Passariam uns dez minutos das nove da manhã. Escuro, o céu forrado de cúmulos-nimbos, um frio de rachar cortado apenas pelo aquecimento do carro e pelas palavras quentes que saíam da boca de I. a caminho de mais uma jornada de luta – que saudades desses tempos revolucionários de palmo e meio – no seu colégio… de freiras.
Inquieta, interrogava-me sobre as forma e cor inauditas daquelas nuvens. Eu, com um ouvido na TSF, Obama e a tomada de posse, e outro no espanto verbalizado por uma pirralha de cinco anos perante a magnitude da paisagem atmosférica, ia dando as minhas doutas respostas, um deus-pai da meteorologia e de qualquer assunto, a confiança cega que mais tarde se transforma numa dolorosa descoberta: ele afinal não sabia tudo; tem defeitos; bazófias; podendo até, em fases extremas, redundar num parricídio de contornos pasolinianos.
Chega a pergunta inevitável:
– Papá, achas que vai haver trovoada?
Esboço um sorriso sardónico como meio indispensável para a produção do necessário efeito ansiolítico, e imperiosamente determino que isso seria um disparate, dada a inexistência da massa de ar quente… salvo pelo gongo, a buzina do carro de trás apressa-me a encontrar um lugar, o portão do colégio está próximo. Estaciono em segunda fila. Se fosse Aristófanes dir-te-ia o que farias com a tua buzina ligada à cabeça… Aspecto exterior: impassível.
Agasalho-a, aperto-a nos meus braços e diz-me na sua candura: – depois logo contas-me, papá.
Separámo-nos. Desligo a luzes de emergência e entro de novo no carro. O candidato à imprecação aristofânica desapareceu. Cem, duzentos metros. Ainda mal se emudecera na minha face o doce e terno beijo lambuzado da despedida e abate-se sobre o meu carro uma chuva de granizo, segundos antes anunciada por um forte trovão.
Brindo à minha erudição climatérica: bravo, papá, acertaste.
De quem é a culpa?, pergunto-me. A resposta óbvia não tarda…
Se a tua mãe num domingo deste querido mês de Agosto me tem dado ouvidos e não te tem levado à praia onde uma Senhora da Nazaré (ou similar) levada em ombros a banhos de água salgada por uma multidão garrida ao som de salvas de morteiros a cada mistério rezado, talvez hoje, querida I., não tivesses medo dos trovões…
Inquieta, interrogava-me sobre as forma e cor inauditas daquelas nuvens. Eu, com um ouvido na TSF, Obama e a tomada de posse, e outro no espanto verbalizado por uma pirralha de cinco anos perante a magnitude da paisagem atmosférica, ia dando as minhas doutas respostas, um deus-pai da meteorologia e de qualquer assunto, a confiança cega que mais tarde se transforma numa dolorosa descoberta: ele afinal não sabia tudo; tem defeitos; bazófias; podendo até, em fases extremas, redundar num parricídio de contornos pasolinianos.
Chega a pergunta inevitável:
– Papá, achas que vai haver trovoada?
Esboço um sorriso sardónico como meio indispensável para a produção do necessário efeito ansiolítico, e imperiosamente determino que isso seria um disparate, dada a inexistência da massa de ar quente… salvo pelo gongo, a buzina do carro de trás apressa-me a encontrar um lugar, o portão do colégio está próximo. Estaciono em segunda fila. Se fosse Aristófanes dir-te-ia o que farias com a tua buzina ligada à cabeça… Aspecto exterior: impassível.
Agasalho-a, aperto-a nos meus braços e diz-me na sua candura: – depois logo contas-me, papá.
Separámo-nos. Desligo a luzes de emergência e entro de novo no carro. O candidato à imprecação aristofânica desapareceu. Cem, duzentos metros. Ainda mal se emudecera na minha face o doce e terno beijo lambuzado da despedida e abate-se sobre o meu carro uma chuva de granizo, segundos antes anunciada por um forte trovão.
Brindo à minha erudição climatérica: bravo, papá, acertaste.
De quem é a culpa?, pergunto-me. A resposta óbvia não tarda…
Se a tua mãe num domingo deste querido mês de Agosto me tem dado ouvidos e não te tem levado à praia onde uma Senhora da Nazaré (ou similar) levada em ombros a banhos de água salgada por uma multidão garrida ao som de salvas de morteiros a cada mistério rezado, talvez hoje, querida I., não tivesses medo dos trovões…
Ah, meu marialva, comigo a culpa é sempre da mulher. As voltas que a vida… perdão, o texto dá.
1 comentário:
Havias de levar com um pedregulho de granizo bem no alto da testa. E digo-o com todo o amor e carinho que me mereces, meu sacripanta! Beijinhos.
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