Há uns tempos disseram-me que estava na forja das letras norte-americanas um sucessor de McInerney e de Easton Ellis, nascido nos anos oitenta, logo já a amadurecer neste século inevitavelmente marcado pelo “11 de Setembro” e pelos terríveis acontecimentos que se lhe sucederam.
Aos 17 anos de idade escreveu um romance, Doze (Twelve, 2002) ao estilo dos celebrados Menos Que Zero (Less Than Zero, 1985) de Bret Easton Ellis (n.1964) e As Mil Luzes de Nova Iorque (Bright Lights, Big City; 1984) de Jay McInerney (n. 1955).
Chama-se Nick McDonell, nasceu a 18 de Fevereiro de 1984 em Nova Iorque e é filho do director da famosa revista desportiva Sports Illustrated, apadrinhado pelo truculento autor, falecido em 2005, Hunter S. Thompson, e pelos escritores Joan Didion e Richard Price, sendo o avô o presidente da Grove/Atlantic Inc., empresa que inclui a famosa revista literária The Atlantic (antes, The Atlantic Monthly) e a editora Grove Press que, por obra do destino, publicou ambos os romances do neto.
Com uma entourage destas, ao pobre Nick estava-lhe, desde logo, vedada a carreira na construção civil – caso o pretendesse.
Mas não. Nick quis ser escritor. E ao contrário da esmagadora maioria dos jovens que, como ele, se decidem pela aventura no mundo da literatura, viu o seu primeiro romance aprovado à primeira tentativa, caindo logo nas graças da temperamental e extravagante Michiko Kakutani. E depois… Depois, colheram-se os frutos do rótulo McInerney/Easton Ellis…
Ora, independentemente do apadrinhamento de luxo, não considero, em primeiro lugar, que o mercado sinta a necessidade de encontrar sucessão para dois escritores já estabelecidos que, neste momento, entram na etapa de maturidade das suas vidas literárias e na fase normal de consolidação das suas carreiras, como provaram os seus últimos escritos. Em termos gerais, não se inova, imita-se, e só a arte sai a perder.
Depois, a um nível mais pessoal, considero assaz pernicioso o uso indiscriminado deste tipo de comparações de carreira e estilo literários, com ou sem as colaboração e anuência tácitas do comparado. No primeiro caso, (independente da sua vontade), exige o dobro do esforço do autor para despir a roupagem envergada à força, em segunda mão, de todo não desejada, quando aquele decidiu enveredar pelas artes literárias empreendendo um trilho eminentemente solitário e pessoal. No segundo caso, aproveita-se a boleia das eminências pardas já estabelecidas e usa-se e abusa-se da sua douta jurisprudência como um estridente e proveitoso slogan publicitário, que normalmente prenuncia, para um amante de literatura, o vazio de conteúdo do publicitado – é nestas situações que, por exemplo, conseguimos ler as mais aberrantes frases de caracterização da obra e do seu autor, parecendo resultar de metamorfoses samsianas, vítima de enxertias insólitas (Woody allen com Kafka, Lynch com Murakami, e por aí em diante).
O Terceiro Irmão (The Third Brother, 2005) é uma amálgama de lugares-comuns dividida em três partes desconexas. Se a intenção do jovem autor era a de criar uma nova trilogia da Grande Maçã com passagem pelas corrupção e sordícia de Banguecoque e pelos efeitos do 11 de Setembro, relatando o desamparo, a solidão e a descaracterização progressiva dos personagens face à perda de valores da família tradicional americana e à voracidade da sociedade contemporânea, numa sucessão de causa e efeito, afirmo, sem qualquer tipo de pruridos, que falhou em toda a linha.
O romance está dividido em três partes desiguais, pelo menos em tamanho: a parte I é constituída por 59 capítulos e ocupa 168 páginas na versão portuguesa; a parte II, por 29 capítulos e desperdiça 70 páginas; a parte III por 20 capítulos e inutiliza 46 páginas.
O protagonista, o jovem e recém-licenciado Mike, vai estagiar para uma publicação em Hong Kong dirigida por um amigo do pai (curiosa identificação, talvez subliminar, entre nepotismos ficcionais e reais) chamado Elliot Anaclet, que o incumbe de elaborar uma reportagem sobre os jovens estrangeiros que procuram a Tailândia como paraíso hedonista, dedicando-se ao consumo de ecstasy. Para além disso, foi-lhe atribuída a função extraordinária de detective particular no estranho caso do desaparecimento de um amigo de faculdade de Anaclet e do Pai, Christopher Dorr, que se perdeu pelas ruas de Banguecoque – um estranho, e mais tarde descrito, episódio marca a separação do trio fraternal no passado.
Na viagem, Mike é acompanhado por um jornalista sénior da revista, Thomas Bishop, que desaparece de circulação desde o primeiro dia de estada na capital tailandesa.
Enquanto Mike deambula pelas ruas de Banguecoque, vão surgindo vários flashbacks que retratam inúmeros episódios das suas infância e adolescência no seio da sua família milionária disfuncional, com uma mãe alcoólica e ausente, com um historial de traição, um pai protector e um irmão obsessivo, vividas entre suas casas nos Hamptons e em Manhattan junto ao Central Park.
Em Banguecoque abundam os episódios mais ou menos sórdidos que qualquer turista poderá verificar in loco, a prostituição, as drogas, a corrupção e a brutalidade policiais, os estrangeiros “farangs” que por lá vão ficando pela depravação reinante – tudo o que foi descrito do ambiente exterior foi por mim comprovado apenas com cinco dias de estadia na fabulosa capital tailandesa, permanecendo na minha memória sem uma única linha escrita.
A parte II inicia-se com Mike a regressar a Nova Iorque devido a um acontecimento trágico que envolveu Lyle, o seu irmão, e os seus pais. Transfere-se de Harvard para a Columbia University e é um dos muitos nova-iorquinos que testemunha os acontecimentos da manhã de 11 de Setembro de 2001 nas torres gémeas do World Trade Center. Banguecoque fica definitivamente para trás, assim como a estranha prostituta menor “Tweety”, com quem se envolveu, assim como Bishop, Dorr e o grupo de jornalistas que se auto-intitulava de “Circo Voador” – talvez por referência aos Monty Python – e que dominava os meandros da cidade.
Mike parte numa busca desesperada pelo irmão, emocionalmente instável, numa viagem pelos destroços deixados pelo colapso das torres. Encontra-o, finalmente, para o tornar a perder de seguida… definitivamente.
Inicia-se a parte III, mais reflexiva e voltada para o interior da natureza humana.
Eis a estranha introdução:
O Terceiro Irmão é um livro sem consistência, desgarrado, cheio de pontas soltas, de onde por vezes parece emergir a estrita necessidade de gastar páginas escritas para adensar o volume final da obra.
A prosa de McDonell nem sequer chega a ser minimalista, como pretendem os habituais catalogadores. Trata-se, sobretudo, de um aglomerado de palavras que não formam um todo coerente, assemelhando-se a uma compilação de notícias de jornal, sobre os mais diversos assuntos cujo elo de ligação não é visível a olho nu, ou então, estamos no domínio do puro esoterismo, cuja trama é apenas inteligível a mentes mais abertas e esclarecidas.
Atrevo-me a dizer que qualquer editora digna desse nome, funcionando em qualquer parte do mundo, rejeitaria liminarmente um manuscrito desta índole ou, no mínimo, exigiria uma reformulação integral encontrando-se, porventura e por ventura, alguma legitimidade artístico-literária na base da história, seguido, necessariamente, de um aturado e exaustivo trabalho de revisão editorial.
Publicá-lo?!... Só mesmo com um empurrão (já dizia o outro barbudo da voz rouca: with a little help of my friends... and family, acrescento).
Classificação: * (Mau)
Referência bibliográfica:
Nick McDonell, O Terceiro Irmão. Lisboa: Teorema, Abril de 2008, 284 pp. (tradução de Rita Graña; obra original: The Third Brother, 2005).
Chama-se Nick McDonell, nasceu a 18 de Fevereiro de 1984 em Nova Iorque e é filho do director da famosa revista desportiva Sports Illustrated, apadrinhado pelo truculento autor, falecido em 2005, Hunter S. Thompson, e pelos escritores Joan Didion e Richard Price, sendo o avô o presidente da Grove/Atlantic Inc., empresa que inclui a famosa revista literária The Atlantic (antes, The Atlantic Monthly) e a editora Grove Press que, por obra do destino, publicou ambos os romances do neto.
Com uma entourage destas, ao pobre Nick estava-lhe, desde logo, vedada a carreira na construção civil – caso o pretendesse.
Mas não. Nick quis ser escritor. E ao contrário da esmagadora maioria dos jovens que, como ele, se decidem pela aventura no mundo da literatura, viu o seu primeiro romance aprovado à primeira tentativa, caindo logo nas graças da temperamental e extravagante Michiko Kakutani. E depois… Depois, colheram-se os frutos do rótulo McInerney/Easton Ellis…
Ora, independentemente do apadrinhamento de luxo, não considero, em primeiro lugar, que o mercado sinta a necessidade de encontrar sucessão para dois escritores já estabelecidos que, neste momento, entram na etapa de maturidade das suas vidas literárias e na fase normal de consolidação das suas carreiras, como provaram os seus últimos escritos. Em termos gerais, não se inova, imita-se, e só a arte sai a perder.
Depois, a um nível mais pessoal, considero assaz pernicioso o uso indiscriminado deste tipo de comparações de carreira e estilo literários, com ou sem as colaboração e anuência tácitas do comparado. No primeiro caso, (independente da sua vontade), exige o dobro do esforço do autor para despir a roupagem envergada à força, em segunda mão, de todo não desejada, quando aquele decidiu enveredar pelas artes literárias empreendendo um trilho eminentemente solitário e pessoal. No segundo caso, aproveita-se a boleia das eminências pardas já estabelecidas e usa-se e abusa-se da sua douta jurisprudência como um estridente e proveitoso slogan publicitário, que normalmente prenuncia, para um amante de literatura, o vazio de conteúdo do publicitado – é nestas situações que, por exemplo, conseguimos ler as mais aberrantes frases de caracterização da obra e do seu autor, parecendo resultar de metamorfoses samsianas, vítima de enxertias insólitas (Woody allen com Kafka, Lynch com Murakami, e por aí em diante).
O Terceiro Irmão (The Third Brother, 2005) é uma amálgama de lugares-comuns dividida em três partes desconexas. Se a intenção do jovem autor era a de criar uma nova trilogia da Grande Maçã com passagem pelas corrupção e sordícia de Banguecoque e pelos efeitos do 11 de Setembro, relatando o desamparo, a solidão e a descaracterização progressiva dos personagens face à perda de valores da família tradicional americana e à voracidade da sociedade contemporânea, numa sucessão de causa e efeito, afirmo, sem qualquer tipo de pruridos, que falhou em toda a linha.
O romance está dividido em três partes desiguais, pelo menos em tamanho: a parte I é constituída por 59 capítulos e ocupa 168 páginas na versão portuguesa; a parte II, por 29 capítulos e desperdiça 70 páginas; a parte III por 20 capítulos e inutiliza 46 páginas.
O protagonista, o jovem e recém-licenciado Mike, vai estagiar para uma publicação em Hong Kong dirigida por um amigo do pai (curiosa identificação, talvez subliminar, entre nepotismos ficcionais e reais) chamado Elliot Anaclet, que o incumbe de elaborar uma reportagem sobre os jovens estrangeiros que procuram a Tailândia como paraíso hedonista, dedicando-se ao consumo de ecstasy. Para além disso, foi-lhe atribuída a função extraordinária de detective particular no estranho caso do desaparecimento de um amigo de faculdade de Anaclet e do Pai, Christopher Dorr, que se perdeu pelas ruas de Banguecoque – um estranho, e mais tarde descrito, episódio marca a separação do trio fraternal no passado.
Na viagem, Mike é acompanhado por um jornalista sénior da revista, Thomas Bishop, que desaparece de circulação desde o primeiro dia de estada na capital tailandesa.
Enquanto Mike deambula pelas ruas de Banguecoque, vão surgindo vários flashbacks que retratam inúmeros episódios das suas infância e adolescência no seio da sua família milionária disfuncional, com uma mãe alcoólica e ausente, com um historial de traição, um pai protector e um irmão obsessivo, vividas entre suas casas nos Hamptons e em Manhattan junto ao Central Park.
Em Banguecoque abundam os episódios mais ou menos sórdidos que qualquer turista poderá verificar in loco, a prostituição, as drogas, a corrupção e a brutalidade policiais, os estrangeiros “farangs” que por lá vão ficando pela depravação reinante – tudo o que foi descrito do ambiente exterior foi por mim comprovado apenas com cinco dias de estadia na fabulosa capital tailandesa, permanecendo na minha memória sem uma única linha escrita.
A parte II inicia-se com Mike a regressar a Nova Iorque devido a um acontecimento trágico que envolveu Lyle, o seu irmão, e os seus pais. Transfere-se de Harvard para a Columbia University e é um dos muitos nova-iorquinos que testemunha os acontecimentos da manhã de 11 de Setembro de 2001 nas torres gémeas do World Trade Center. Banguecoque fica definitivamente para trás, assim como a estranha prostituta menor “Tweety”, com quem se envolveu, assim como Bishop, Dorr e o grupo de jornalistas que se auto-intitulava de “Circo Voador” – talvez por referência aos Monty Python – e que dominava os meandros da cidade.
Mike parte numa busca desesperada pelo irmão, emocionalmente instável, numa viagem pelos destroços deixados pelo colapso das torres. Encontra-o, finalmente, para o tornar a perder de seguida… definitivamente.
Inicia-se a parte III, mais reflexiva e voltada para o interior da natureza humana.
Eis a estranha introdução:
«Mais cedo ao mais tarde, todos nós sofremos danos. Quando se apercebeu disto, Mike decidiu que seria mais fácil falar com pessoas que nunca existiram.» (pág. 239)Seguindo-se esta preciosíssima meditação, que aqui destaco pelas frivolidade e risibilidade literárias, pelas questões pseudometafísicas que pretende levantar:
«A dor não é herdada, de geração em geração, como os genes. Será que alguns genes contêm em si dor? Será que tem de ser assim? Será que é essa a essência das famílias? Experiência. Sorte.» (pág. 241)Todo o livro está recheado de pensamentos similares, de clichés (na maioria das vezes assumidos pelo próprio autor, porém não houve a vontade suficiente para os retirar do corpo da narrativa) e de aforismos de pacotilha, que como dizia espirituosamente Thomas Bernhard se imiscuem no meio da filosofia como uma praga de escaravelhos nos veados.
O Terceiro Irmão é um livro sem consistência, desgarrado, cheio de pontas soltas, de onde por vezes parece emergir a estrita necessidade de gastar páginas escritas para adensar o volume final da obra.
A prosa de McDonell nem sequer chega a ser minimalista, como pretendem os habituais catalogadores. Trata-se, sobretudo, de um aglomerado de palavras que não formam um todo coerente, assemelhando-se a uma compilação de notícias de jornal, sobre os mais diversos assuntos cujo elo de ligação não é visível a olho nu, ou então, estamos no domínio do puro esoterismo, cuja trama é apenas inteligível a mentes mais abertas e esclarecidas.
Atrevo-me a dizer que qualquer editora digna desse nome, funcionando em qualquer parte do mundo, rejeitaria liminarmente um manuscrito desta índole ou, no mínimo, exigiria uma reformulação integral encontrando-se, porventura e por ventura, alguma legitimidade artístico-literária na base da história, seguido, necessariamente, de um aturado e exaustivo trabalho de revisão editorial.
Publicá-lo?!... Só mesmo com um empurrão (já dizia o outro barbudo da voz rouca: with a little help of my friends... and family, acrescento).
Classificação: * (Mau)
Referência bibliográfica:
Nick McDonell, O Terceiro Irmão. Lisboa: Teorema, Abril de 2008, 284 pp. (tradução de Rita Graña; obra original: The Third Brother, 2005).
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