Enquanto se vão agigantando os latidos, que rapidamente se transformaram numa vozearia de onde apenas emerge o insulto gratuito com marca corporativa registada, em reacção ao exercício profissional da crítica cinematográfica por quem tem autoridade não apenas pericial, mas sobretudo cultural para o fazer, vou-me divertindo com o festival da exultação da obscenidade animalesca da era do cine/telelixo de que alguns são responsáveis, soltando umas merdas de vez em quando que, prontamente, me disponibilizo para ceder para análise escatológica da obra de arte – afinal, a problemática excrementícia é ultrapassada com a transubstanciação da ficção para uma mera realidade documental: era manteiga de amendoim misturada com chocolate.
«O domínio no qual desaparecem os excrementos depois de termos puxado o autoclismo constitui de facto uma das metáforas do Além sublime-horripilante do Caos pré-ontológico primordial no qual as coisas se esfumam. Embora racionalmente saibamos o que acontece aos excrementos, o mistério imaginário persiste – a merda continua a ser um excesso que não se encaixa na nossa realidade diária, e Lacan tinha razão quando afirmou que passamos de animal a humano a partir do momento em que o animal fica sem saber o que fazer dos seus excrementos, quando estes se tornam um excesso que o incomoda.»Nota: a talho de foice, ainda hoje divulgarei as minhas preferências para os Óscares de 2009, que, apesar de não constituírem grande novidade para quem me lê e comigo twitta, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, teriam de surgir numa listagem organizada.
[O pensador esloveno remete-nos para O Vigilante (The Conversation, 1974) de Francis Ford Coppola, e às actividades investigativas de “Harry Caul” (Gene Hackman) que culminam num estranho sucesso conseguido pelo explosivo refluxo da sanita imaculada. (nota: AMC)]
«Mais uma vez, é claro que sabemos que os excrementos que desaparecem se encontram algures na rede de esgotos – o que é aqui “real” é o buraco topológico, ou a torção topológica, que “curva” o espaço da nossa realidade, de tal modo que percepcionamos/imaginamos os excrementos a desaparecer numa dimensão alternativa que não faz parte da nossa realidade quotidiana.»
Slavoj Žižek, Lacrimae Rerum, pp. 178-179.
(Lisboa: Orfeu Negro, 1.ª edição, 2008, 277 pp; tradução de Luís Leitão; obra original (antologia de ensaios sobre cinema): Lacrimae Rerum, 2005)
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