quarta-feira, 14 de junho de 2006

Desvarios na Feira

A 76.ª edição da Feira do Livro do Porto terminou no Domingo passado. A de Lisboa terminou ontem ao que parece sem que houvesse vivalma que se dignasse a ouvir o angustiante silvar do seu último estertor.
Não sei como se finou aqui no Porto, embora não advinhe algo de diferente. No entanto posso testemunhar aquilo que presenciei nas duas vezes que me desloquei ao plastificado Pavilhão Rosa Mota – por falar nisso o nosso Rui, Rio de contentamento, parece que a quer levar de novo aos Aliados; ah, que austero e espartano este rapaz me saiu por querer devolver a chuva aos letradíssimos clientes portuenses!
A 1.ª peregrinação (2.º dia da Feira)
Cheguei às três da tarde aos Jardins do Palácio debaixo de um calor abrasador. Tomei o meu café na cafetaria da Biblioteca Almeida Garrett e fiquei surpreendido por verificar que já havia uma pequena multidão, que se acotovelava na luta por uma sombra, à espera que as nobres e luxuosas portas de vinil se abrissem de par em par.
Às dezasseis horas em ponto um zeloso – e decerto letrado – funcionário encavalita-se numa cadeira do mais nobre pinho e desata os luxuriantes fios de nylon, que quem sabe haviam copulado num frenesim nocturno com as feminis aldrabas debruadas a latão da Argentina.
Por fim, às dezasseis horas e quinze minutos, lá pisei a passadeira vermelha que me conduzia àqueles espectrais volumes de celulose cravados de caracteres da mais fina arte, que me vão dando novos mundos ao meu mundo – ou como diz o João, citando Malraux, a apreciar a ideia do livro enquanto amigo certo e silencioso.
De repente vi-me na feira de Espinho a comprar camisas Sacoor e Ralph Lauren originais, made in Amares ou Nogueira da Regedoura, tal era a anarquia e a displicência na arrumação das bancas. Hiperventilei, desesperei, endemoninhei-me e finalmente saí apenas com menos 20 euros e com dois livros adquiridos: um na Caminho, o outro na Difel.
Antes desse desenlace fiz a pergunta da praxe na banca na qual, teimosa e petulantemente, costumo marcar Presença há alguns anos para cá, para ver se obtenho a mesma resposta: «Tem o X e o Y do P.A.?», pergunto eu; «Deixe-me ver aqui no computador… hum… Pois aqui não temos, mas se pedir numa livraria para nos encomendar, eles pedem-no e o senhor já os pode comprar.»
Termino sempre com esta frase de mim para comigo, à laia do longínquo Urtigão: «Cuméquié!»
A editora edita livros, que despacha para livraria que vende livros, que os troca por dinheiro com o leitor. Assim, a editora que edita, é mais papista que o Papa, nega-se à venda directa e mete, à boa maneira portuguesa, um intermediário para atrapalhar, para este lhe dizer, neste caso, que o livro está esgotado na editora, coisa que a editora que os edita não soube dizer ao leitor que, com o seu dinheiro, permite a sobrevivência da editora.
'Da-se!

Nota: o 2.º episódio continua num dia destes.
Cenas do próximo episódio: rios de dinheiro, seis sacos e vinte livros. Agradecimentos à Gradiva e à Dom Quixote.

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