Na passada sexta-feira, o inigualável e imbatível Charlie Rose dedicou 40 minutos do seu programa a uma antevisão sobre os possíveis vencedores e vencidos (filmes e actores) que sairão do Kodak Theatre no próximo dia 22, a propósito da 81.ª cerimónia de entrega dos Óscares da Academia.
Para o efeito, Rose convidou dois dos mais prestigiados críticos de cinema norte-americanos: David Denby da revista The New Yorker e A.O. Scott do jornal The New York Times. Críticos com gostos dissemelhantes e de gerações diferentes, que escrevem em dois dos mais importantes órgãos de informação do país, também distintos entre si. Todavia, uma dissensão de fundo cavava, à partida, um fosso entre as opiniões dos dois críticos, e Rose sabia-o: O Estanho Caso de Benjamin Button. Denby considera-o um dos piores filmes do ano – obviamente em termos retóricos, mera estratégia opinativa, argumento falacioso pelo exagero – deixando no ar, a certa altura a pergunta ridícula, «Como podemos ter pensamentos profundos sobre o que é essencial e artificialmente concebido?» Esta questão retórica servindo-se de um impudico sofisma, tentou responder à afirmação categórica de Charlie Rose «eu adorei este filme», completando e justificando o seu deleite fílmico com a angústia que o filme lhe transmitiu pela impossibilidade de amar, causada, na sua essência, por um heteróclito processo de envelhecimento (ao contrário), porém utilizável e plausível nos domínios da ficção.
O que Denby não percebeu ou não quis perceber, munido das suas farpas apriorísticas, e Rose entendeu e não se pôde exceder na sua limitativa qualidade de entrevistador perante um perito da 7.ª arte, é que a beleza do próprio filme reside na confabulação do processo de rejuvenescimento que, à partida e de imediato, soaria ao ouvido de qualquer homem como um ideia maravilhosa mas que choca com o preestabelecido na natureza, o ciclo inexorável nascimento-envelhecimento-morte. Trata-se da refutação, pura e simples, da hipótese inicial formulada por Scott Fitzgerald com base nas palavras de Mark Twain (que por aqui já foram por diversas vezes citadas). Em suma, não é por se padecer de todos os males geriátricos no início de vida e morrer inocente nos braços maternos, sem qualquer conhecimento daquilo que resultou de uma experiência de vida, que os seres humanos deixarão algum dia de sofrer as cruéis vicissitudes da existência no momento. O sofrimento não desaparece, e, pelo desencontro dos processos de transitoriedade existencial, dificulta ainda mais, numa visão romântica, a concretização da aspiração mais sublime de um ser humano: o amor. Denby diz que rejuvenescer não faz parte da nossa experiência, diz tratar-se de uma «distorção peculiar da nossa existência» e que dramaticamente nunca existiu na vida real, assim a obra é «absorvida pela sua própria mecânica», para de seguida acabar por confessar que admira o filme em termos técnicos – convenhamos que, para pior filme do ano, não é nada mau...
A.O. Scott, um defensor do filme de Fincher, confessa que a cada crítica de Denby, dá por si a admirar cada vez mais o filme, não por uma questão de teimosia infantil, mas por aquilo que os detractores tentam pôr a nu, que é, nem mais, nem menos, onde se situa o código genético da obra, onde reside toda a beleza do filme.
Depois temos um momento potencialmente embaraçoso ao minuto 29:45, quando Rose pede aos seus convidados para dissertarem sobre outro dos filmes nomeados, The Reader do realizador britânico Stephen Daldry – o criador de As Horas (The Hours, 2002), baseado no romance homónimo de Michael Cunningham, vencedor do Óscar para “Melhor Actriz” pela soberba interpretação de Nicole Kidman na pele de Virginia Woolf. Voltando ao debate, são quase três minutos e meio de zurzidela no filme protagonizado por Kate Winslet, com um hilariante remoque à, segundo eles, péssima interpretação de Ralph Fiennes.
Por fim, sem focar outros aspectos do curioso debate e para resumir, ambos os críticos são unânimes ao considerar que seria feita justiça em atribuir, pelo menos, os Óscares para “Melhor Filme” e “Melhor Actor” (Sean Penn) a Milk de Gus Van Sant.
Para acabar de forma apoteótica, Charlie Rose, um veterano e um ícone da PBS e dos meios de comunicação americanos, termina o debate dizendo «que foi a melhor conversa sobre filmes que alguma vez ocorreu naquela mesa.»
Eis o vídeo:
Para o efeito, Rose convidou dois dos mais prestigiados críticos de cinema norte-americanos: David Denby da revista The New Yorker e A.O. Scott do jornal The New York Times. Críticos com gostos dissemelhantes e de gerações diferentes, que escrevem em dois dos mais importantes órgãos de informação do país, também distintos entre si. Todavia, uma dissensão de fundo cavava, à partida, um fosso entre as opiniões dos dois críticos, e Rose sabia-o: O Estanho Caso de Benjamin Button. Denby considera-o um dos piores filmes do ano – obviamente em termos retóricos, mera estratégia opinativa, argumento falacioso pelo exagero – deixando no ar, a certa altura a pergunta ridícula, «Como podemos ter pensamentos profundos sobre o que é essencial e artificialmente concebido?» Esta questão retórica servindo-se de um impudico sofisma, tentou responder à afirmação categórica de Charlie Rose «eu adorei este filme», completando e justificando o seu deleite fílmico com a angústia que o filme lhe transmitiu pela impossibilidade de amar, causada, na sua essência, por um heteróclito processo de envelhecimento (ao contrário), porém utilizável e plausível nos domínios da ficção.
O que Denby não percebeu ou não quis perceber, munido das suas farpas apriorísticas, e Rose entendeu e não se pôde exceder na sua limitativa qualidade de entrevistador perante um perito da 7.ª arte, é que a beleza do próprio filme reside na confabulação do processo de rejuvenescimento que, à partida e de imediato, soaria ao ouvido de qualquer homem como um ideia maravilhosa mas que choca com o preestabelecido na natureza, o ciclo inexorável nascimento-envelhecimento-morte. Trata-se da refutação, pura e simples, da hipótese inicial formulada por Scott Fitzgerald com base nas palavras de Mark Twain (que por aqui já foram por diversas vezes citadas). Em suma, não é por se padecer de todos os males geriátricos no início de vida e morrer inocente nos braços maternos, sem qualquer conhecimento daquilo que resultou de uma experiência de vida, que os seres humanos deixarão algum dia de sofrer as cruéis vicissitudes da existência no momento. O sofrimento não desaparece, e, pelo desencontro dos processos de transitoriedade existencial, dificulta ainda mais, numa visão romântica, a concretização da aspiração mais sublime de um ser humano: o amor. Denby diz que rejuvenescer não faz parte da nossa experiência, diz tratar-se de uma «distorção peculiar da nossa existência» e que dramaticamente nunca existiu na vida real, assim a obra é «absorvida pela sua própria mecânica», para de seguida acabar por confessar que admira o filme em termos técnicos – convenhamos que, para pior filme do ano, não é nada mau...
A.O. Scott, um defensor do filme de Fincher, confessa que a cada crítica de Denby, dá por si a admirar cada vez mais o filme, não por uma questão de teimosia infantil, mas por aquilo que os detractores tentam pôr a nu, que é, nem mais, nem menos, onde se situa o código genético da obra, onde reside toda a beleza do filme.
Depois temos um momento potencialmente embaraçoso ao minuto 29:45, quando Rose pede aos seus convidados para dissertarem sobre outro dos filmes nomeados, The Reader do realizador britânico Stephen Daldry – o criador de As Horas (The Hours, 2002), baseado no romance homónimo de Michael Cunningham, vencedor do Óscar para “Melhor Actriz” pela soberba interpretação de Nicole Kidman na pele de Virginia Woolf. Voltando ao debate, são quase três minutos e meio de zurzidela no filme protagonizado por Kate Winslet, com um hilariante remoque à, segundo eles, péssima interpretação de Ralph Fiennes.
Por fim, sem focar outros aspectos do curioso debate e para resumir, ambos os críticos são unânimes ao considerar que seria feita justiça em atribuir, pelo menos, os Óscares para “Melhor Filme” e “Melhor Actor” (Sean Penn) a Milk de Gus Van Sant.
Para acabar de forma apoteótica, Charlie Rose, um veterano e um ícone da PBS e dos meios de comunicação americanos, termina o debate dizendo «que foi a melhor conversa sobre filmes que alguma vez ocorreu naquela mesa.»
Eis o vídeo:
Sem comentários:
Enviar um comentário