sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Uma história de violência… perdão, de 65 milhões

[via Reflexão Portista; perfilados na imagem, com os cargos que ocupavam na altura, (04/Março/2002, na campanha eleitoral do PSD para as Legislativas de 17 de Março, no denominado “jantar-comício do desporto”) da esquerda para a direita, temos: Fernando Seara (presidente da Câmara de Sintra); Luís Filipe Vieira (director de futebol do Benfica e grande higienista paliteiro pós-repasto – uma adivinha: em que comício se apresentou o homem do palito nas Autárquicas de Outubro de 2009? E contra quem?) Pedro Santana Lopes (presidente da Câmara de Lisboa); António Rola (ex-árbitro, funcionário do Benfica, de pé); e Manuel Vilarinho (presidente do Benfica, que no calor da festividade se estatelou ao comprido ao tentar chutar uma bola – homem que nos habitou mal (porque agora resta o vazio) a uma regularidade de momentos de diversão, por exemplo, sete anos volvidos foi protagonista desta excelente intervenção em directo para a RTP, e ainda eram 9 da manhã…)]
Recomendação: Antes da leitura da notícia completa do JN, convém dar um pequeno destaque sobre um novo conceito, a “im(p)unidade vermelho-desportiva” (de facto, como diz o pobre cântico, ninguém os pára):

«A outra parcela dos 18 milhões resulta do compromisso da Câmara de pagar, através da EPUL, os ramais de ligações às infra-estruturas de subsolo para o estádio. Isto valeu ao Benfica oito milhões de euros, sendo que 80% das facturas que cobrou à EPUL respeitavam a serviços de consultoria: só 20% tinham a ver com os ramais. De resto, parte das facturas tinha data anterior ao contrato-programa (…)
Nenhuma irregularidade detectada nas facturas do Benfica foi valorizada, para efeitos de responsabilização criminal dos dirigentes do clube.»
in Jornal de Notícias, 28/Janeiro/2009.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Morreu o pai de “Holden Caulfield”


[Nova Iorque, 1 de Janeiro de 1919 – Cornish, NH, 27 de Janeiro de 2010]
Em vida deixou-nos dois romances (À Espera no Centeio/Uma Agulha no Palheiro – The Catcher in the Rye, 1951; Franny e ZooeyFranny and Zooey, 1961), uma colectânea de contos (Nove Contos – Nine Stories, 1953) e duas novelas, publicadas inicialmente em 1955 e 1959, respectivamente, na revista The New Yorker, condensadas mais tarde num só livro, (Carpinteiros, Levantai Alto o Pau de Fileira e Seymour: Uma Introdução – Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour: An Introduction, 1963). Segundo se dizia, após a fuga definitiva às luzes da ribalta em 1953, nunca parou de escrever, tendo prometido que iria deixar os imensos manuscritos como legado para publicação póstuma – esperando que tenha abandonado a prodigiosamente enfadonha “família Glass”.
Um pequeno mimo do alter ego:
«Os actores com a sua simples presença convencem-me sempre, para meu horror, de que a maior parte do que até agora escrevi sobre eles é falso. É falso porque escrevo sobre eles com um amor inalterável (mesmo agora, ao escrevê-lo, também isto se torna falso), mas com variável talento, e este talento variável não retrata os actores reais de modo vivo e correcto, perdendo-se antes apagadamente neste amor que nunca se satisfará com tal talento e que por isso pensa que está a proteger os actores ao impedir este talento de se exprimir.
»É como se (para o descrevermos figurativamente) um autor se tivesse enganado ao escrever uma palavra e esse erro de escrita tomasse consciência de si mesmo. Talvez não fosse um erro, mas, num sentido muito mais elevado, uma parte essencial de todo o texto. É como se, então, este erro de escrita se revoltasse contra o autor, movido pela animosidade que lhe dedica, como se o proibisse de o corrigir e como se dissesse: “Não, não permito que me apagues, quero manter-me como um testemunho contra ti, de que não passas de um bem fraco escritor”.»
J.D. Salinger, “Seymour: Uma Introdução”, in Carpinteiros, Levantai… op. cit., p. 79
[Algés: Difel, Outubro de 2006, 168 pp; tradução de José Lima]

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Óscares – Melhor Filme Estrangeiro (Parte II)



Em cima do acontecimento, revelei aqui os nove filmes de língua estrangeira pré-seleccionados para integrarem a listagem final de cinco candidatos aos Óscares, a ser divulgada no próximo dia 2 de Fevereiro em Hollywood. Prometi mais considerações, mas antes disso relembro a lista, de certa forma mais arrumada em relação ao texto anterior.

Eis, então, os 9 Semifinalistas (por ordem alfabética do país de origem):
  • Alemanha, O Laço Branco, de Michael Haneke (Das weisse Band // The White Ribbon);
  • Argentina, El Secreto de Sus Ojos, de Juan José Campanella (The Secret in Their Eyes);
  • Austrália, Samson & Delilah, de Warwick Thornton;
  • Bulgária, Svetat e golyam i spasenie debne otvsyakade, de Stephan Komandarev (The World Is Big and Salvation Lurks around the Corner);
  • Cazaquistão, Kelin, de Ermek Tursunov;
  • França, Um Profeta, de Jacques Audiard (Un Prophète // A Prophet);
  • Holanda, Oorlogswinter, de Martin Koolhoven (Winter in Wartime);
  • Israel, Ajami, de Scandar Copti e Yaron Shani;
  • Peru, La teta asustada, de Claudia Llosa (The Milk of Sorrow). 
Algumas observações:
  1. A família Kennedy & afins aglutinados da lusa intelligentsia (Soares & Barroso), viu, não sei com que estado de espírito, o filme realizado por um dos seus rebentos ser preterido pela Academia. Para a 82.ª edição dos Óscares de Hollywood, o nosso venerado e certeiro ICA escolheu o pseudo-pós-modernista (que linda palavra composta) Um Amor de Perdição, realizado por Mário Barroso (nome que foi buscar o melhor aos dois mundos atávicos). Por lá chamaram-lhe Doomed Love, representante, entre outros 64, deste Doomed Country pelo espectro da mediania. Com ou sem assombração paralisante, o nosso país ficou de fora. Já é um clássico que convém alimentar anualmente – sinceramente, não sei se, por alguma vez – e se foi, quantas –, um filme do Mestre Oliveira foi nomeado para enfrentar a concorrência mundial.
  2. Destaco também alguma burrice espanhola nesta edição. Com efeito, quando todos esperavam a nomeação do extraordinário filme de Almodóvar – que deixou a crítica cinematográfica americana uma vez mais rendida à excelência do realizador manchego –, o filme designado para o concurso foi o último realizado pelo madrileno Fernando Trueba, El baile de la Victoria, que nos leva à eterna discussão – embora salutar porque ocupa tempo com inanidades poucos gastadoras de energia cerebral – entre Cinema e Literatura (e as cabras continuam a comer metros de celulóide…) O aclamado realizador de Bela Época (Belle Epoque, 1992; vencedor do Óscar para melhor filme estrangeiro em 1994) resolveu adaptar para o grande ecrã o miserável romance de 2003 do escritor chileno Antonio Skármeta, A Dança da Victoria (El baile de la Victoria), que deve ter deixado a sua marca no autor, porque desde então não publicou obra alguma – entre nós, o livro foi editado pela Dom Quixote no início de 2007, com tradução de João Colaço Barreiros. Com tão fraca matéria-prima não há milagres, e Trueba não é Hitchcock (o autor da imagem das “cabras num manjar de celulóide”) que da mediocridade literária ou dramatúrgica fazia obras de arte inultrapassáveis.
  3. Uma vez mais, a Itália – o país recordista no número de estatuetas arrecadas nesta categoria, definitivamente instituída em 1956 – apostou num filme de Giuseppe Tornatore, que nunca, por incrível que possa parecer, foi sequer nomeado para qualquer categoria destes prémios da Academia de Hollywood – e basta recordar apenas três filmes: Cinema Paraíso, Estão todos bem ou A Lenda de 1900. Este ano, o filme candidato (já eliminado da competição) seria a grande produção autobiográfica Baaria.
  4. A 2.ª fase de selecção, que irá eleger os cinco filmes finalistas para a noite de 7 de Março, irá decorrer no fim-de-semana de 29 a 31 deste mês, com a projecção diária de três dos nove semifinalistas perante os não identificados olhos de elementos pertencentes a duas comissões de peritos cinematográficos: uma originária da terrinha, Los Angeles; e a outra constituída por mentes preclaras de Nova Iorque.
  5. Em antevisão, julgo que a competição irá resumir-se a Haneke e Audiard, fazendo fé nos críticos, e julgando pelos meus olhos, nada parciais, já que não vi os restantes sete. Se bem que haja uma Teta que pode revelar-se indiscreta e enfrentar a parelha…
  6. Finalmente, gostaria de me rui-santificar (neologismo que significa “autopromover”, “armar-se em bom ou convencer-se de que se é muito bom”, mas com a particularidade de existir uma falácia na sua origem que resulta da exposição mediática ad nauseam: consiste em transformar, por insistência, a podridão na mais fresca e angelical das inocências), referindo-me ao fabuloso título do filme em representação da Bulgária, por mim traduzido para o inglês (rui-santifiquei-me mas usei a versão sinónima de “espetar uma mentira com ar grave e sério”, desculpa ), retraduzindo-o para português “O mundo é grande e a Salvação espreita ao virar da esquina”, principalmente se houver uma Maria José Morgado em cada uma delas, ou até duas, a vender “O Menino da Lágrima”, a plastificar documentos e a fechar os olhos ao comércio de escutas-lacradas-on-demand para reprodução público-privada ou em pay-TV.
  7. Como depois de um advérbio de modo conclusivo, surge sempre uma vontade inusitada de dizer mais qualquer coisinha, resolvi prosseguir com mais um par de pontos. E para dizer neste de que gosto, especialmente, da Mama Assustada (título meu, lubricamente traduzido, apesar da tragédia que ela, a teta, simboliza no filme), 2.ª longa-metragem da jovem realizadora peruana Claudia Llosa (sobrinha de Mario Vargas Llosa). Surge como um sério candidato ao Óscar, depois de haver conquistado no Berlinale de 2009 o Urso de Ouro e o prémio do júri da FIPRESCI, capaz de esbotetear a primazia do duo referido no ponto 5.
  8. Toda a informação detalhada nos pontos anteriores foi retirada dos vídeos legendados inseridos na conta do nigeriano Hollypulha no YouTube (irmão do famoso jovem ugandês correspondente do Correio da Manhã), apesar de a sua transcrição estar disponível há muito. Mas como um bom néscio, iletrado, e sobretudo estúpido (coitado de mim) precisei, como acontece com as crianças que, ontogeneticamente, ainda se encontram nos dois primeiros estádios de desenvolvimento – o sensório-motor e o pré-operatório – definidos por Piaget, de umas imagens com bonecos e uma certa animação (do género canal Baby First) para entender o que outrora estava reduzido a caracteres e me inteirar do que já era conhecido há bastante tempo sob a forma de transcrição – podia enveredar pela segunda e única faceta disto tudo, ser um pulha e fingir que não conhecia as transcrições ilegais publicadas em todos os jornais há anos, para com uma admiração abichanada soltar um “aaah!” enquanto levava a mão histrionicamente à boca, que escandaleira… Vou já escrever um artigo no meu cantinho bem pago e dizer, de forma vaga, que estou ofendidíssimo com a justiça, alguns jornalistas e com crime em geral, avisando que a prática de determinados e seleccionados crimes faz mal às pessoas, e nós, como dizia o Nuno Gomes, somos humanos como as pessoas.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Óscares – Melhor Filme Estrangeiro (semifinalistas da 82.ª edição)

Foram ontem (dia 20) anunciados, pela Academia das Artes e das Ciências Cinematográficas de Hollywood, os nove dos sessenta e cinco filmes a concurso que passaram a integrar a lista de semifinalistas candidatos ao Óscar para Melhor Filme Estrangeiro, de onde sairão, no próximo dia 2 de Fevereiro, os cinco nomeados para a sessão de entrega das estatuetas douradas, a realizar no Kodak Theatre no dia 7 de Março (8 de Março, à 1 da manhã, hora de Lisboa) [nota: por preguiça, fiz copy & paste da introdução do texto similar do ano passado].
Eis os 9 Semifinalistas (por ordem alfabética do país de origem):
  • Alemanha, “The White Ribbon”, de Michael Haneke;
  • Argentina, “El Secreto de Sus Ojos”, de Juan Jose Campanella;
  • Austrália, “Samson & Delilah”, de Warwick Thornton, director;
  • Bulgária, “The World Is Big and Salvation Lurks around the Corner”, de Stephan Komandarev;
  • Cazaquistão, “Kelin”, de Ermek Tursunov;
  • França, “Un Prophète”, de Jacques Audiard;
  • Holanda, “Winter in Wartime”, de Martin Koolhoven;
  • Israel, “Ajami”, de Scandar Copti and Yaron Shani;
  • Peru, “The Milk of Sorrow”, de Claudia Llosa.

Mais desenvolvimentos, irritações e pilhérias, assim como amanhar aquela lista de acordo com as estreias em Portugal e os seus títulos originais, ficam para amanhã. Agora vou dormir. Boa Noite.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Para que conste (uma terapia)

Uma das formas que tenho vindo a aplicar para enfrentar a minha mente sobrepujada com assuntos de ordem vária que me perturbam, por outras palavras, um método para tentar reduzir ao mínimo os reveses, sentidos como tal, qualquer que seja a sua origem, consiste na sua exteriorização – inter alia, um desabafo em tom de grito de revolta audível em praça pública, uns murros num saco de boxe, umas buzinadelas auxiliadas por gestos fálicos e impropérios enquanto embarrilado no trânsito infernal desta cidade – através, não de uma escrita rebarbativa no blogue, mas de textos que se reduzam a uma simbologia aglutinadora das falsidades e iniquidades que pululam à frente dos meus olhos e que, cada vez que digito o seu endereço, consiga apaziguar a minha sentida frustração de, pela minha insignificância, não poder desencadear uma guerra de paus e pedras contra esses viciosos do poder (político, jurídico e mediático).
Por tudo o que atrás expus, e para não falar com toda a carga da violência que em mim se vem armazenando sobre um dos assuntos que me apoquenta de momento, figurará na coluna do lado direito deste blogue um singelo contador, devidamente emoldurado, como válvula de escape. Sem adjectivos para certificar a qualidade de: A Bola, o Record, o Correio da Manhã, o Rui Santos, os moderadores e comentadores desportivos da SIC, e muito menos a turba de opinadores escolhida a dedo, cujo ódio visceral ao meu clube é o principal propulsor para os seus panfletos viscosos (pronto, adjectivei), onde pontificam o Daniel Oliveira e os bobos do regime (2.ª adjectivação, paro por aqui, prometo) Quintela e Góis (que há muito deveriam ter levado com processos-crime por injúrias, calúnias e difamação ao meu clube), e até por insultos (não gratuitos, pagos e bem pagos com o dinheiro do Bava e da Golden Share) às inteligência e paciência de todos nós portugueses, por nos entrarem pela casa dentro, sem pedir licença, a proferir barbaridades como “o pinheiro manso de Natal” (é bravo, porra!) e o Rei Mago “Belchior” (é Melchior, ó ignaros!).
Bom, e agora, somando às irritações janeireiras a candidatura de Manuel Alegre a Presidente da República (nunca o espectro da emigração sem retorno andou tão perto por estas bandas), terei de encontrar outro lenitivo em Java. Mais tarde, se por cá andar, explicarei as minhas razões para tamanha repugnância pelo personagem, que, à laia de um Gil Vicente, encarna bem num estereótipo que uma vez tive de enfrentar com todas as forças pelo grau de ambiguidade posicional – chamar-lhe-ia, pela imagética e não só, “Colosso de Rodes”.
Fim.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Globos de Ouro 2009 – Vencedores [corrigido]

Numa sessão enfadonha apresentada pelo auto-cómico Rick Gervais – desde que semi-emigrou tornou-se insuportável – há sempre momentos apelativos. Em abono da verdade, referindo apenas os mais significativos, os pontos altos da noite costumam residir nas tortuosas gincanas, entre mesas atafulhadas de álcool e de correntes de miasmas de hálito fétido de ressentimento dos que ficaram sentados, que os intervenientes premiados têm de percorrer para subir ao palco e agradecer… ao dinheiro (engloba todo espectro daquilo que ele move, incluída a auto-promoção) e aos animais de estimação.
Pois, terminou há pouco no Beverly Hilton em Hollywood a 67.ª edição dos Globos de Ouro, atribuídos pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA). Eis os vencedores na subdivisão “Cinema”:
- O Laço Branco (Das Weisse Band; Alemanha), de Michael Haneke
Melhor Filme (Língua Estrangeira)
- Avatar, de James Cameron (2 G.O.)
Filme (Drama)
Realizador – James Cameron
- Crazy Heart, de Scott Cooper (2 G.O.)
Actor (Drama) – Jeff Bridges
Canção Original
- Up – Altamente! (Up), de Pete Docter e Bob Peterson (2 G.O.)
Banda Sonora Original – Michael Giacchino
Filme (Animação)
- The Blind Side, de John Lee Hancock (1 G.O.)
Actriz (Drama) – Sandra Bullock
- Julie e Julia (Julie & Julia), de Nora Ephron (1 G.O.)
Actriz (Comédia ou Musical) – Meryl Streep
- Nas Nuvens (Up in the Air), de Jason Reitman (1 G.O.)
Argumento – Jason Reitman e Sheldon Turner
- Precious (Precious: Based on the Novel Push by Sapphire), de Lee Daniels (1 G.O.)
Actriz Secundária – Mo'nique
- A Ressaca (The Hangover), de Todd Phillips (1 G.O.)
Filme (Comédia ou Drama)
- Sacanas Sem Lei (Inglourious Basterds), de Quentin Tarantino (1 G.O.)
Actor Secundário – Christoph Waltz
- Sherlock Holmes, de Guy Ritchie (1 G.O.)
Actor (Comédia ou Musical) – Robert Downey Jr.

Até aos Óscares (nomeações a 2 de Fevereiro; cerimónia de entrega a 7 de Março).

sábado, 16 de janeiro de 2010

Deixai vir a mim as criancinhas


Pode parecer que, em tempos recentes, este blogue se acomodou na crista de uma vaga, aparentemente libertadora, de pedoterapia regressiva – um imergir curativo na massa obscura e decerto informe da minha mente, onde se preservam as cicatrizes da pressão de forças contrárias que moldaram o meu ego. Porém, a frase que ilumina o título não é nova – ó luz do mundo (recomenda-se o lenitivo óleo sobre tela de Holman Hunt). Uma só (e breve) ablução involuntária no rio sagrado da doutrina cristã na tenra idade, ministrada por um afanoso proselitista, confere ao púbere prosélito uma certeza da sua prolação há, pelo menos, 1977 anos. Assim nos transformam em objectos de fé que almejam alcançar o estatuto de pobres santos das agruras do mundo, todavia alegres na nossa vivência. Mas como dizia Michaux, num dos seus opúsculos místicos dedicados à repressão do eu, mesmo os santos alegres por vezes não conseguem escapar às violências.
Retornemos à frase. Um título. Ela acha-se lá no primeiro de Gutenberg, na repartição dos sinópticos – exceptua-se, por isso, o apocalíptico. E dá-me imenso jeito para esboçar uma tentativa de gracejo pela ambiguidade semântica e apertar O Laço Branco. A pureza que advém da Palavra. Só que Haneke subverteu a palavra, embora filmando como Dreyer, inóspito, austero e perfeccionista, optou pela desesperança e a indelével crueldade da Reforma, ao sobrelevar a mácula sem redenção, nem por força de uma directa intervenção divina – o deus ex machina dreyeriano de Ordet.
Uma parábola negra? Era uma vez um austríaco, nascido numa aldeia dos arrabaldes de Linz que se tornou alemão…
Es war einmal um alemão de Munique de nascimento (onde tudo começou, porventura nascido bem perto da Bürgerbräukeller ou da Löwenbräukeller) que se tornou austríaco e assim cresceu na aldeia de Wiener Neustadt…
Uma aldeia-tipo, situada no norte da Alemanha, incubadora da malignidade: Eichwald. A acção decorre em pleno advento das atrocidades do século alemão (1913-1914). Elíptico, tal como as secura e indiferença daquela assembleia imperturbável ante a sordícia de um passado recente bárbaro e criminoso (ver imagem), contrastando com a perturbadora surdez, sob o negro que se dissemina aos olhos atónitos do espectador, no fade out final – o habitual apelo exegético de Haneke.
Em suma, permite-se até ao mais pueril dos exegetas uma interpretação reducionista em apenas uma frase: «A liberalização do onanismo teria evitado o holocausto.»
Notas:
  1. Não tendo visto dois dos cinco filmes candidatos ao Globo de Ouro de “Melhor Filme em Língua Estrangeira” – acho inacreditável que o (segundo dizem) monumental Baaria de Tornatore não tenha ainda data marcada para a sua estreia em cinema no nosso país –, prevejo, ainda assim, pelo que pude ver dos três que restam, uma votação cerrada que ditará o seu vencedor no próximo domingo. Embora conceda uma preferência milimétrica a Um Profeta (Un Prophète) de Audiard, não posso afastar o maravilhoso e inesquecível drama enredado de Almodóvar e este Haneke (Palma de Ouro em Cannes em 2009) – todos tão diferentes entre si, nos planos técnico, ético e estético, o que dificulta a tarefa do prognóstico.
  2. É de recordar o subtítulo original de O Laço Branco: «Eine Deutsche Kindergeschichte» escrito, numa lentidão estudada, a vermelho sangue no genérico inicial num cursivo indecifrável («Uma história alemã para crianças».)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Pensar nos interstícios

Jardelizar um texto. Ele prossegue. Este fragmento humano que, por vezes, escreve neste espaço, com intervalos entre textos cada vez maiores – os intervalos, claro está –, não assinalou os 50 anos da morte do estimadíssimo argelino do Combat – denegrido pela esquerda vesga, vulgo sartriana, que após a morte lhe dedicou uma elegia pungente de falsa admiração – e, para agravo do eu (ou ele? o dele) já macerado, deixou passar em claro o desaparecimento físico, imortalizado na tela, de Sax von Stroheim, mas que por inversão nome/apelido dos estetas apreciados preferiu ser conhecido por Éric Rohmer (1920-2010); Maurício Henrique deixou moral e finalmente a casa de Maud – e quantas Claires, em doces movimentos rotulares, existirão no éter para amimar o Mestre? (na imagem, le genou) – para se encontrar com o grande Francisco, que abalou cedo nos idos de 1984, onde ainda deixou o João-Lucas, o Cláudio e o Tiago (ou Jaime, para quem preferir esta parte da raiz bifurcada), na casa dos oitenta a transpirar beleza por todos os poros. Desistam da reputada beleza nabokoviana da parelha Astrea & Celadon, com os seus toques mamilares subtis, do corpo enquanto arte – até ver, encaixa-se no que vem a seguir.
E vou tendo notícias sobre os que ainda me alegram a vida pela arte que vão lançando a cada nova etapa de suas vidas. Há um Point Omega de um pós-modernista muito odiado pelo reaccionário de Harvard, aquele sebento emproado que escreve panfletos na New Yorker, e cuja carneirada se agarra para calibrar os seus gostos literários – ó pobreza de espírito. De alfa a ómega… a idiotia no seu estado mais puro dos literatos de pacotilha.
E aquela abertura que há pouco passou pelos meus olhos num inglês burilado por fluxos que emergem das profundezas do subconsciente, dava um filme do mago Jarmusch… mas não deu já? Axioma: Sem limites, não há controlo; rédea solta a uma realidade arbitrária e subjectiva, não artificial mas imaginária, cujos reflexos são mais vívidos que os objectos reflectidos.
Vejamos:
«A vida real não é redutível às palavras faladas e escritas, por ninguém, nunca. A vida real desenrola-se quando estamos sós, a pensar, a sentir, perdidos na memória, sonhadoramente autoconscientes, os momentos submicroscópicos. Ele disse isto por mais do que uma vez, Elster fê-lo, de diferentes formas. A sua vida surgiu, disse ele, quando se sentou a fitar uma parede em branco, reflectindo sobre o jantar.
»Uma biografia de oitocentas páginas não é nada mais que uma conjectura sem vida, disse ele.
»Eu quase acreditava nele sempre que ele proferia este tipo de coisas. Ele dizia que nós fazemos isto o tempo todo, todos nós, começamos a ser nós próprios sob a força de pensamentos correntes e imagens difusas, indagando indolentemente sobre quando iremos morrer. Esta é a forma como vivemos e pensamos, quer a reconheçamos ou não. Estes são os pensamentos desordenados que nos sobrevêm quando olhamos através da janela do comboio, as pequenas e enfadonhas manchas de pânico meditativo.»
Don DeLillo, Point Omega [Scribner, February 2010, 128 pp.; tradução livre: AMC].
E vejo, por aqueles olhos orientais transversais (cuja perfeita perpendicularidade vulvar – ah, o eu concupiscente e ominoso – não se olvida da bela compatriota, ficara gravada no limiar do consciente que se enraíza na fantasia, materializada em cena babélica-stoniana) que se cruzam num faiscar diáfano com a fleuma assassina de Bankolé, os moinhos de vento tecnológicos nas planícies inóspitas da Andaluzia enquadradas por uma janela do comboio de alta velocidade: «Aqueles que julgáramos connosco, não estão entre nós.»

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Mann


Escuso-me de, aqui e agora, falar sobre o efeito que as obras do realizador norte-americano, nascido em Chicago em 1943, produzem em mim, um misto de admiração vertiginosa e de regalo cinéfilo pela forma como Michael Mann modela os cenários, em que câmara e actores parecem pertencer a um corpus uno, indiviso, criando no espectador uma sensação de movimento perpétuo de imagens cuja origem sugere um passe de magia, inescrutável e sem interesse na sua indagação porquanto estragaria o feitiço que nos fixou ao ecrã.
Escuso-me de falar da sua filmografia, dos encantos e das frustrações, da decepção com o mais recente Inimigos Públicos (Public Enemies, 2009).
Gostaria apenas de aqui deixar a confissão de um vício e a última consequência na reiteração desse vício: sempre que qualquer canal televisivo nacional transmite um filme cujo assombro ultrapassou a fronteira por mim delineada entre o bom e a obra-prima, por mais vezes que o tenha visto, mesmo que aquele seja parte integrante da minha vasta filmoteca, que está à mão de semear, não consigo deixar de assistir à transmissão da obra até ao fim, aturando os infindáveis intervalos e prejudicando as horas de sono que tanta falta me farão no dia seguinte quando, libertado das amarras etéreas da arte, regresso ao mundo para produzir e retirar os proventos que me permitem pagá-las.
Foi assim na última quarta-feira à noite. A TVI – estação televisiva pródiga nos espaços publicitários desmedidos – transmitia O Informador (The Insider, 1999). Enfiado na cama, de auscultadores sem fios amarrados à cabeça – ao lado havia quem protestasse: outra vez!? Deixa-me dormir… –, não perdi nenhum dos cerca de 150 minutos desse filme-portento, bastante subavaliado perante a restante filmografia do realizador. Tudo nele é perfeito: a fotografia de Dante Spinotti, o minucioso argumento urdido pelo próprio Mann e Eric Roth, a música divina sobretudo da minha mui estimada Lisa Gerrard e de Pieter Bourke – impossível ficar indiferente perante “Sacrifice” –, as célebres guitarradas de Santaolalla em “Iguazu”, as orquestrações de Revell, as sublimes interpretações de Russell Crowe, Plummer e Pacino – no caso deste, talvez seja a sua última grande interpretação até aos dias que correm –, e a mão, que tudo uniu, de Mann.
Vi o filme talvez pela 14.ª ou 15.ª vez. Continuo a descobrir pormenores que conseguem fazer o que até ao momento me parecia sempre impossível: engrandecê-lo. O fotograma representado em cima é um entre vários pontos de zénite cinematográfico: o quadro familiar que se esfumou pela dissensão, a opção pelo dever altruísta de denúncia da prática de um crime sobre a comunidade e o zelo, egoísta, dos interesses exclusivamente familiares – Crowe ficou só, emoldurado pelo negrume da noite, onde um segurança privado vela no jardim pela sua integridade física, mas que jamais conseguirá salvaguardar a liberdade perdida por uma família destroçada. Wigand (Crowe) está só naquele quadro de desolação, onde uns fotogramas antes estivera acompanhado por Liane (Diane Venora), que fugiu e o afastou das suas filhas para sempre.
Será porventura um cliché, uma dúvida que emerge em milhares de lares no momento em que os caminhos se bifurcam, mas apetece-me dizer: felizes aqueles que passam por este mundo isentos de opções dilacerantes, mas, por muito paradoxal que isso possa afigurar-se a esses que vivem evitando o risco, perante a tranquilidade de espírito que advém da luta contra tudo o resto que emerge como confortável, escolhi a infelicidade.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O “Zé do Boné”: 25 Anos



Era ainda muito novo… mas, até ao último fôlego do meu ser, ninguém me poderá roubar a imagem do fim do jejum de 19 anos e da alegria esfusiante de milhares de portistas nas ruas da cidade terminado o desafio da última jornada com o Braga (4-0), que culminou, na época seguinte, com o inesquecível jogo com o Barreirense (4-1), numa tarde tórrida de um domingo de fim de Primavera no desaparecido Estádio da Antas, onde, com apenas 6 anos, assisti da arquibancada, na companhia da minha família (pais, avós, tios e primos direitos) e de diversos casais amigos de meus pais, à conquista do bicampeonato: 1977/78 e 1978/79 (que, segundo rezam as crónicas, um tal de Manaca não deixou que fosse “tri”).
Na alegria e na tristeza… com apenas 12 anos, numa tarde fria e cinzenta de Janeiro, postei-me no passeio da praça Teixeira de Pascoaes e assisti ao cortejo fúnebre que partiu da Igreja de Santo António das Antas (local onde fui baptizado, junto ao antigo Estádio) e que por mim passou, num silêncio carregado produzido por dezenas de milhares de pessoas cuja atmosfera jamais esquecerei. Uma torrente de pesar provinda da rua de S. Crispim descia a Carlos Malheiro Dias, encetando a subida pela Constituição até ao Marquês, e que se dirigia ao cemitério de Agramonte na Boavista (a cerca de 5 quilómetros do ponto de partida). Já o carro que transportava o eterno “Zé do Boné” desaparecia no horizonte sob os plátanos do Marquês e a multidão que o seguia a pé parecia inextinguível, ainda não havia cessado em S. Crispim. Uma massa compacta de cabeças parecia formar um rio pardacento que, de forma lúgubre, inundara a Constituição. Uma imagem angustiante pela causa que a motivou, porém memorável pela homenagem sentida que milhares de pessoas vindas de todo o país quiseram prestar ao “Mestre” prematuramente desaparecido: o tal que, em democracia, mudou para sempre o rumo do futebol português e a dimensão do meu clube do coração, o Futebol Clube do Porto.