Está Clamence, o parisiense que vive no bairro judeu em Amesterdão quando se tornou juiz-penitente, no início do seu aparente diálogo com um desconhecido no Mexico-City acabado de chegar de Paris, quando pergunta:
«Demora-se muito em Amsterdão [sic]? Linda cidade, não acha? Fascinante? Eis um adjectivo que não ouço há muito tempo. Precisamente desde que deixei Paris, já lá vão uns anos. Mas o coração tem a sua memória e eu nada esqueci da nossa bela capital, nem dos seus cais. Paris é uma autêntica ilusão de óptica, um imponente cenário habitado por quatro milhões de silhuetas. Perto de cinco milhões no último recenseamento? Está bem, devem ter feito meninos. Não me admiro. Sempre me pareceu que os nossos concidadãos tinham duas paixões violentas: as ideias e a fornicação. A torto e a direito, por assim dizer.»
Albert Camus, A Queda, pp. 9-10 (Lisboa: Livros do Brasil, Novembro de 2007, 113 pp.; tradução de José Terra; obra original: La chute, 1956).
Não sou historiador, sociólogo, psicólogo social, antropólogo, apenas um homem das ciências e das finanças empresariais, mas consigo afirmar que, para além do maior ou menor lirismo, pompa e circunstância, na celebração do matrimónio, o casamento nos tempos mais recentes sempre teve que ver com a defesa jurídica do património e nunca com a fornicação… perdão, procriação. Aliás, negá-lo levar-nos-ia a outros tempos onde o bafio e bolor intelectuais pairavam por sobre as cabeças dos meus concidadãos, neste país de sacristias; um odor a naftalina, bem diferente da Índia de Pasolini – OK, comecei a lê-lo há coisa de uma hora –, cuja toxicidade acabou por se revelar mortal: traçou o destino de um país que inevitavelmente saiu do limbo rumo ao inferno do atraso estrutural e, acima de tudo, mental.
A dúvida adensa-se: que fazer em 2009?
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