sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O desmadonnizado

Janeiro, 16. Três filmes contabilizados – se esta média for para manter, verei durante o corrente ano menos um filme que em 2008 (68). Mas a matemática e a estatística não se coadunam com a minhas volatilidade emocional e consistente inconsistência.
Primeiro, o fraquinho A Troca (Changeling, 2008) de Clint Eastwood, que se salva pelo excelente desempenho de Angelina Jolie, embora, tenha de admitir, que, pela história de base, o filme poderia ter facilmente resvalado para o melodrama grotesco e xaroposo, bem ao estilo dos metros de celulóide desperdiçados com peliculas que se baseiam em livros de Nicholas Sparks.

Numa das salas do ex-AMC, há já alguns anos rebaptizadas com a sigla UCI – tiveram essa descortesia para com o meu nome, a não ser que mude o meu nome próprio para Urbano (o que seria incoerente dada a minha irritabilidade crescente nos tempos que correm, somatizada numa coloquialidade discursiva e comportamental a rasar a grosseria) ou para um homérico Ulisses (não, não sou assim tão afanoso e empenhado) –, foi acrescentado um efeito sonoro, que, decerto, não influenciará os votantes desta categoria para os Óscares deste ano dada, por um lado, a distância geográfica e, por outro, uma eventual surdez do Echelon, efeito que poderia haver-se designado por “cascata”, “impetuosidade aquosa” ou “micção elefantina”: chovia dentro da sala, como se se houvesse materializado no tecto da dita cuja um fontanário de bica larga, impotente para deter tamanha descarga celestial. Resultado: a gerência do referido multiplex ofereceu a cada pessoa presente no putativo pantanal a possibilidade de assistir de graça a um outro filme, em qualquer dia, a qualquer hora. Bem-haja.
Gastei o vale. Decidi, em cima do acontecimento, que iria ver o último filme do santo, arcanjo, ou até Cristo ressuscitado Guy Ritchie – qualificativos que lhe assentam bem dado ter aturado durante anos aquela mulher inconcebível. RocknRolla, era o nome do filme. Ritchie é daqueles realizadores que por mais filmes que realize transmite a sensação de ter feito sempre o mesmo filme. Cheiro-me a Snatch – Porcos e Diamantes (a sala até se encontrava bem asseada), principalmente no histerismo cadencial das cenas, nos personagens, até no estribilho curto e acelerado de imagens que em Snatch funcionou tão bem com Dennis Farina.
Guy, agora com quarenta anos, despoluído de toda a carga de excentricidade, apimbalhada, sudorífera até (pronto, que querem, a dita cuja senhora sempre que aparece diante dos meus olhos, faz activar os meus detectores de um forte, adocicado e repugnante odor axilar), pode começar a viver de novo, e quiçá tal rompimento haja potenciado as suas capacidades criativas, aguardando-o uma série de filmes por si dirigidos que entrarão directamente, sem o necessário envelhecimento em casco de carvalho francês, para o panteão da cinematografia mundial. Ou então, descobre que é mesmo um completo fracasso enquanto cineasta e encontra a sua verdadeira vocação, desaparecendo na massa anódina de estivadores, também sudoríferos, que enrijecem corpo e alma nas docas de Southampton.
Salvam-se a banda sonora, sugerindo ao espectador ter sido objecto de uma selecção meticulosa, e a fantástica participação dos maravilhosos The Subways, com um dos seus êxitos de 2005, do álbum Young for Eternity, “Rock & Roll Queen”.
Mas, por enquanto, deixo aqui ficar o vídeo “I’m a Man” dos franceses Black Strobe, que dá vida ao excelente genérico (outra das escassíssimas coisas que valem mesmo a pena no filme) e, como bónus, permanecerá na barra lateral o som de The Subways:


Nota: no início do texto referi três filmes e, na realidade, não houve da minha parte qualquer lapso matemático. Aqui, neste texto, apenas deveria falar de dois. O terceiro merece um texto individual num futuro (próximo ou não, depende sempre da minha variável pachorra). Levantando a ponta do véu, não poderia estar mais em desacordo com o, a par de João Lopes, melhor crítico de cinema em Portugal: tempus fugit, porém, acrescento com alguma esperança (seja ela qual for), ars longa vita brevis.

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