segunda-feira, 19 de junho de 2006

Chico

A Fátima lembrou e bem. Chico completa hoje 62 anos, simplesmente a doce e sábia idade do meu pai.
Chico, Tom e Elis acompanharam o meu crescimento, mesmo antes de João Gilberto. Numa altura em que os rótulos a mim nada me diziam. MPB ou Bossanova? Para mim era igual. Era o Brasil, o incomensurável Portugal no outro lado do Atlântico, como um espelho de hemisfério invertido, por isso alegre, num eterno forró; onde as palavras de Camões saem abertas, adocicadas e desafectadas. O mar, o mar… mais o calor que emana daquelas vozes que, por certo, numa lógica osmótica transformou aquela natureza.
Em jeito de homenagem ao autor e precursor do perdidos na tradução que se materializou em Budapeste e da rebaptizada, desde Melbourne, Cohna & Casta Agência Cultural, deixo aqui as letras que o seu punho escreveu. A minha preferida, idos anos de 1981, tinha eu nove:

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita

Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita

A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita

Se seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura

Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra

É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita

Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito

Amo tanto e de tanto amar
Em Manágua temos um chico
Já pensamos em nos casar
Em Porto Rico

Chico Buarque, Tanto Amar (Almanaque, 1981)

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