quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Murmansk

(Agora, perdido na noite sem sono, depois de uma mais do que prematura cedência aos braços de Morfeu, um espantoso cansaço que se manifestou logo após o jantar, invento coisas para que o sono não se perca em definitivo nas brumas da aurora que não tarda em chegar.
A casa em silêncio, lembrei-me de Button, que perdura instalado em definitivo na minha memória, como um organismo vivo, mutável, como uma entidade estranha alojada na minha mente pronta a receber as emanações feéricas da sua arte.
Insónia. Assalta-me a mesma sensação de conforto por saber que as três mulheres que partilham a minha vida, a minha casa, dormem protegidas, apenas vulneráveis às investidas dos sonhos.)

Murmansk, 1941. Palácio de Inverno, hotel. Benjamin Button (Brad Pitt) conhece Elizabeth Abbott (Tilda Swinton), inglesa casada com um espião disfarçado de chefe da delegação de comércio britânica em Murmansk, União Soviética. Um dos momentos mais belos do filme de David Fincher (com a excelente direcção de fotografia a cargo de um tal de Claudio Miranda, será luso-descendente ou brasileiro?):


Brad Pitt e Tilda Swinton em O Estranho Caso de Benjamin Button

«[Na cozinha do hotel, a meio da noite]
Elizabeth: E de onde é?
Benjamin: Nova Orleães, Luisiana.
Elizabeth: Não sabia que existia outra.

E falou-me de todos os lugares onde tinha estado, o que tinha visto. E falávamos até ao amanhecer. Depois voltávamos para os nossos quartos, para as nossas vidas separadas. E todas as noites, encontrávamo-nos de novo naquele salão. Um hotel durante a noite pode ser um lugar mágico. Um rato a correr e a parar. Um radiador a sibilar. Uma cortina a esvoaçar. Há qualquer coisa de tranquilo, até de confortável, em saber que as pessoas que amamos estão a dormir nas suas camas, onde nada as pode magoar.
Ambos perdíamos o rasto da noite, até ao romper do dia.

Elizabeth: Creio que talvez lhe possa ter dado uma ideia errada.
Benjamin: O que disse?
Elizabeth: Bom, não é normal mulheres casadas ficarem sentadas durante a noite em hotéis a conversar com estranhos.
Benjamin: Eu não faço mínima ideia do que faz ou não faz uma mulher casada.
[Elizabeth levanta-se e abandona a cozinha]
Benjamin: Boa Noite!»

Extraído do guião escrito por Eric Roth, baseado na versão original de 2002 de Robin Swicord e do conto O Estranho Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 1922) do escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald. [tradução: AMC]

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