quarta-feira, 12 de abril de 2006

Um esclarecimento

A propósito deste texto de JPT no Ma-Schamba, escrevi esta breve nota na sua caixa de comentários e dela fiz eco neste blogue.
O tema centra-se na passagem dos 500 anos do início do pogrom de Lisboa, em 19 de Abril de 1506, e de uma vigília agendada para o mesmo dia deste ano – próxima quarta-feira – no Rossio em Lisboa, onde foram chacinados milhares de judeus ao mando de um celerado D. Manuel I, o venturoso – para muitos o pai do declínio de Portugal com os seus devaneios de prepotência e de magnificência.
Não me manifestei contra a vigília, só referi que nela não iria participar. Em primeiro lugar, por uma simples questão logística ou de distância meramente física – mas esta perde a importância toda perante a que se segue. Depois, porque não me revejo – e está-me no sangue – nesse tipo de exteriorizações, seja de que índole for: religiosa ou política, de agravo ou de desagravo. Todavia, reconheço aos outros – sem presunção de espécie alguma, aliás digo isto na mais genuína das humildades – o direito inalienável de expressão do mais íntimo das suas indignações, dos seus sentimentos de injustiça, das suas revoltas perante impunidade dos actos dos poderosos mais cruéis, tanto no passado como no presente.
Não acenderei uma vela no Rossio no próximo dia 19, todavia, tal como referi aqui nos comentários a
este texto do Francisco José Viegas, a minha vela acender-se-á transfigurada num sentimento de culpa no mais profundo da minha alma porque sou português e porque um dia me orgulhei, numa ignara sapiência, de alguns feitos logrados à custa do sangue dos inocentes – e não me venham com a historieta dos mouros e das guerras travadas na península, denominadas sob o título de reconquista cristã; tratava-se de uma guerra, e quem lá vai dá e leva, como diz o ditado.
Nuno, Lutz e Francisco rogo-vos que não interpretem mal as minhas palavras – e daí a necessidade deste esclarecimento, neste habitual ambiente exaltado e hiperbólico da nossa blogosfera.
Como já mencionei, sou um católico de número. Fui baptizado aos 3 ou 4 meses, consto dos registos paroquiais e posso receber os restantes sacramentos da liturgia católica.
No entanto, essa é a minha parte insubstancial que se transmuta num número, que se usa para ser extrapolado nas discussões teológicas ou ecuménicas.
Eu sou daqueles que partilham a máxima do “crer para ver” – ok, já estou a citar o último romance de Auster, ainda mal o comecei a ler. Transformei-me num inconsequente de um céptico, não niilista, porém ateu, para a grande mágoa do meu querido pai, um católico dedicado e ritualista.
Os meus deuses são os meus ídolos, a minha família, os meus amigos e aqueles que, embora não conhecendo, reputo de infinitamente bons, justos, íntegros e rectos.
Não me levem a mal, é a minha natureza!

Só para terminar, queria aqui deixar uma pequena história verídica. Ocorreu no dia 1 de Março de 1994, no Radio City Music Hall, em Nova Iorque, na sessão de entrega dos prémios Grammy. Frank Sinatra foi previamente indigitado e nesse dia galardoado com o Grammy Legend Award (Lifetime Achievement). O discurso de apresentação do prémio coube a Bono Vox, e recordo-me agora da comoção que se me assaltou e do arrepio que senti durante o discurso enfático do vocalista dos U2. Bono terminou o discurso com estas palavras:

«Ladies and gentlemen, are you ready to welcome a man heavier than the Empire State, more connected than the Twin Towers, as recognizable as the Statue of Liberty, and living proof that God is a Catholic!
Will you welcome the King of New York City, Francis Albert Sinatra!
»

[destaque meu]

11 de Setembro à parte, eu digo que Deus foi católico até ao dia em que o coração o traiu, Francis Albert – 14 de Maio de 1998.
Todavia, para mim, Deus continua a ser judeu, pelo menos desde
3 de Fevereiro de 1947, como poderá ser de outro sentido qualquer. Essa a minha maneira de sentir a presença d’Ele. Perdoem-me!

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