeiro choro do rebento deveria ser entoado no ar anestésico de um hospital, de preferência num que fosse sofisticado. Logo, os jovens Mr. e Mrs. Roger Button estavam cinquenta anos adiantados para a época quando, num dia de Verão de 1860, decidiram que o seu primeiro bebé deveria nascer num hospital. Nunca se chegará a saber se este anacronismo foi relevante para esta história espantosa que irei contar.

Aqui apenas irei relatar o que ocorreu, deixando o poder de julgar à vossa consideração.
»

De F. Scott Fitzgerald, “The Curious Case of Benjamin Button”, Tales of the Jazz Age, 1922. [Tradução livre: AMC]

Boas leituras e bons filmes para este fim-de-semana que promete ser tórrido!

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Valor e Preço

Para referir o pertinente e perspicaz artigo de António Costa Amaral (AA) sobre esse conceito tão hermético e por isso incompreendido de “VALOR” – veja-se a discussão que se gerou sobre o assunto no mesmo artigo –, nada como lhe dar uma visão poética que complementa as citações de Adam Smith e de Carl Menger:

«Todo necio
confunde valor y precio.
»

De Antonio Machado, Nuevas Canciones (1917-1930): Proverbios y Cantares [LXVIII]

Latinismos

Vossas Excelências hão-de ter reparado que este blogue acabou de comprovar de forma empírica o brotar para o mundo de uma nova regra:
«Ouvir Manuel Maria Carrilho aumenta a probabilidade do emprego de latinismos».

O argumentum ad hominem foi tão fastidiosamente utilizado que se transformou, ao melhor estilo de um bumeranguista, num argumentum ad nauseam. Eis o rosto da falácia, ou o pai da teoria dela própria.

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Index Expurgatorius

Aqui está um sítio da Internet que faria corar de inveja Brown, Howard e Goldsman.

Ler com cautela e caldos de galinha!

Já dizia Virgílio na Eneida, Canto VI: «Facilis descensus Averno».

Who is Tyler Durden?

Fincher's Zodiac
Há uns anos atrás um tal trio Fincher, Norton e Pitt levou-me ao AMC – não, não ao fundo de mim, a uma imaginada viagem interior ao museu vivo dos meus impulsos constrangidos – ao Arrábida.
Ecrã negro, um intrincado fluxo de sinapses, nervos e neurónios, música psicadélica – Dust, Dust Brothers, é isso! – as estrias de um cano de uma arma cravada na boca e…
«People are always asking me if I know Tyler Durden.»
Duas horas e tal de magia, genialidade, ansiedade, de imagens subliminares que retratam a fragilidade de uma vida sã, cansativa, e de um artificial e entediante desempenho que não frustre as expectativas daqueles que nos rodeiam; somos corajosos e inconscientes equilibristas que aprendem a andar no fio da navalha e não sentem a vertigem da fatalidade iminente, o outro lado, o interior agrilhoado pela nossa auto-estima, que muitas vezes se transfigura numa auto-estimulante megalomania - oh, que carrilho!

STOP!
With your feet in the air and your head on the ground
Try this trick and spin it, yeah
Your head will collapse
But there's nothing in it
And you'll ask yourself

Where is my mind?
(Francis, Deal, Santiago & Lovering)

Apetecia-me ficar para a sessão da meia-noite para comprovar se aquilo que entendi era na realidade a mensagem subjacente. Não fiquei, porém rememorei aquela viagem alucinante de duas horas e tal. A fábula dos tempos modernos!
Era Fincher, esse ilusionista, guiado por Palahniuk e Uhls. Mais assustador que Se7en (33), mais torturante que O Jogo (35), era a obra-prima da ainda curta carreira de um tipo de 37 anos – Clube de Combate (37)!
Depois da claustrofóbica Sala de Pânico (40) – a pior entre as grandes obras de arte, exceptuando Alien 3 (30) – e antes de Mr. Francis Scott Fitzgerald com Pitt e Blanchett, vem aí para o final do ano Zodiac (44), que relata a história dos brutais assassínios ocorridos em São Francisco nos anos 70 perpetrados pelo desconhecido Assassino do Zodíaco.
Robert Downey Jr., Jake Gyllenhaal, Brian Cox, Anthony Edwards, Mark Ruffalo e –
à atenção do Ricardo – a impudica Chloë Sevigny – espero que sem atavios, pingentes e broches, não está Vincent Gallo.

David Fincher, nome maior da indústria dos sonhos de Hollywood. Pode haver quem dele não goste, ou que lhe seja indiferente ou até que o repudie por algum critério intelectualóide que se me escapa de momento. Contudo já não há alguém, por mais destro que seja, por mais tecnologia que disponha, que faça um traveling como ele faz, que brinque com a câmara, que construa os planos e jogue com os actores daquela maneira tão inata, tão pessoal, que conduz o meu imaginário ao alto da montanha mágica da sétima arte – o Mestre, esse já morreu, A. F.

Tyler Durden is… Fincher, David Fincher!

Rushdie e Gonçalo M. Tavares

Salman Rushdie - Shalimar, O PalhaçoTal como aqui havia anunciado, foi finalmente editado em Portugal o último livro do escritor hindu britânico Salman Rushdie, «Shalimar, O Palhaço», Dom Quixote, 480 pp. (Shalimar The Clown, 2005). O livro já se encontra disponível nas livrarias.
Rushdie aborda o cenário de medo e de desconfiança da sociedade contemporânea – apesar da acção decorrer no ano de 1993 –, contando a história de um muçulmano – conhecido por Shalimar, o palhaço – que mata o seu patrão, homem influente e com fortes ligações aos meandros da política externa norte-americana.
O móbil do crime é aparentemente turvado pelas relações tensas e conflituosas entre os Estados Unidos e o mundo árabe. Para mais não revelar, fica a pergunta: tratar-se-á de um crime com motivações político-religiosas?

Gonçalo M. Tavares, a par de Frederico Lourenço um dos mais prolíficos escritores portugueses da nova geração, surge no mercado com o seu novo livro, editado pela Caminho, «Água, Cão, Cavalo, Cabeça» (104 pp.)
Eis um excerto publicado pela editora:

«Três cabides: um para pendurar o casaco, outro para pendurar uma corda já com o nó de enforcado. Outro cabide ainda: o chapéu.
Não podes ter o conhecimento integral das coisas.
Fumei um cigarro, uma t-shirt branca, a barba por fazer. Atravesso a rua já encasacado. Frio brutal. Pessoas de um lado para o outro a fazerem compras e no meio do passeio um rapaz de tronco nu, no meio deste frio brutal, de joelhos, com o tronco esticado e a cabeça baixa e a mão igual a um cabide, dirigida para a frente e para cima, aberta, a pedir.
»

Boas Leituras!

Nota: hoje inaugurou-se a 76.ª Feira do Livro do Porto, que decorrerá até 11 de Junho no Pavilhão Rosa Mota (Palácio de Cristal). Merece-me apenas um forte suspiro: coitada da minha pobre carteira!

Ronaldismos

¡Qué barbaridad!

Para não confundir com outros que também pela bola vivem, poder-se-iam chamar cristianismos. Porém, esta solução revelar-se-ia bem mais gravosa e logo num momento em que falar livremente – nem que se trate de pura ficção – de símbolos e de doutrinas religiosas sinonimiza vitupério, algaraviada, ostracismo, relativismo cultural ou até morte justiçada.

Assim,
do Grego (ai se se viram!) ronaldismós “linguagem ininteligível”, pelo Latim ronaldismu, “vício contra as regras e pureza de uma língua”.

C. Ronaldo é apologista da “Finta Objectiva”!

terça-feira, 23 de maio de 2006

Insónia

Quando em Dezembro de 2005 iniciei as minhas divagações – e algumas exaltações – na blogosfera fui, lentamente, descobrindo outros espaços que já há muito se encontravam no meio e que, de forma consensual, apareciam nas listagens da maioria dos blogues nacionais.
Havia jornalistas, políticos, advogados, economistas, gente das artes e das letras, e nesse instante julgo ter apreendido o critério geral de enlaçamentos entre blogues que se subdividia em dois grupos: a ligação àqueles que têm alguma notoriedade mediática logo o enlaçamento é quase natural, e a ligação quase unânime àqueles que, por enquanto, não usufruindo das vantagens dessa mediatização – ou sofrendo por esse inconveniente – são referidos à saciedade pela qualidade demonstrada na substância dos seus blogues.
Henrique Fialho, jovem poeta, filho da formosa terra do Lis, encaixa-se nesse segundo grupo. O seu blogue
Insónia é um espaço arejado, de livre discussão, de prosa encantatória e de humor mordaz sem o quase fatal cariz de agressividade.
Henrique é despretensioso, honesto e tem carácter – não quero com isto dizer que se trata de um anjinho compassivo e de um menino bem comportado, quem o lê sabe que é um homem de firmes convicções e enuncia-as com toda a naturalidade e sem receio dos eventuais efeitos; Henrique materializa essa verdade: se são convicções não tem de haver pudor e mesuras na sua exposição.
Entre mim e o Henrique – que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente – ocorreu um episódio que me envergonhou pela minha desvairada impulsividade – falo de futebol, claro!
Quando o seu Sporting se deslocou ao Dragão para disputar a meia-final da Taça de Portugal com o meu Porto, Henrique citou uma revolta hiperbólica do meu muito estimado
Afonso Bivar. Logo de seguida, ainda em estado de pura efervescência, escrevo um comentário no Insónia a criticar a escolha da citação. Decorridos não mais de 30 minutos – penso eu de que – dava por mim a escrever de novo ao Henrique pedindo-lhe as minhas mais sinceras desculpas pela exprobração. E porquê? A sua resposta foi de uma dignidade e de uma nobreza de carácter tais que me fez despertar para a realidade da injustiça que havia perpetrado.

Ao Henrique e a todos os que consigo colaboram no admirável
Insónia felicito pelo ano conquistado – e trata-se da palavra adequada, já que 1 ano de blogue dever-se-á assemelhar a 15 na vida de um ser humano – desejando-lhes mais um ano pleno de qualidade e de vigor bloguísticos.
Despeço-me – à Henrique Fialho – desejando:

Saúde!*

*(a verde, claro!)

O Narciso e o Berbequim

Jean de La Fontaine soprou-me do além que deixou de vez Esopo ou Fedro e que havia aderido às tecnologias mundanas do nosso século recorrendo, aqui e acolá, a figuras mitológicas.
Sobre a nova fábula disse que o diálogo far-se-á entre um berbequim – ao que lhe perguntei se Black & Decker, tendo-me respondido de pronto que o patrocínio foi baixo, logo decidiu-se pela Emído “Einhell” Rangel – e Narciso – perguntei-lhe se a flor (era uma fábula, porra!), tendo-me respondido que não, que era uma flor de divindade, porém o Narciso do Carrilho.
O tema central centrar-se-á na relação “Vergonha” e “Despeito”, cuja moral será “pela vergonha singraste, pelo despeito e a falta de decoro capitularás”.
Entretanto, a linha da
Telefonia Sem Fios caiu e fiquei sem perceber nada!

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Crítica na 7.ª arte: Que Malick isso tem?


Pontos prévios:

  1. Alfred Hitchcock foi, no meu entender, o maior mago de todos os tempos no que à sétima arte diz respeito. Da sua vasta obra contam-se pelos dedos de uma mão os filmes que ainda não vi;
  2. Do texano Terrence Malick vi, até hoje, três filmes por si realizados: «Noivos Sangrentos» (Badlands, 1973), «Dias do Paraíso» (Days of Heaven, 1978) e «Barreira Invisível» (The Thin Red Line, 1998), o único que realmente valeu a pena. Em boa verdade, apenas perdi uma das suas quatro longas-metragens, só não vi «O Novo Mundo» (The New World, 2005) – agora em exibição nos cinemas portugueses;
  3. A genialidade de Stanley Kubrick, interrompida abruptamente após a conclusão da sua última obra – que não viu estrear – «De Olhos Bem Fechados» (Eyes Wide Shut, 1999). De resto menosprezada pela crítica e aclamada pelo público – tão típico!

Missiva:

Caro Alfred,

Escrevo-te esta carta sem endereço conhecido, porém dada as tuas faculdades, que te transformaram em epítome da imortalidade, tenho a firme certeza de que lerás estas minhas ousadas palavras no português que, por certo, terás entretanto aprendido.
Não sei se já te informaram do fenómeno da morte no cinema? Saberás, porventura, o seu real significado? Saberás o que ela te deixou aqui na terra quando os rins te levaram num dia de Abril de 1980, tinha eu 7 anos, sem que houvesses sentido o real Vertigo da fama que o teu nome merecia?
Curiosa essa palavra morte – será uma Sabotagem da vida? – confuto, silêncio, paz eterna, desalmada, a única certeza que a vida nos traz e que, apesar da implacabilidade e da sua putativa condição transitória, contra ela lutamos com todas as forças que nos irão soçobrar nesse dia.
Mas na arte a Chamada para a Morte é a maior honra que o pintor, o escritor, o dramaturgo, o escultor, o arquitecto ou o cineasta poderá esperar. Passas a ser grande, incontornável, até infinitamente rico, apesar da vida cruel que eventualmente possas ter levado porque te esfalfavas a trabalhar para sustentar os teus. Mas disso tu saberás melhor do que eu porque pertencias ao meio, conhecias gente quase anónima que, com a Corda na garganta, a morte trouxe para as luzes da ribalta, apesar da vida apenas lhes haver trazido o contentamento da obra acabada, porém destruída por um grupo de não produtores que se limitam a recensear em quatro linhas de prosa, por vezes a raiar a Difamação, algo que te foi tão caro como um filho bem amado.
Por exemplo, Malick, lembras-te dele? Antes de a tua alma migrar como fazem os Pássaros – só que ao contrário deles sabe-se lá para onde –, já havia realizado dois filmes. Aquele com o inominável Gere e aqueloutro com o Sheen e a menina Spacek… Pois não compreendeste o estardalhaço do filme que se encaixava no género das tuas obras quase renegadas, como se fosse uma conspiração, uma Intriga Internacional ou em Família – a dos críticos ufanos. Hoje é um ícone da tua querida e saudosa indústria. Sim aquela que ajudaste a reinventar, com os teus cameos, travellings, planos quase sobrenaturais… eram como uma Casa Encantada para quem a vê do exterior e não consegue penetrar no arcano da soleira da porta, nem consegue sequer vislumbrar o que está diante dos olhos perante a Janela Indiscreta da tua obra, mesmo que com a sua Cortina Rasgada.
Pois o Malick… fez uma obra-prima já por cá não andavas havia 18 anos. Antes, havia criado uma aura pela ausência. Fez crer que só aceitaria realizar – obras escritas por ele – aquilo que potencialmente pudesse ser considerado como a obra-prima. E os críticos, naquela tão típica Psicose de exibicionismo do grau de intelectualidade, valoram-no, porventura, antes mesmo de visionarem o seu último filme. Hoje em dia, o crítico, depois de elaborar uma recensão, vê-se ao espelho como o Homem que Sabia Demais, como se lhe faltassem 39 Degraus para chegar ao topo da torre de marfim!
E Kubrick… coitado, tal como tu já não faz parte dos vivos! Paz à sua alma Desaparecida nesse insondável éter do qual fazes parte. Eu Confesso que teve sorte porque não teve de assistir à peroração da sua inesquecível valsa de Shostakovich, como se um Ladrão de Casaca, todo emproado, lhe quisesse roubar a alma já ida, que, eventualmente, é pertença daquele que há dois mil e seis anos nasceu Sob o Signo de Capricórnio.
Sabes, hoje os teus filmes foram quase todos reeditados, digitalizados e remisturados, e vendem-se em pacotes à dúzia. Os críticos, aqueles que votam com estrelinhas, mal uma obra tua acabada de retocar sai para o mercado apõem-lhe 5 à frente do nome. Mas se te fossem contemporâneos, acredita, terias umas noites mal dormidas.
Por esta altura, já te devo ter cansado em demasia com estes males do século. Logo, despeço-me aqui, com promessa de a ti voltar em breve.

Ladies and Gentlemen, good night!

A fogueira das vaidades [actualizado]

Girolamo SavonarolaRecomendo, e de forma veemente, os textos publicados pelo Francisco José Viegas no Jornal de Notícias e no seu blogue A Origem das Espécies, sobre os objectores de uma obra de ficção que se chama O Código Da Vinci, não sei se conhecem?
Como referi na caixa de comentários do texto do Francisco, o que mais me impressiona, levando-me mesmo à circunstância de sobressalto – de temor e tremor – são aqueles que professam os boicotes e a proibição do livro e do filme, e até a queima de uma simples obra de ficção.
Tal como insinua o
Francisco – e muito bem! –, o que fariam estes senhores há alguns séculos atrás?
Dou até uma pista, todos teriam por ídolo Savonarola e alguns disporiam na mesa-de-cabeceira de, pelo menos, um exemplar do Malleus Maleficarum, esse livro em jeito de ode à liberdade de expressão e um defensor resoluto dos lenhadores.
Este mundo está a ficar perigoso; e quando vejo este tipo de atitudes censórias e de exprobração, assim como a defesa dos castigos corporais como purificação, dá-me vontade de ligar para a NASA e perguntar se já estão abertas as inscrições para residência em Marte; é que a Lua é demasiado perto…

Ler também:

domingo, 21 de maio de 2006

Trindade concluída: Espírito Santos

A Portista TrindadeA trindade benfiquista completou-se, depois do pai Vieira, do filho Veiga, eis que chegou o Espírito Santos… e todos abençoados pelo Papa! (não, não é o Bento!)
Já me explico.

Que a Vitória – o milhafre pintado de águia – voe mais alto… para a estratosfera!

Explicação do fecho do ciclo ou da conclusão da Sant(o)íssima Trindade:

Os Presidente, Director do futebol e Treinador principal da equipa de futebol do Benfica são todos sócios do… FC Porto!

Deixem-me rir…

Assomos impetuosos na blogosfera

Parte da blogosfera lusa ensandeceu de vez?
De quando em vez assistimos a uns arrancos de ira e de marcação corpo a corpo, dignos de uma arena romana, neste espaço tão típico de tergiversação e de prosa inflamada.
Quando é política, regionalismo, linhagem, raça, religião ou futebol até posso entender!
Mas a discussão provinda do nada, ou sem razão aparente, caminha inexoravelmente para o vazio por escassez de causa, onde o ressentimento perdura até se atingir o grau máximo de vacuidade, de auto-isolamento e de triste solidão.
Era uma vez um país cheio de flores, onde vivia uma abelha… será da Lua em Peixes?
Refiro-me como é óbvio à contenda de verdadeira inutilidade entre dois dos meus blogues de referência:
este e este. Até já houve ameaças e materializações de abandono!

Aprazolam, Diazepam, Lorazepam ou Cloxazolam? Ou todos simultaneamente?

sábado, 20 de maio de 2006

Actualização da lista de blogues

Sábado, dizem as estatísticas, é o dia de menor actividade blogosférica. Sábado, como se fosse um dia santo de guarda ou então o dia do asseio e da depuração dos blogues: arear os templates, aspirar os eventuais erros ortográficos e/ou gramaticais em textos anteriormente postados e até espanejar o pó e as teias de aranha aos enlaces, que vão ficando por simples preguiça, dos blogues defuntos ou daqueles sobre os quais perdemos o mínimo interesse, logo deixam de ser um adereço apresentável no enquadramento final pretendido.
Assim, neste blogue proceder-se-á, neste sábado de pura indolência, à actualização de ligações a blogues que figurarão, até à próxima actualização, na secção “neófitos neste blogue”:

  • aguasfurtadas, blogue homónimo da revista de literatura, música e artes visuais, editada pelo Núcleo de Jornalismo Académico do Porto;
  • Avatares de um Desejo, blogue de Bruno Sena Martins;
  • eMoleskine, blogue de Pedro Gomes Sanches;
  • Glória Fácil, blogue colectivo de Ana Sá Lopes, Fernanda Câncio, Nuno Simas e João Pedro Henriques;
  • Quatro Caminhos, blogue de Ana Cláudia Vicente;
  • Ultraperiférico, blogue colectivo dos sugestivos Propranolol, Roteia, Katrola e H.

A todos saúdo e desejo – carregadinhos de EPC, esse vício insanável e inextricável – bons textos!

sexta-feira, 19 de maio de 2006

Sabedoria Feminina em Eco

Como o prometido é devido, coloco neste texto um excerto de uma conversa mantida entre Casaubon e Lia – marido e mulher – a respeito das simbologias conspirativas, antes de chegar a Tiferet – beleza e compaixão –, em pleno Geburah – julgamento, força e poder:

«(…)
“Mas passemos aos números mágicos de que gostam tanto os teus autores. Um és tu que não és dois, um é o teu coisinho aí, uma é a minha coisinha aqui e um são o nariz e o coração, e assim vê bem quantas coisas importantes são um. E dois são os olhos, as orelhas, as narinas, os meus seios e as tuas bolas, as pernas, os braços e as nádegas. Três é o mais mágico deles todos porque o nosso corpo não o conhece, não temos nada que seja três coisas, e devia ser um número misteriosíssimo que atribuíamos a Deus, seja onde for que vivamos. Mas se pensares bem, eu tenho só uma coisinha e tu tens só um coisinho (…) e se pusermos estas duas coisinhas juntas sai um novo coisinho e tornamo-nos três. Mas então é preciso um professor universitário para descobrir que todos os povos têm estruturas ternárias, trindades e coisas do género? Mas as religiões não as faziam com o computador, era tudo gente de bem, que fodia como deve ser, e todas as estruturas trinitárias não são nenhum mistério, são a narração do que fazes tu, do que faziam eles. Mas dois braços e duas pernas fazem quatro, e eis que quatro é na mesma um belo número, especialmente se pensares que os animais têm quatro patas e andam a quatro as crianças pequenas, como sabia a Esfinge. Cinco nem vale a pena falar, são os dedos da mão, e com as duas mãos tens o outro número sagrado que é dez, e têm de ser por força dez até os mandamentos, senão se fossem doze quando o padre diz um, dois, três e mostra os dedos, chegado aos dois últimos tinha de ir buscar a mão do sacristão. Agora pega no corpo e conta todas as coisas que saem do tronco, com braços, pernas, cabeça e pénis são seis, mas para a mulher são sete, por isso acho que entre os teus autores o seis nunca foi tomado a sério senão como o dobro de três, porque só funciona para os machos, que não têm nenhum sete, e quando mandam eles preferem vê-lo como número sagrado, esquecendo-se de que também as minhas mamas saem para fora, mas paciência. Oito – meu deus, não temos nenhum oito… não, espera, se os braços e as pernas não contarem por um , mas sim por dois, por causa do cotovelo e do joelho, temos oitos grandes ossos longos que se prolongam para fora do corpo e pega nestes oito mais o tronco e tens nove, que depois se puseres a cabeça faz dez. Mas sempre andando à volta do corpo obténs todos os números que quiseres, pensa nos buracos?”
“Buracos?”
“Sim, quantos buracos tem o teu corpo?”
“Bem”, contei. “Olhos narinas orelhas boca e cu, faz oito.”
“Estás a ver? Outra razão por que o oito é um belo número. Mas eu tenho nove! E com o nono faço-te vir ao mundo, e é por isso que nove é mais divino que oito! Mas queres a explicação de outras figuras frequentes? Queres a anatomia do teu menir, de que falam sempre os teus autores? Está-se de pé de dia e deitado à noite – até o teu coisinho, não, não me digas o que faz de noite, o facto é que trabalha direito e descansa deitado. E portanto a estação vertical é a vida, e está em relação com o sol, e os obeliscos erguem-se para cima como as árvores, enquanto a estação horizontal e a noite são sono e portanto morte, e todos adoram menires, pirâmides e colunas, e ninguém adora varandas e balaustradas. Já ouviste falar de um culto arcaico do balcão sagrado? Vês? E até porque o corpo não to permite, se adorares uma pedra vertical, mesmo que sejam muitos todos vêem, enquanto se adorares uma coisa horizontal só a vêem os da primeira fila e os outros empurram dizendo eu também e não é um bom espectáculo para uma cerimónia mágica…”
“Mas os rios…”
(…)»

In Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault, Difel

Um espanto!

Ecos da obra

A histeria Da Vinci chegou ao paroxismo da literatura comparada para denegrir o último romance de Dan Brown.
Na realidade, só em raras circunstâncias se consegue comparar dois autores ou duas obras de autores diferentes. Consigo, todavia, comparar estilos literários apenas quando eles se aproximam, uma vez que o estilo de um escritor não se mede por uma escala valorativa, nem se materializa numa linearidade perfeitamente mensurável por um imaginável estilómetro.
Enquanto leitor compulsivo e ávido de novas descobertas no campo da literatura, dou por mim a ler obras menores, de qualidade literária duvidosa, que venturosamente me permitem calibrar o crivo numa sequência, tão ingénita como a experiência humana, da tentativa e do erro. Todavia, esse processo contínuo de afinação, apesar de ser um corolário de uma certa abertura de espírito perante a novidade – busca incessante de conhecimentos como meio de aperfeiçoamento da alma, entendida como procedimento de aprendizagem para a necessária e obrigatória adaptação à minha envolvente –, é manifestamente subjectivo que, no entanto, contribui para a diversidade de um todo social que se quer heterogéneo, favorecendo o robustecimento de uma unidade espectral de todas as formas de pensar, sentir e agir, como um singelo pixel contribui de forma indelével, porém imprescindível, para o quadro final.
É, portanto, a unidade na diversidade que enriquece as condição e natureza humanas. Proverbiando, o que seria do amarelo…

A propósito dessa diversidade e do saudável relativismo na apreciação de uma obra literária, ocorreu um episódio interessante e enriquecedor neste mesmo blogue.
Discorria eu sofre Kazuo Ishiguro – mais um dos meus escritores de eleição – e sobre um dos seus livros, que integra a categoria dos romances da minha vida, «Nunca Me Deixes», quando me excitei e fiz, ao correr da pena – ou para ser moderno, ao deslizar do cursor – uma superficial comparação do seu estilo com o do escritor norte-americano Michael Cunningham. O Sérgio Lavos, do blogue Auto-Retrato, discordou – e muito bem – desta minha comparação, referindo-se à menos-valia de Cunningham em relação ao estilo literário de Ishiguro. E eu digo: viva à liberdade de expressão e à diversidade de gostos no campo da literatura! Eu discordo da avaliação de Cunningham feita pelo Sérgio, porém reconheço igual validade à sua opinião tal como se fosse a minha.
Serve isto para referir que me parece risível a tentação comparativa, declaradamente redutora, entre Umberto Eco e Dan Brown. O único ponto em comum entre os dois escritores reside no facto de ambos escreverem romances históricos. Sob ponto de vista do estilo narrativo, da investigação histórica e até do menor ou maior apelo à hermenêutica, ambos são completamente distintos, não são sucedâneos, nem sequer complementares. Eco é hermético, irónico, um jogador de palavras, um semiólogo. Brown é linear, sem atavios, de linguagem fácil, lança um tema central polémico e aparentemente verosímil para que a discussão pública se transforme numa polémica global para vender, mas também para divertir e transformar a literatura numa arte prazenteira – diferente da habitual conotação do conceito de “light”.
Deste modo, ao observar aqueles que professam a leitura de obras como «O Nome da Rosa» e/ou «O Pêndulo de Foucault» em detrimento de «O Código Da Vinci», porque melhores, provindas de um verdadeiro erudito, sem, por exemplo, entrechos apócrifos, só posso concluir de que se trata de um exercício puramente demagógico e consciente ou incoscientemente enganador.
Como já tive a oportunidade de afirmar, «O Pêndulo de Foucault» é a obra-prima dos romances ditos históricos – para se estabelecer uma inteligível catalogação – que nada tem a ver com as obras de Dan Brown. O Pêndulo só se assemelha ao Código porque parte da acção decorre em Paris, a partir daí nada mais!
O Pêndulo trata-se de uma elucubração sobre as correntes esotéricas e a da sua influência na condução dos destinos do mundo. É uma brilhante crítica mordaz às teorias da conspiração e ao poder que as seitas denominadas por ocultistas, obscuras, secretas e, com já ouvi, discretas putativamente usufruem.
A própria estrutura do romance baseia-se nos 32 Caminhos da Sabedoria ou na Árvore da Vida (que aparece representada logo no início do livro) da Cabala, compartimentada pelos 10 capítulos como os 10 Sephiroth (ver mais informação
aqui).

Valha-nos Deus ou algo ou alguém por Ele! Um romance é uma obra de ficção!

Para terminar deixo aqui a epígrafe da última Sephira (Sephiroth é o plural de Sephira), Malkut – Reino –, correspondente ao 10.º capítulo da obra de Eco:

«Mas o que parece ser de deplorar, é que vejo alguns insensatos e estultos idólatras, os quais… imitam a excelência do culto do Egipto; e que procuram a divindade, de que não têm razão alguma, nos excrementos de coisas mortas e inanimadas; que com tudo isso troçam não somente desses divinos e avisados cultores, mas também de nós… e o que é pior, com isto triunfam, vendo os seus loucos rituais em muita reputação… – Que não te dê isto enfado ó Momo, disse Ísis, porque os fados ordenaram a vicissitude das trevas e da luz. – Mas o mal, respondeu Momo, é que eles tomam como certo que estão na luz.»
Giordano Bruno, Spaccio della bestia trionfante. In Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault, Difel.

Nota: no próximo texto deste blogue, assim que os afazeres esmorecerem, publicarei uma das passagens mais deliciosas do romance de Eco: uma conversa entre um quase crente – o meu personagem preferido – Casaubon e a sua céptica mulher – que se parece com a minha –, Lia.

quinta-feira, 18 de maio de 2006

O Código Da Vinci, o filme


Se pertence ao grupo daqueles que nutrem um ódio visceral à indústria cinematográfica norte-americana, para ser mais concreto a Hollywood, pode parar por aqui.
Antes de falar do filme que acabei de ver, gostaria de deixar aqui uma daquelas irritações que muitas vezes me conduzem à frase “fim de conversa!” Ou seja, o preconceito cultural que se revela na ostentação de uma pretensa erudição ou de um grau superior de intelectualidade fugindo-se do denominado mainstream, em português de tia, “aquela coisa horrorosa e depravada a que se chama Povo!”
Como sempre fui um amante fervoroso do cinema norte-americano – feito por americanos ou não – de Capra a Fincher, de Bogart a DeNiro, de Welles a Mamet, de Huston a Nolan, nunca tive a necessidade de esconder em público as minhas preferências, porque se se prefere algo, esse algo tem que, por coerência, ser o melhor entre os melhores seguindo os nossos cânones estéticos ou de harmonia artística.
Na lista dos meus filmes de sempre, não estou a exagerar se disser que cerca de 85% têm mão americana. Se necessito de dormir ou de relaxar tomo um Xanax, não preciso de ferir a minha já muito martirizada visão com raios emanados por Fassbinder, ou alguns (OK, poucos) Bergman ou Renoir. Porém, isto não significa que não idolatre Fellini, Visconti, Resnais, Buñuel ou até Tornatore, e por aí em diante.

O filme:
Gostei do elenco – gosto de Reno apesar de parecer um canastrão, e gostei do canstrão Hanks apesar de à partida o achar um subproduto hollywoodesco –, do argumento de Akiva Goldsman, da fotografia e de alguns pormenores de realização de Howard.
Não gostei da banda sonora (esperava mais de Zimmer) e do desconcertante e desconcentrante sotaque de Tautou.
Para quem leu o livro, o filme não é uma surpresa já que à partida os momentos potencialmente surpreendentes e o desenlace são conhecidos. No entanto, há algumas novações – que aqui não revelarei – que trouxeram brilho ao filme, principalmente na sua conclusão. De resto, é a velha história da inevitável comparação do filme com o livro que serviu de base ao argumento – há quem diga, e bem, que é misturar alhos com bugalhos ou apples and oranges.

Primeira avaliação, ainda sem o conveniente período de reflexão, “3,5 - 4 / 5”.

Nota: ver
aqui as primeiras tendências profundamente maniqueístas na apreciação deste filme, Eu já votei.

Minimalismos...

…de um proscrito cultural e politicamente incorrecto!

Versão 2.0

– Que livro andas a ler actualmente?
– Um do Peter Handke! O do farmacêutico que…
– Estás doido! O gajo foi ao funeral do Milosevic!
– Gostas de James Dean, não é verdade?
– Sim!
– Que tal o A Leste do Paraíso?
– Eh pá, adorei! Porquê?
– Informa-te…

Minimalismos...

...de um proscrito cultural e politicamente incorrecto!

Versão 1.0

Li O Código Da Vinci há 2 anos atrás e… gostei! Muito bom!

Mais grave ainda:
Li Anjos e Demónios, A Conspiração e Fortaleza Digital: bom, medíocre +, mau.

Minimalismos...

...de um proscrito cultural e politicamente incorrecto!

0 – Versão Beta

Em dia de Código Da Vinci, o filme, estou-me a cagar para os rótulos, epítetos, repreensões, bajulações, vacuidades e fatuidades.
Viva ao relativismo cultural! Viva à liberdade de expressão, mesmo que isso possa impedir o meu ingresso no coro na qualidade de menino! Viva o 25… Isso é de outras guerras!

quarta-feira, 17 de maio de 2006

A vontade de o ver aumentou!

O Código Da VinciO Público Online noticia:

«"Código Da Vinci" apupado pelos jornalistas presentes em Cannes».

Normalmente, o apupo destes críticos enfatuados e presunçosos é inversamente proporcional à qualidade dos filmes. Se me guiasse pelas suas opiniões… de certeza que não sofreria de qualquer espécie de insónia.

Publicidade institucional / Serviço público

Pequeno intróito: são inegáveis as crescentes visibilidade e influência da blogosfera na nossa vida quotidiana. Esta válvula de escape das atribulações do século rivaliza, e de que maneira, com as fontes de informação tradicionais, até porque a suspeição que impende sobre o grau de independência dos meios de comunicação social tradicionais, à laia das melhores teorias da conspiração, conduz os leitores a fontes alternativas, confirmatórias ou discordantes, de cunho pessoal sem a influência de grupos de pressão.
Depois, é com enorme prazer e, não o nego, com um certo orgulho que anuncio um evento produzido na minha cidade, tão deprimida e decadente nos últimos tempos, fugindo à tradicional ofuscação dos movimentos culturais da capital.
Curiosamente, este anúncio é feito no dia que se seguiu à inauguração, com exasperante e nauseante destaque nacional, de um parque-de-estacionamento-centro-comercial-praça-de-touros na nossa ufana capital. Faz-me recordar os não saudosos directos das televisões nacionais aquando das inaugurações do El Corte Inglés ou do Ikea em Lisboa como acontecimentos nacionais – e depois os parolos, provincianos, boçais, tacanhos e etc. e tal somos nós, os nortenhos!

Destaque:
O número 9 da "aguasfurtadas", Revista de Literatura, Música e Artes Visuais, chega às livrarias durante este mês de Maio. E estará também disponível através de pedidos directos para
jup@jup.pt.
Este número 9 inclui poemas originais de Inês Lourenço, Tiago Gomes, Rui Lage, Isabel Fernandes Pinto, Joaquim Cardoso Dias e António Pedro Ribeiro. A primeira tradução para português do magnífico poema em dez partes "A Fenomenologia da Ira", de Adrienne Rich, da responsabilidade de Margarida Vale de Gato, uma breve recolha de textos do autor argentino Marcelo Rizzi, numa tradução de José Mário Silva, e ainda a primeira tradução de "Uma Novela Não-Escrita", de Virgínia Woolf, por Valério Romão. Contos inéditos de Filipe Guerra, Joana Gusmão e ZM. E uma extraordinária peça de teatro de Nuno F. Santos intitulada "Os Condenados", e, por fim, um ensaio de Miguel Miranda sobre o riso. Mas há mais.

Nas artes visuais, a "aguasfurtadas" 9 inclui trabalhos de Rui Lima e Sérgio Martins, Jonas Nobre, Francisco Queimadela, Emílio Remelhe, João Marrucho, Teresa Roldão, José Peneda e Samuel Silva, Júlio Dolbeth, entre outros. E ainda fotografias de Jorge Garcia Pereira, Carlos Manuel, Vasco Gil, Joana Cadima e João Gonçalves.

Finalmente, na área da música, Ana Cancela Pires escreve um ensaio surpreendente sobre John Cage e Carlos Guedes abre uma janela sobre o universo musical na era digital. O CD inclui obras de Alexandre Delgado, Ruben Andrade, Dimitris Andrikopoulos e do grupo de jazz Espécie de Trio.

Para mais informações, esclarecimentos, opiniões, etc., não hesite em contactar-nos através deste mail ou para jup@jup.pt.
Visite ainda o blogue da "aguasfurtadas" e conheça a capa deste número 9.

Romance no feminino

Aqui deixarei o meu curto testemunho sobre dois livros de duas escritoras premiadas pelos respectivos romances: «Ao meu filho», de Marilynne Robinson, Difel, Maio de 2006 (Gilead, 2004); «A Acidental», de Ali Smith, Bico de Pena (Colecção Pena de Pato), Maio de 2006 (The Accidental, 2005).
O livro de Marilynne Robinson, vencedor do Pulitzer de 2005, é daqueles que exige paciência e pertinácia. Uma noite, a páginas tantas, dei por mim a fechá-lo e a sentenciar “para continuar em breve, quando o vagar assim o permitir”. Em abono da verdade, irritava-me o tom de escrita tipicamente visível numa beata de sacristia ou numa sua dignitária.
Na manhã seguinte, havendo dado a solução final como irrefutável, já me preparava para ler o segundo livro referido neste texto, no entanto o rapazito louro de costas nuas, de macacão envergado – e por favor nada de pensamentos obscenos ou de asseverações sobre a minha presuntiva apetência sexual transgressora –, chamava por mim, apelando à minha irritante teimosia de nunca deixar um livro a meio. E assim foi, a Ali poderia esperar mais dois dias.
Robinson escreve pela mão de um sacerdote baptista que pressentindo a iminência da morte resolve transpor para o papel as suas memórias em tom epistolar, cujo destinatário é o seu filho ainda impúbere, resultado de uma união tardia com uma mulher com idade suficiente para ser sua filha.
O livro, de estilo confessional, é um tratado à utilidade da experiência de vida para que, através dela e dos seus ensinamentos – apesar de deslocados no tempo –, os desafios que se nos deparam a cada piscar de olhos não se revelem como muros de pedra intransponíveis que nos imobilizem em definitivo sem vontade lutar, resignados perante as forças exteriores e esquecendo que a vida deverá ser uma troca equilibrada de ensinamentos numa relação biunívoca entre o nosso ser e o ambiente que nos rodeia.

Terminado o livro, iniciei a leitura do romance de Ali Smith. Se até aí o meu estado de espírito era lúgubre, sombrio e desassossegado, A Acidental foi o objecto que me retirou do quarto escuro e bafiento e me transpôs para um prado verde a perder de vista, sentindo uma brisa fresca e deleitosa a correr-me pela face.
O vencedor do Whitbread Novel Award de 2005 e finalista (shortlist) do Booker Prize de 2005 é um hino à criatividade da escrita, à polivalência narrativa e à destreza de falar com génio e humor sobre assuntos sérios e perturbantes, como a massificação de relacionamentos e de comportamentos na sociedade contemporânea.
Neste livro Ali Smith é mágica, leve e surpreendente. Posso afirmar, sem receio de errar por muito, que Smith é a Murakami das ilhas britânicas, porém menos carregada e séria.
Tal como em Murakami, neste romance de Smith o transcendental pulula sobre toda a narrativa, coabitando em perfeita harmonia com a enfadonha e cansativa rotina diária. A cada parágrafo damos por nós à procura das entrelinhas, das mensagens subliminares, do imaginário que por sobre nós vagueia sem que disso dêmos caso, mas existe porque possuímos a particularidade inata de poder sonhar que se constitui como uma espécie etérea de oxigénio que alimenta a nossas células de características inimitáveis.
Ali Smith, traz-nos um romance a quatro vozes, com estruturas narrativas díspares, que nos dão o enquadramento da intriga sob a perspectiva de diversos ângulos como numa obra cinematográfica.
É simplesmente genial e de leitura imprescindível!
Para terminar, fazendo justiça, gostaria de destacar dois pontos: os excelentes trabalho e nota de tradução (“Ali Smith e o tradutor (in)visível”) de Tânia Ganho; as qualidades gráfica, de composição e estética proporcionadas pela neófita Editora Bico de Pena. Atrevo-me a dizer que é uma pedrada no charco no acabrunhado panorama editorial português, a par de outras editoras que foram surgindo no último ano, designadamente a Objecto Cardíaco.
Sobre a Bico de Pena deixo aqui uma breve descrição retirada daqui:

«Esta editora escreve, por enquanto, com bicos de quatro penas diferentes: Pena de Pato – Ficção literária. Com a pena de pato – a matéria-prima mais comum para os bicos de pena – editamos uma literatura que é tudo menos comum... Pena de Pavão – Literatura gay. Um lilás discreto, mas indubitavelmente lilás, para criar algum contraste numa terra de matiz cinzenta. O melhor, e só o melhor, da literatura gay de todo o mundo. Pena de Galo – Literatura erótica. Dos clássicos do erotismo aos mais contemporâneos artesãos literários do amor, são pintados com a pena de galo todos os matizes da sensualidade. Pena de Cisne – Literatura clássica. Um novo cânone de clássicos, um contraponto aos tomos vetustos que compõem as bibliografias das nossas vidas.»

A não perder...

...este texto do guardabel no Pobo do Norte.

[via o CAA do Blasfémias]

terça-feira, 16 de maio de 2006

Expiação

Desenganem-se aqueles que julgam que vou expor aqui os meus considerandos sobre a obra-prima homónima de Ian McEwan – a par de «Amesterdão», na minha modesta certeza.
Pronto, feito o reparo, vamos ao móbil deste texto.
Escrever na blogosfera tem na realidade um lado pernicioso e na maioria das vezes não intencional.
Quantos de nós, daqueles que, tal como eu, neste preciso momento lêem este texto, não se arrependeram dos efeitos de alguns artigos que após publicação geraram um de dois tipos de sentimentos: (1) enxergar que o tom usado não foi o correcto, logo sujeito a deturpações e à criação de potenciais conflitos com os leitores que de forma alguma era o seu objectivo inicial; (2) a escrita voraz, meramente emocional, quando algum assunto nos toca em particular, não se podendo recuar quando a razão regressa e se verifica que já há muito havíamos carregado no botão “publish post”.
A única solução para este tipo de casos, à luz da minha verdadeira idiossincrasia – está-me no sangue e aqueles que comigo privam reconhecem-no –, é o pedido de desculpas ou o desfazimento do mal-entendido.
Hoje já pus em prática os dois tipos de solução expiatória e, curiosamente, com dois bloggers que muito estimo de nome Luís: o Luís Naves do
Corta-Fitas (solução primeira) a propósito disto e o Luís Carmelo do Miniscente (solução segunda) em razão deste meu texto.
Há quem afirme que a assumpção do erro ou do mal-entendido em público – principalmente neste pequeno mundo da blogosfera – nos torna vulneráveis ao ataque dos tubarões que buscam, de forma incessante, as nossas fraquezas, como a agitação das águas provocada por quem está na iminência de se afogar. Eu, porém, vejo no acto de pedir desculpas – quando não falaz ou manhoso – um nobre exercício de justiça, de reposição da verdade quando a nossa consciência não consegue repousar, porque houve algo que involuntariamente criámos que infligiu mal – qualquer que seja a gradação desse mal – em alguém que manifestamente não o merecia – se é que há mal que seja merecido!
Esta é a minha maneira de ser! E, por mais obsessivo que isto vos possa parecer, não consigo fazer descansar a minha cabeça quando sei que uma injustiça foi cometida, cujo responsável é o dono da alma que habita o meu corpo.

segunda-feira, 15 de maio de 2006

De C está o mundo cheio!?

O Henrique aguçou-me o apeti… a vontade de discorrer.
C, 3.ª letra do alfabeto; se vitamina é ácido entrava-escorbuto; se símbolo químico é carbono que é elemento orgânico no qual, fatalmente, nos vamos transformar um dia.
C é a inicial do nome daquela que comigo quis concluir a vida – diferente de acabar com ela (vida), que isso é dos padecedores de gamofobia.
Porém, C no nosso idioma é fonte de muita obscenidade – se Freitas, licenciosidade.
Quase tudo que na Cama praza começa por C, seja qual for a orientação que dermos aos órgãos, seja qual for o gozo que deles se retira.
A minha escolha não significa que seja a preferência para o comum dos mortais e que, simultaneamente, repudie a diferença, porque é um direito de terceiros que não interfere com a minha liberdade de poder escolher a C; até bem pelo contrário, alargou-me o leque de opções, todo um manancial de grandezas e de atavios que povoam de lubricidade um cérebro tipicamente receptivo ao desembaraço da testosterona pelos fundilhos agrilhoada.
Já que dela viemos, é para ela que alguns de nós querem voltar.
Não a refiro, chamo-lhe só C. Exorto-a mas enrubesço na hora que dela, em público, quero falar. Até porque C é, por si só, uma palavra de fonética resvaladiça, que nos enche a boca numa violência palatal. C é glótica, é um signo semiótico.
É significante e significado, está aí onde dizes
Henrique e, melhor ainda, está onde um homem, consentido, quiser!

Separados à nascença? (2.ª edição)

Esta é dedicada ao nosso eminente blogger Eduardo que, laboriosamente, busca por esse mundo fora imagens de nós mesmos noutro tempo, noutro lugar, com uma outra existência.

Neste caso falo de dois escritores: um britânico de 52 anos, outro um português ilustre de 44.

Alan HollinghurstFrancisco José Viegas

É isso mesmo, Alan Hollingurst, autor do fabuloso romance «A Linha da Beleza», galardoado com o Booker Prize de 2004, e o nosso Francisco José Viegas – é impossível não se gostar dele, já que irradia bonomia – autor em destaque com a publicação, em 2005, do seu último romance «Longe de Manaus», notável nas suas arquitectura e enredo, que inclui o meu muito apreciado inspector Jaime Ramos. Ambos integraram a lista que enviei ao programa de autoria de FJV na RTP "Livro Aberto", como os melhores livros de ficção editados em Portugal em 2005, em conjunto com outros sete romances.

Nota: ver aqui a 1.ª edição do “Separados à nascença”.