segunda-feira, 13 de março de 2006

Hostilómetro

A complexificação das actividades económica e financeira, assim como o crescente afastamento entre o fluxo real propriamente dito (económico) e os fluxos financeiros que ocorrem paralelamente – calcula-se que uma simples transacção em termos reais abarque uma centena de movimentos financeiros de suporte –, trouxeram ao mundo da gestão empresarial um manancial de disciplinas que derivam de um tronco comum, com uma terminologia própria e necessariamente prática para lidar com uma série de conceitos até então desconhecidos e com o intuito de simplificar toda uma actividade.
Ora, nos dias que correm é mais do que geralmente aceite que, para além de um conhecimento geral ou pluridisciplinar de base, a especialização é a forma mais eficaz para a resolução dos problemas do dia-a-dia, e isto tem vindo a ocorrer, ao longo dos tempos, em tudo aquilo que se designa como actividade humana: medicina, economia, direito, engenharia, arquitectura… e até nos trabalhos eminentemente manuais.
Assim, é de vital importância que os nossos jornalistas que se dedicam à informação sobre assuntos económicos e/ou financeiros disponham de conhecimentos específicos na área, que não se adquire nas escolas de jornalismo, mas em cursos de especialização ou de pós-graduação, e até – por que não? – através da realização de cursos de mestrado ou de doutoramento.
Com a OPA da Sonae sobre a PT e a de hoje do BCP sobre o BPI, os nossos jornalistas andavam numa azáfama – que até metia dó – perguntado a tudo e a todos, e até questionando-se a si próprios, se a oferta pública de aquisição era ou não hostil!
No Dicionário da Língua Portuguesa On-line da
Priberam, hostil define-se por:
«(…) que é de inimigo, próprio de inimigo; adverso; agressivo; contrário; provocante.»
Depois deste ponto de ordem, cabe perguntar: no âmbito das ciências económicas e empresariais, o que significa hostil, quando este adjectivo é apenso ao acrónimo OPA?
Neste caso, exigia-se, pelo menos, a consulta de um dicionário da especialidade – que existem aos pontapés numa livraria ou num sítio da Internet perto de si!
Só para esclarecer, uma Oferta Pública de Aquisição, como o próprio nome indica, significa que determinada empresa oferece em bolsa – mercado organizado e com regras previamente definidas – um determinado valor pelo capital de outra empresa, que é representado por um conjunto de títulos – acções – na posse de um grupo mais ou menos alargado de accionistas, com o objectivo de controlar os activos por eles detidos.
A definição de hostil ou amigável – infelizmente para alguns – não representa um facto susceptível de encher as páginas de uma publicação da imprensa cor-de-rosa, nem se trata de uma simples declaração de guerra para aniquilar o putativo inimigo.
Uma OPA é hostil se os representantes da contraparte – conselhos de administração ou executivo, directores ou gestores – considerarem, por alguma razão, que esta operação não serve os interesses dos seus accionistas ou pode fazer perigar os seus direitos.
O que Paulo Teixeira Pinto, Presidente do Conselho de Administração do Millennium BCP, referiu aos jornalistas foi que no ordenamento jurídico português este era o único caminho, ou seja, afastada a hipótese de fusão – pela dispersão do capital – o comprador (ofertante) tem que lançar publicamente, com comunicação prévia à entidade reguladora – em Portugal a CMVM – a proposta de compra sobre todo – e saliente-se a última palavra – capital da empresa, sem discriminar accionistas, tanto os institucionais como os simples particulares.
Uma OPA não dispõe de graus de intensidade. Pode-se qualificar como hostil ou amigável, numa escala que não é contínua, é maniqueísta, ou é ou não é!

Por que cargas de água anda toda a gente preocupada com a hostilidade?

Será que a pressão das audiências implica que um simples negócio em bolsa se torne num folhetim aparentemente pleno de reviravoltas? Ou será pura ignorância?

1 comentário:

Anónimo disse...

Meu caro André,
Está equivocado!
O que os repórteres procuravam saber não era se era "hostil" mas sim "ostil". Eles teem necessidade de saber para onde vão as óstias!
...
Já reperou que os grandes e verdadeiros problemas deste país se discutem nos Blogs e não nos media tradicionais?