quarta-feira, 26 de abril de 2006

Há dias assim!

Salvador Dali - La desintegración de la persistencia de la memoria Salvador Dali, La desintegración de la persistencia de la memoria, 1952/54


Prostrado, sentado em frente ao teclado, nem tese, nem blogue. Não me saem as palavras de Cervantes, tão-pouco as de Camões.
Lá fora o mundo pula e avança, num bulício que enjoa só de olhar. Exauriram-se-me as forças e parece que o mundo vai acabar. Leio Tabucchi, mas canso-me a cada duas páginas e assalta-me uma angústia que me divide em dois: não deverias estar a escrever a tese? Olhas os prazos! Não escreveste uma linha sequer!?
Como se fosse isso, páginas em branco à espera de serem marteladas por cúmulos de doutrina que repousam em hibernação na minha cabeça.
Como se não precisasse de paz, de inspiração, de quietação!
Como se num gesto de pura magia brotassem parágrafos em barda, dispostos segundo os cânones do método científico, com notas de pé de página que cita aquele que cita o outro, que por sua vez ejaculou a puta de uma teoria que sabemos que não está certa mas é a que existe e é a que se convencionou utilizar. Somos reféns dos econometristas, dos matemáticos, daqueles cérebros de "2+2" que vomitam fórmulas para nos facilitar a vida! Que merda de ironia!
Faz a tese! Vem-te, porra!
Se houvesse um galardão para o labor mais estúpido do mundo, esse iria, com certeza, para o processo de fabricação de uma tese, ou melhor, para invenção de um modelo que satisfaça uma turba douta e sapiente, que do tema nada percebe, mas que se masturba com duplos integrais, somatórios, produtórios, derivadas, limites, regressões, citações, chavões… puta que os pariu!
Ouço Sigur Rós, Hoppípolla, marejam-se-me os olhos, adensa-se o nó na garganta.

Agora, por fim, ouço Brel

«Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des
malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le cœur du bonheur
Ne me
quitte pas

(...)»

Já a seguir retomo Tabucchi e as memórias do gangrenado Tristano. Pode ser que volte… o estro!

6 comentários:

Anónimo disse...

(...) ejaculou a puta de uma teoria que sabemos que não está certa mas é a que existe e é a que se convencionou utilizar. (...)

A puta da vida é mesmo assim.
Desde quando é que não é verdade "o que hoje é mentira, amanhã é verdade e vice-versa"?
Olha os políticos!
Escreve em caracteres chineses que os gajos até ficam parvos...

Anónimo disse...

É bem verdade, infelizmente!
Vou aproveitar a sugestão.
Um grande abraço

Anónimo disse...

Há tarefas duras que temos mesmo de ser nós a executá-las. Ainda que as ejaculações sejam, por vezes, difíceis de concretizar, o início pode muito bem ser uma massagem, neste caso ao ego.
Um grande abraço!

Anónimo disse...

Difíceis de concretizar, sniper?!? Bem, adiante, este comentário é para o AMC... Estás à espera de quê para avançar com essa maldita tese? Que a vida te passe ao lado? Mais? Tens tudo para ser mais que a vida e entraste num mundo paralelo do qual fazes questão de não sair. Que profissão do pai vai a tua filha escrever na caderneta da escola? Blogueiro ou devorador de livros? Talvez professor universitário fosse de longe melhor. Mas, para isso, falta uma tese. Porque te adoro posso escrever isto. Não deixes que a vida continue a passar-te ao lado.

Anónimo disse...

Tens toda a razão, minha querida. Mas as forças não vêm quando a vida nos trai. Porém, aqui estou eu sentado a escrever estas curtas linhas, de ficheiro aberto em castelhano onde hoje – sim, hoje! – se me vão soltando as palavras – ¡joder!
Aqueles que me calcaram nisso não me conseguiram vencer e jamais o lograrão: a minha perseverança na finalização do trabalho que me propus realizar.
No máximo dos máximos 1 ano, para que me possas chamar Doctor e essa é a minha melhor arma perante o mal infligido.
Beijinhos e obrigado!

Anónimo disse...

Irei chamar com o mesmo orgulho de quem já te define como um dos melhores amigos. Hasta la victoria siempre!