domingo, 29 de abril de 2012

terça-feira, 24 de abril de 2012

Emersão da escuridão


São só cinco minutos. Volto já (erigi a placa infernal) ao conforto identitário das trevas na época de triunfo dos esbirros das nobres causas e dos actos majestáticos – os que confortavelmente se consideram semideuses, pais da pátria, canalhas impunes no alto da sua torre de marfim.
E porquê? Apenas para aplaudir o magnífico trabalho da Asa na limpeza de esteticista dos vetustos frontispícios das obras de Paul Auster. São deslumbrantes e o Miguel Seara mostra-as aqui em pormenor.
Aproveito a oportunidade para a publicação da minha volúvel austerlista, que talvez se manifeste numa estranha, porque disciplinada, recapitulação bienal, pela recordação de um instante, o punctum que sobrevém pela câmara clara da minha memória:
  1. Leviathan (1992)
  2. A Música do Acaso (The Music of Chance, 1990)
  3. A Trilogia de Nova Iorque (The New York Trilogy, 1987)
  4. Invisível (Invisible, 2009)
  5. O Livro das Ilusões (The Book of Illusions, 2002)
  6. Palácio da Lua (Moon Palace, 1989)
  7. No País das Últimas Coisas (In the Country of Last Things, 1987)
  8. Sunset Park (2010)
  9. Timbuktu (1999)
  10. Mr. Vertigo (1994)
  11. As Loucuras de Brooklyn (The Brooklyn Follies, 2005)
  12. A Noite do Oráculo (Oracle Night, 2003)
  13. Homem na Escuridão (Man in the Dark, 2008)
  14. Viagens no Scriptorium (Travels in the Scriptorium, 2006)

Imerjo, com o capacete de bombeiro… Por vezes a identificação estética é abalada por uma certa obscenidade de discernimento que estilhaça a convicção do mais devoto, embora neste caso, conceda, é sempre auto-reparável.
«1952. Aos cinco anos, despido na banheira, só, suficientemente crescido para te lavares sem ajuda, e enquanto estás estendido de costas na água quente, o teu pénis fica de repente erecto, emergindo acima da linha de água. Até esse momento, apenas havias visto o teu pénis de cima, de pé e a olhar para baixo, mas a partir desta nova posição estratégica, mais ou menos à altura da linha de visão, discorres que a ponta do teu órgão masculino circuncidado exibe uma semelhança notável com um capacete. Um género antiquado de capacete, como o que os bombeiros usavam nos finais do século XIX. Esta revelação é-te agradável, porque nesta altura da tua vida a tua maior ambição é seres bombeiro quando cresceres, considera-lo como o trabalho mais heróico à superfície da terra (sem dúvida que o é), e quão conveniente é que tenhas um capacete de bombeiro esculpido em ti próprio, precisamente na parte do corpo que, para além disso, se parece e funciona como uma mangueira.»
Paul Auster, Diario de invierno (Winter Journal), pág. 22.
[Tradução: AMC; edição espanhola da Anagrama, Fevereiro de 2012 – a edição original americana é publicada em Agosto.]