[na imagem da esquerda para a direita: Haskins, Ash e David J.]
Uma querida amiga ofereceu-me um bilhete duplo para a sessão inaugural do Super Bock Super Rock que se realizou ontem no Parque da Cidade.
Só pude recusar, amavelmente, não era pelos Xutos & Pontapés (grupo por quem tenho uma inexplicável e especial embirração), muito menos pelo David Fonseca ou pelos xaroposos Crowded House e muito menos pelos horríveis ZZ Top (que me desculpem os fãs, mas trata-se de um ancestral ódio de estimação), que me iria encafuar num recinto com aquela turba festivaleira.
Lá pelo meio havia os Love and Rockets, grupo com alguma consideração nos meus anos de adolescência – sim, a idade não perdoa – materializada na posse da sua discografia completa na minha fonoteca particular:
- Da fase Beggar’s Banquet: Seventh Dream of Teenage Heaven (1985); Express (1986); Earth, Sun, Moon (1987) e Love And Rockets (1989);
- Da fase American: disponho do primeiro e único álbum que vale a pena, Hot Trip to Heaven (1994).
Ash, David J. e Haskins sem Murphy – O Vampiro – não é a mesma coisa que Sumner, Hook, Morris sem Curtis. Enquanto os primeiros como Love & Rockets, havendo rompido com sonoridade gótica e pós-punk dos Bauhaus, jamais conseguiram cativar da mesma forma os fãs da eterna antecessora; os segundos, os New Order, fizeram uma transição pacífica do inimitável som dos Joy Division, para o mundo da música electrónica que despontava no início dos anos 80 do século passado – como provam os três primeiros álbuns Movement (Fac 50, 1981) e Low-Life (Fac 100, 1985) com uma sonoridade ainda muito próxima dos Joy Division, intercalados pelo icónico álbum de ruptura Power, Corruption & Lies (Fac 75, 1983), ainda havia dedo de Tony Wilson, Rob Gretton e nos primeiros tempos de Martin Hannett; não esquecendo o extraordinário álbum de 2001, Get Ready (ainda com o co-fundador e baixista do grupo, Peter Hook) com uma dezena de músicas excepcionalmente bem estruturadas, com a mãozinha do produtor Steve Osborne.
Fiquei em casa e sintonizei a SIC Radical, a esperança converteu-se em certeza, houve transmissão televisiva. O concerto do trio de Northampton foi fraco numa atípica noite chuvosa de Verão. Iniciou-se com “Ball of Confusion” e prosseguiu com algumas canções facilmente identificáveis: “Haunted When the Minutes Drag”, “An American Dream”, “No Big Deal”, “No New Tale to Tell”, etc. Como seria de esperar, apenas brilhou Ash, a alma da banda. Um David J. desafinado, e aparentemente desnorteado – vá-se lá saber porquê? –, e um Kevin Haskins aparentemente descoordenado estragaram o produto final, que ficou irremediavelmente perdido pelo omissão, deliberada ou não, do ainda hoje magnífico tema “So Alive” – êxito maior da banda britânica –, e isto apesar de Daniel Ash num dos intervalos entre canções haver articulado ao microfone as suas duas primeiras estrofes «I don't know what colour your eyes are, baby / But your hair is long and brown», sem reacção de um público que me pareceu, à imagem do grupo, artrítico; do célebre instrumental dedicado a Portugal “Saudade”, de “All in My Mind”, “Mirror People”, “Motorcycle”, “Kundalini Express” ou até de “Lazy”, nem vestígios.
Ash termina de uma forma “especial” (como proferiu) e o trio toca “Should I Stay, or Should I Go” de Strummer & Cª. (The Clash), despedindo-se com um lacónico «Thank you» – ao que dizem, este finale não é original, os Love and Rockets já o haviam feito num concerto nos E.U.A., trata-se, segundo consta, de uma forma de homenagem ao desaparecido Joe Strummer (1952-2002) e à organização que luta contra o aquecimento global por que deu a cara, The Carbon Neutral Company (anteriormente denominada de Future Forests).
A seguir chegariam os inefáveis senhores texanos quase sexagenários de barbas longas. A SIC Radical despede-se do concerto e inicia um longo serão dos escabrosos espectáculos do WWE que encandeia metade da geração fast food norte-americana, com rápido contágio na Europa e na Ásia ocidentalizada.
Amanhã haverá o frenético Jay Kay, mas falta-me a paciência que já tive para tanta excitação.
Retiro o som ao televisor, o meu mulherio já dorme, pego num livro rememorando os meus tempos de adolescente onde a música era uma parte central da minha vida despreocupada e os meus ícones se vão esfumando pela lei da vida ou, de forma mais excruciante, pela total ignorância da ocasião ideal para iniciar o gozo dos privilégios da reforma.
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