sexta-feira, 30 de junho de 2006

Traulitadas

Prova-se à saciedade que, como diz o Pedro Correia recorrentemente no seu Corta-Fitas, o futebol é o ópio do povo. Basta o decurso de dois singelos e aprazíveis dias sem futebol e a injecção brasileira de patriotismo eScolarizado perdeu a sua potência sedativa.
A recente efervescência entre os irascíveis
blasfemos e o epifenómeno bloquisto-mediático Arrastão centra-se na medição do grau de malvadez dos regimes autocráticos de direita e de esquerda. Sugiro que para o efeito se crie uma nova disciplina no campo das ciências: a Autocratimetria.
Se por um lado há Hitler, Mussolini, Franco, Pinochet e se quiserem até Getúlio Vargas e Salazar, por outro temo Estaline, Ceausescu, Mao Tsé-Tung, Pol Pot… e fico-me por aqui.
Com isso, nota-se que a 1.ª Guerra Civil Lusa na blogosfera está em pleno período de incubação.
Meçam lás a pilinhas de direita e de esquerda e depois sistematizem a informação em tabelas de dupla entrada.

Vamos aos livros, que se faz tarde!
Aqui vai um livro que recomendo aos… hetero não homofóbicos (classe na qual me incluo), aos homofóbicos e hetero-de-pendor-marialva (aconselhando, simultaneamente, a ingestão de uma pastilha rosa de Xanax 0,5 mg antes da leitura e de uma violeta de 1 mg para depois), aos homo em geral, e aos Presto em particular.

Bem, isto foi para dizer que gostei da última prosa do Frederico Lourenço, «A Máquina do Arcanjo». Obra de não-ficção, de tom eminentemente confessional, onde o autor/narrador discorre, sem qualquer tipo de parcimónia ou de um excessivo pudor de Tartufo, sobre a sua devoção católica, as suas preferências sexuais e o seu período de transição da adolescência para a idade adulta, que, para o autor, representou a passagem do celibato auto-imposto para a vida sexual activa, dando a conhecer de que modo essa assunção afectou o seu trajecto profissional: abandonou o estudo da música e dedicou-se às letras, tendo enveredado por um estudo aprofundado da cultura helénica – tal como hoje o conhecemos.
Em A Máquina do Arcanjo aparece-nos um Lourenço mais solto, temerário até, se o compararmos com o Frederico de «Amar não acaba» (ed: Cotovia, 2004), mais reservado, cauteloso e explicativo.
Neste livro apesar de Frederico não descrever as cenas de sexo – à laia de um Brett Easton Ellis (recorrendo-se a um exemplo de um autor contemporâneo) e que confessa sentir algum pudor num possível exercício do género –, há toda uma tensão que se desprende no ar e que enxameia a sua leitura, porque construído sob uma putativa paridade entre casais heterossexuais e homossexuais, embora a censura social sentida na pele pelo próprio autor esteja sempre presente ao longo da narrativa.
Depois, tal como no Amar não acaba, o Frederico revela certos enlevos pessoais que me dizem muito; principalmente quando escritos pela pena de um alfacinha de gema – como é o caso – que só mais tarde descobriu o Porto, o Douro e o Minho, e que fazem palpitar o coração de um nortenho mais ou menos convicto da paixão pelas suas raízes, sem que com isso me refira aos tacanhos divisionismos e às apologias da guerrilha regional – isso fica para a clubite futebolística, da qual partilho.
Para acabar, e em jeito de sabatina, A Máquina do Arcanjo é um subtil exercício de resistência ao trauliteirismo homofóbico.

Referência completa:
Frederico Lourenço, A Máquina do Arcanjo, Cotovia, Abril de 2006, 96 pp.

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