domingo, 18 de junho de 2006

Uma das nossas proezas

Tem-se ouvido até à náusea que dos fracos não reza a História. Porém, por mais repetitiva e enjoativa que se revele essa asserção trata-se da verdade nua e crua que matiza em tons escarlate a nossa civilização, porque os factos escondidos mais sórdidos são trazidos à luz do dia por um lençol freático que se cansou do agrilhoamento infligido pelas paredes rochosas, que acabam por confirmar a história dos vencedores ao difundir a verdade dos vencidos.
Sobre os escombros dos vencidos vamo-nos coroando de honras e glórias, transmitidas de geração em geração, à laia de uma purga tão habilidosa como lúgubre e sombria.
Esta é a purga histórica que fez, por exemplo, os espanhóis orgulharem-se de Cortéz e Pizarro, os ingleses de Sir Francis Drake, os franceses de Napoleão Bonaparte e nós do nosso inefável, coveiro-mor do reino, D. Manuel I, o venturoso.
É isto a História? Será a vil manipuladora que instrumentalizou o passar dos séculos injectando cargas amnésicas num povo ufano da sua ancestralidade?
Hoje creio que não, apesar da evidente manipulação dos democratizados instrumentos de vivificação da memória colectiva.

Tudo isto para anunciar a publicação do livro «Betraying Spinoza: The Renegade Jew Who Gave Us Modernity» da filósofa, romancista, ensaísta e professora universitária em Harvard, Rebecca Goldstein.
Da
recensão de Harold Bloom no New York Times retirei o seguinte parágrafo (recordando-me do artigo de Ferreira Fernandes aquando da lembrança dos 500 anos do Pogrom de Lisboa em Abril passado):
«Spinoza's family were Portuguese Marranos, enforced Jewish converts to Roman Catholicism who returned to Judaism when Calvinist Holland permitted it. Portugal, like Spain, destroyed its prosperity and much of its culture by expelling Jews and Moors, or by converting them into second-class New Christians under perpetual threat of Christian acts of the faith, public burnings that served both as spiritual purification and popular entertainment. Though he evaded Christianity, Spinoza gladly absorbed many of its slanders against Judaism. I am justly angry when he employs "Pharisee" as a term of abuse, in the manner of the New Testament: what did he think of Hillel, a better human being even than himself? And though Spinoza argued against miracles, and did not accept the divinity of Jesus Christ, he praised Jesus as the greatest of the prophets, surpassing Moses.»

Afinal, está-nos no sangue!

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