quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Benjamin Button, um assalto retroactivo?

Um dia um tal de Francis, Tenente do Exército americano, jurara à sua atrevida boneca provinciana Zelda que haveria de ser famoso. Conseguiu. Francis e Zelda casaram após a confirmação da iminência de uma carreira literária de sucesso.
Porém, o alto padrão de vida que mantinham, e procuravam manter, associada à destruição progressiva de uma vida pela boémia permanente, transformaram o estúrdio Tenente Francis numa máquina de produção de contos e novelas, que eram pagos à peça em revistas da especialidade e não só. Francis escreveu perto de duzentos contos, para um período de escrita tão curto (1920-1940) e se lhe acrescentarmos os cinco romances, com destaque para o inigualável O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 1925) e o magistral Terna é a Noite (Tender is the Night, 1934), assim como o projecto de romance que redundou no inacabado e espantoso O Último Magnate (The Last Tycoon), e outras dezenas de artigos que, tal como os contos, foram publicados em revistas de reconhecido mérito, como a Scribner’s, a Harper’s, a Esquire, a Kenyon Review, ou até a Vanity Fair, percebemos que Scott era um trabalhador incansável, que provavelmente o conduziu, outros abusos à parte, à sua morte prematura nas cercanias do Natal de 1940.
A 27 de Maio de 1922, a extinta revista Collier’s publica nas suas páginas (ocupando cerca de 9 páginas dessa edição) o conto The Curious Case of Benjamin Button, mais tarde integrado numa mão cheia de antologias de histórias do próprio autor.
Hoje, o mesmo conto faz parte do domínio público, podendo ser descarregado na íntegra e de forma gratuita, na sua versão original, nas páginas do Projecto Gutenberg [ficheiro Zip], integrado na colectânea Tales of the Jazz Age, publicada em 1922 pela editora Charles Scribner’s Sons.
Hoje, o conto de F. Scott Fitzgerald ressuscitou das cinzas. Narra a história de Benjamin Button, nascido em 1860 em Baltimore, no Estado do Maryland, com a estranha idade de 70 anos, e que rejuvenesce até ao alvor da conturbada década de 1930. Segundo dizem os livros, Scott Fitzgerald escreveu a história inspirando-se nas palavras de um dos mais brilhantes pais fundadores das letras norte-americanas, Mark Twain (1935-1910) – o homem cuja existência está ligada a um fenómeno assaz curioso, nasceu e morreu entre duas aparições consecutivas do famoso Cometa Halley, em datas muito próximas, em ambas as ocasiões, do seu perigeu –, que referiu que o homem devia nascer velho, quando as preocupações e todos os problemas de vários níveis o atormentam, e morrer no berço, sem consciência da morte.
David Fincher foi o realizador escolhido para levar ao ecrã a fantástica história de retroactividade existencial. Eric Roth foi o argumentista escolhido – vencedor de um Óscar em 1995 pela adaptação do romance de Winston Groom, Forrest Gump; foi o responsável pelos argumentos de filmes como O Informador (The Insider, 1999) de Michael Mann ou Munique (Munich, 2005) de Steven Spielberg, e pelo guião de autênticas aberrações fílmicas como O Mensageiro (Postman, 1997) de Kevin Costner, ou de O Encantador de Cavalos (The Horse Whisperer, 1998) de Robert Redford, ou do mau de mais para ser verdade Mr. Jones (1993) de Mike Figgis. Roth partiu da história original de Fitzgerald, e reconstruiu com a incansável Robin Swicord, uma história trasladada para o século XX e para a cidade de Nova Orleães, no Estado do Luisiana, quando esta é fustigada pelo furacão Katrina.
O filme estreia esta quinta-feira (dia 15) em Portugal.

Entretanto, aproveitando os milhões aplicados na promoção do filme, a Editorial Presença resolveu publicar uma tradução inédita do conto de F. Scott Fitzgerald – que, como se referiu acima, tem pouco que ver com a história levada ao grande ecrã pelo realizador de Denver.
O livro dispõe de 75 páginas, com 61 páginas úteis (as que incluem a história, entre páginas em branco na mudança de capítulo, ficha técnica e título), com as dimensões de 23 por 15 cm, letra de tamanho 13, com margens bastante folgadas. E pasme-se: P.V.P. 10 euros.
Sobre o referido conto já não recaem direitos de autor, quando muito a editora teve de pagar à produtora do filme o direito de utilização das imagens da capa e da contracapa e os honorários (à cabeça ou em percentagem do volume de vendas) à tradutora (Fernanda Pinto Rodrigues).
Repete-se à saciedade que os livros em Portugal são caros. Não partilho dessa opinião e basta atentar nos preços normalmente praticados noutros países. Todavia, isso não significa que não deixe de considerar que os direitos de propriedade intelectual são ridiculamente baixos, principalmente no caso dos novos autores, face ao preço do produto final. No entanto, neste caso específico da publicação em Portugal de O Estanho Caso de Benjamin Button, o preço é excessivo, para não usar uma expressão mais severa e acutilante – para isso, basta o título deste texto…
Scott morreu em 1940, Zelda em 1948, Frances “Scottie” (filha única do casal) deixou o mundo dos vivos em 1986 com descendência que não renovou, ou nem tão-pouco herdou, os direitos de autor sobre as obras do avô.
O súbito e legítimo interesse dos leitores pela história epónima que serve de base ao filme de Fincher, levou a que editoras de todo o mundo a editassem usando uma de duas soluções: publicação em separado, retirando-a das quatro ou cinco antologias em que estava inserida; ou publicação de uma nova antologia cujo título era emprestado pelo próprio conto.

Eis seis exemplos:

  • Alemanha – editado pela Diogenes, 70 pp., €5,90;
  • Espanha – editado pela Lumen (de capa dura, inclui mais 7 contos), 272 pp., €18,90;
  • Estados Unidos – editado pela Juniper Grove, 32 pp., $5,95 (aprox. €4,50 ao câmbio do dia);
  • França – editado pela Gallimard (bolso, inclui mais 1 conto), 103 pp., €2;
  • Itália – irá ser editado pela Guanda (livro ilustrado), 130 pp., €14;
  • Reino Unido – editado pela Penguin (inclui mais 6 contos do autor), 208 pp., £7,99 (aprox. 8,78 € ao câmbio do dia).

Nota final: Em 19 de Junho de 2008, a propósito do anúncio da data de estreia da 7.ª longa-metragem de David Fincher, publiquei aqui o primeiro capítulo (de onze) do referido conto, com tradução, eminentemente livre, de minha autoria. A dita tradução corresponde ao intervalo fechado de páginas entre a 7 e a 18 da edição de 75 páginas da Presença; sendo a 18 uma página em branco, corresponde a 11 páginas úteis, num total de 61, ou seja, traduzi cerca de 18% da obra. Neste momento, sinto pena de não haver traduzido os restantes 82%, destinados àqueles que têm reais dificuldades com a língua inglesa… mas, porventura, seria trabalho de burro, sem recompensa recíproca, ou seja, o esforço não seria acompanhado de uma massagem blogosférica no ego com o aumento do número de visitas.

2 comentários:

J. Manuel Outeiro disse...

Pois eu animo o senhor a acabar o trabalho de traduçom. Acho que com certeza seria retribuído com muitas visitas e é bem provável que eu nom fosse o único a dar publicidade à traduçom na internet, em blogues ou fóruns.

Com certeza, visto que o filme já é candidado a importantes prémios, como os BAFTA, e ainda na próxima terça-feira serám notícia mundial as suas nomeações aos Óscares, antes da entrega destes em Fevereiro, o seu trabalho de traduçom poderia ganhar muitos leitores, se for aqui publicada. E se o filme vencer nalgumha das mais relevantes categorias em que concorre nos Bafta ou concorrer nos Óscares, o reconhecimento será ainda maior.

A propósito, sabe que o Nunca Mais conta já com quatro "seguidores" através da nova funcionalidade do Blogger?
http://www.blogger.com/followers.g?blogID=9036940850860356548

André Moura e Cunha disse...

Obrigado, meu caro irmão galego.
Um abraço