sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

O embuste

Brokeback MountainTantos encómios, louvores, prémios e galardões, e só me resta uma palavra para classificar o último filme do taiwanês Ang Lee chamado “O Segredo de Brokeback Mountain”: medíocre.
A novidade – e não originalidade, porque considero que este termo só deverá ser aposto a uma obra digna desse epíteto – da relação homossexual entre dois sheepboys por si só não justifica os metros de celulóide despendidos.
Se no papel Jack fosse Jacqueline Twist, desempenhado por exemplo por uma quase sempre andrógina Hillary Swank, ouviríamos a crítica a torpedear o filme de Ang Lee como “mais uma comédia romântica, descartável, para o entretenimento das massas” ou “é apenas um mero produto da catarse de um povo que vive oprimido pelas agruras quotidianas das suas vidas de classe média” ou até por uma proposição redutora de “parolo e sensaborão”, e por aí em diante.
Já sei o que estarão a pensar, este exercício é puramente demagógico e falacioso, uma vez que é precisamente na relação homossexual entre dois canastrões de chapéu de cowboy que se encontra o âmago do filme. Logo, retirar isso seria a mesma coisa que colocar Hannibal Lecter como um vegetariano empedernido.
Admito que sim. Porém, irei apenas focar dois pontos que não poderão ser considerados como simples pormenores:

  • Péssimo elenco – isto se exceptuarmos o experiente Randy Quaid, embora pouco relevo tenha no filme. O australiano Heath Ledger – Ennis del Mar – é um actor sofrível, sem profundidade, sem eloquência, sem o necessário carisma ou até charme para representar um grande papel – vamos a ver se tudo isto será confirmado no seu antagónico papel de Casanova, de Lasse Hallström. Jake Gyllenhaal – Jack Twist – promete, mas não passou da simples mediania nesta película cujo argumento, em abono da verdade, também não ajudava. Considero-o um actor em potência – e note-se que tem apenas 25 anos, traduzindo-se pela a adolescência de um actor na máquina dos sonhos da Academia de Hollywood, de notar que o Óscar para melhor actor raramente desce os 30 anos; estou expectante pela sua performance no próximo filme do mestre Fincher – “Zodiac” – ao lado de Gary Oldman e Robert Downey, Jr.
  • Um argumento paupérrimo, sem chama, sem genialidade ou momentos de brilhantismo. Larry McMurtry – que já arrecadou um Pulitzer – é o homem que adaptou a história escrita para a revista New Yorker pela também Pulitzerada E. Annie Proulx. McMurtry é também conhecido nas lides artísticas pela autoria do romance “Laços de Ternura”, no qual se baseou o filme com o argumento adaptado pelo, esse sim, genial James L. Brooks, e que pôs meio mundo de lágrimas nos olhos. Contudo, mais do que os adjectivos, convém atentar no primeiro diálogo do filme – imenso em silêncios que nada conseguem traduzir – entre os dois amásios protagonistas:
    «Jack: Jack Twist.
    Ennis: Ennis.
    Jack: Your folks just stop at Ennis?
    Ennis: Del Mar.
    Jack: Nice to know you, Ennis del Mar.»

Se há coisa que me irrita é esta falsa piedade pelas vítimas dos pretensos homofóbicos. Prefiro mil vezes ver a série de televisão britânica “Queer as Folk”, criada por Russell T. Davies, transmitida até há bem pouco tempo pela 2:! Aí, pelo menos, não há subentendidos e pretensas lições de moral, mostra-se a homofobia como ela é na actualidade.

Na madrugada de 5 para 6 de Março, sentar-me-ei no meu sofá e adoptarei uma pressuposta postura de “anti-Brokeback-Mountain”.

[Adenda] - Seria deveras injusto não referir aqui o final do filme, não por uma questão de simples alívio, mas pela excelente canção interpretada por Willie Nelson, e escrita por Bob Dylan, “He was a Friend of Mine”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo completamente com o seu post. Num comentário a um texto de um colega no blog que administro, disse exactamente o mesmo.

Eu não vejo os óscares. Não gosto de espectáculos desse género, mas para já, torço por Crash! Ainda me falta ver 2 ou 3 dos candidatos.

Cumprimentos