Há mais de um ano quando a neófita e desde logo louvável Sextante Editora entrou na denominada velocidade de cruzeiro editorial – após um arranque atribulado, em que se viu forçada a mudar de nome para evitar possíveis confusões com outras editoras no mercado, e escolheu este que corresponde a uma editora brasileira –, publicaram-se, numa base sistemática, obras originais de autores nacionais, que acabaram mais tarde por ser objecto de atribuição de importantes prémios literários, e optou-se por uma escolha criteriosa de obras, na sua maioria inéditas em Portugal, de autores estrangeiros consagrados. Enquadram-se neste último caso nomes como Cheever, Echenoz, A.S. Byatt, Pasternak, Truman Capote, Le Clézio e o meu mui estimado autor norte-americano Don DeLillo.
Em Novembro de 2007, a Sextante publicava O Homem em Queda (Falling Man), o último romance do ilustre escritor nova-iorquino – pessoa responsável pela epígrafe deste blogue – publicado originalmente em Maio desse mesmo ano nos Estados Unidos, com uma tradução exemplar de Paulo Faria (aliás, em harmonia plena com o seu padrão de trabalho).
Em suma, o meu júbilo pelo anúncio, embora não tenha tido paralelo após leitura pela qualidade do romance de DeLillo – em boa verdade revelou-se uma pequena decepção –, deveu-se mais à oportunidade temporal da sua publicação – meio ano após a publicação original, o que é raro no meio editorial nacional –, como também pela escolha do mencionado tradutor, Paulo Faria, um dos poucos nomes cuja inscrição nas primeiras páginas de um livro me deixam a firme certeza de não ter de ingerir um (ou vários) Xanax por uma tradução exasperante.
A talho de foice, dada a minha comprovada listomania – que alguém, não me lembro de quem (deve constar de um dos textos deste blogue, cuja bela preguiça não me permitiu encontrá-lo), condenou os colegas listómanos ao padecimento da síndrome de Asperger – apresentarei, num dia destes, uma pequena (dada a escassez de matéria-prima) relação dos melhores tradutores nacionais.
Na badana da contracapa do dito romance, houve um conjunto de caracteres que se destacou pelo brilho ofuscante da asseveração que aí era produzida, pelo menos para um delilliano (um verdadeiro trava-línguas):
«Obras de Don DeLillo / A publicar / Ruído branco / Underworld»
Assim que li aquela badana, perguntei-me por que motivo se duplicaria a publicação de uma obra [Ruído Branco] que ainda estava perfeitamente acessível no mercado livreiro, na sua versão de 1991 da Presença? Seria pela sua constatada tradução mais que sofrível, encomendando para o efeito a sua retradução a um notável tradutor da nossa praça?
A segunda resposta afigurava-se-me positiva. De facto, a tradução de White Noise (1985) de Rui Wahnon, tal como ocorreu com a de Libra (1988), é de exasperar um santo bibliófilo, moderadamente apreciador das obras de DeLillo. E o mercado literário e os seus consumidores só têm a ganhar com traduções posteriores que procurem corrigir as traduções existentes e com isso captar, de forma mais eficaz, a verdadeira essência, o espírito que o autor emprestou à obra.
Ruído Branco é, na realidade, um romance arrebatador, profundamente envolvente, admirável na gestão das expectativas do leitor, no recobro do seu fôlego, em suma, é uma obra genial engendrada por um colosso literário. Das oito* entre as catorze obras de ficção escritas por Don DeLillo – deixando de parte os contos e as peças de teatro – que tive a feliz oportunidade de ler, aquela é, sem sombra de dúvida e na minha pessoalíssima opinião, a melhor obra do autor de Nova Iorque, com a qual, este, até aos dias que correm, venceu o seu único National Book Award (o de 1985).
É oficial. Acabei de receber a informação enviada pela própria editora:
«Novidade de Outubro: Ruído branco, de Don DeLillo.»
Aconteceu o que temia depois de ler aquela badana, cuja informação transcrevi. Underworld, considerada a magnum opus de DeLillo, iria ficar para segundo plano. E esta predição baseou-se, essencialmente, em dois factores:
- As mais de oitocentas páginas da versão original da obra; logo, potencialmente menos vendável, dispendiosa em termos de edição, e a exigir uma tradução original sem rede ou sem muletas de edições anteriores;
- A tradução já existente da Editorial Presença, cuja edição deverá estar prestes a esgotar, aliada – e torna-se imperioso realçar este aspecto – à notoriedade de uma obra consideravelmente menos volumosa – a 1.ª edição de 1991 da referida editora não passou das 325 páginas (irão ser 400 na versão da Sextante).
Mas o choque foi ainda maior, quando no dito auto de notícia pude ler «Tradução do inglês / por Rui Wahnon». Ai, não!
Resta saber se rectificada pelo próprio que, é justo dizer-se, partilhou responsabilidades com o trabalho de revisão de um talvez adormecido Fernando Cunha Rebelo, ou dissecada por um revisor literário mais atento e conhecedor das falhas da tradução de 91. Se assim não for, pese embora a mudança de editora, trata-se de uma mera reimpressão em casa nova, que não acrescenta nada de positivo à obra traduzida, apenas perpetua o erro; ao invés da recomendável reedição de uma obra-prima da literatura americana traduzida com zelo e mestria que não faça desmerecer esse epíteto em português e que lhe foi merecidamente aposto pela versão original em língua inglesa.
Quanto a Underwold (1997)**, só me resta esperar, de preferência deitado em colchão ortopédico não vá o diabo tecê-las.
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*Nota, obras lidas de DeLillo: Cão em Fuga (1978), Os Nomes (1982), Ruído Branco (1985), Libra (1988), Mao II (1991), O Corpo Enquanto Arte (2001), Cosmópolis (2003) e O Homem em Queda (2007).
**Nota, honras e prémios literários concedidos à obra Underworld: finalista vencido do National Book Award 1997 (perdeu para O Regresso do Soldado – Cold Mountain de Charles Frazier), do Pulitzer Prize for Fiction de 1998 (perdeu para o memorável Pastoral Americana de Philip Roth) e do concurso pontual, realizado em 2006, pelo The New York Times – Best Work of American Fiction of the Last 25 Years (perdeu para Beloved de Toni Morrison, autora galardoada com o Prémio Nobel da Literatura em 1993); venceu o American Book Award em 1988, o Jerusalem Prize (1999), o William Dean Howells Medal (2000) e o Riccardo Bacchelli International Award (2000).