quinta-feira, 6 de julho de 2006

Comentários desfasados – II

Tal como havia prometido, aqui vem a segunda parte dos comentários que ficaram por fazer devido ao meu dia em branco na blogosfera.
O João Gonçalves escreveu
este texto, pertinente e assaz elucidativo sobre alguns laivos troglodíticos que se corporizam no marialvismo luso.
O texto de Daniel Sampaio é interessante e reforça alguns dos recalcamentos do macho tipo que repudia, de forma veemente, algumas evidências que, agora, se revestem de científicas.
Sobre este assunto, e quando o João
afirma que «as mulheres convivem bem com a sua feminilidade e os homens, pelo contrário, precisam de exibir permanentemente a sua masculinidade para "provar" e "afirmar" que são homens», ocorreu-me um episódio verdadeiramente curioso, à laia de Pedro negando Cristo por três vezes na célebre noite de Quinta-feira Santa.
Num encontro fortuito no Fórum Fnac com três colegas de profissão, do sexo feminino – todas com cerca de uma década a mais de experiência de vida relativamente à minha imatura circunstância de early thirties –, discutia-se literatura e as qualidades de certos romancistas.
Eu, como sempre, defendia os meus autores de eleição e as suas respectivas obras. Até que um dos elementos do trio disse falando para as outras, dando o enfoque especial à relação entre as minhas preferências literárias e a minhas manifestações idiossincráticas no que apenas diz respeito à eterna e estafada dicotomia entre o racional e o emocional: «Não acham que o lado feminino do André está bem desenvolvido?».
Nem houve resposta possível porque, assim que a pergunta foi colocada, vociferei e manifestei de imediato o meu repúdio: «Só faltava dizer que sou gay!», disse-o num tom escarninho, demonstrando a minha indignação.
Logo me acusaram de homofobia, de ser um típico varão troglodita, etc.
Decorridos cinco minutos, dei por mim a pedir as minhas mais sinceras desculpas, já que o teor da dissertação que a minha amiga se preparava para defender era eminentemente laudatório e não depreciativo. Ou seja, que ao contrário da minha reacção violenta carregada de testosterona após o início do debate sobre as minhas qualidades, a minha dicotomia manifestava-se nos autores por mim elegidos e nas acções profundamente emotivas na defesa de determinados valores que considerava como fundamentais.
Assim, a minha amiga dizia-me que, de acordo com as minhas preferências literárias, normalmente elegia autores masculinos em detrimentos dos femininos – é verdade, confesso! Depois, que dentro dos meus autores masculinos conseguia manter o equilíbrio entre os marcadamente masculinos – por exemplo Auster, McEwan, DeLillo e Roth – e os mais feminis porque mais apelativos à exteriorização do profundo emocional – como por exemplo Ishiguro ou Cunningham.

Este singelo episódio é um exemplar retrato desse conflito imanente ao próprio género masculino, o medo da exteriorização dessas emoções que, de acordo com alguns autores, é a base de toda a racionalidade, refutando-se o célebre cogito ergo sum e que vai de encontro às ideias professadas pelo João no seu
texto.

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