Ontem, em conversa com o meu pai, tive mais um daqueles momentos espectrais em que pude testemunhar que grande parte daquilo que hoje sou a ele se deve. Em conjunto com a minha mãe, foi um dos zelosos directores do meu processo ontogenético, um produto miscigenado das suas histórias, dos seus medos, das suas convicções, do seu sentimento de justiça, das suas formas de encarar os outros, a família e a sociedade. E agradeço-lhes por isso porque me deram tudo aquilo que estava ao alcance das suas naturais limitações – a limitação do homem que nos leva à insuperável pulsão de interagir com os demais.
Para o ensinamento que retirei das suas palavras de ontem, e que motivam esta narrativa, terei de referir algumas vivências, crenças e acções do meu pai ao longo das suas seis décadas de existência: uma fé incomensurável em Deus e católico praticante; já votou num conjunto alargado de partidos políticos, porém apenas naqueles que defendem a democracia e nunca naqueles que, ainda hoje, defendem políticos e Estados totalitários. Com apenas 17 anos foi sozinho para Lisboa frequentar o Instituto de Estudos Sociais – hoje ISCTE –, todavia ao fim de dois anos foi incorporado no serviço militar, onde dois depois combateu, como oficial, no ultramar (Angola). Forte opositor do regime que nos estrangulou durante cinco décadas, foi espectador privilegiado do 25 de Abril de 1974 – apesar de permanecer na sua sempre amada cidade do Porto – e do terrível período que se lhe segui até ao 25 de Novembro de 1975. Aquele não era o país que ele queria. O país que saiu do medo e se transformava rápida e perigosamente noutro tipo de terror e de ditadura com protagonistas aparentemente diferentes. No entanto, neste caso havia uma pequena diferença relativamente ao regime anterior, conhecia as histórias de vida de alguns dos ditos pais da revolução antes dela própria chegar.
Ontem, contou-me a história de um grande amigo de infância, burguês portuense, apelido pomposo, sem historial político ou de colaboracionismo com o Estado Novo, que, em sua casa, à vista da mulher e dos filhos, foi selvaticamente detido pelas tropas do proletariado, sem acusação formada, sem capacidade de exercer os direitos que lhe foram naturalmente atribuídos. Foi conduzido ao presídio de Custóias, no qual permaneceu durante seis meses, sem sequer saber do que era acusado, sobrevivendo como um marginal com outros marginais. Hoje, em 2006, os motivos da sua detenção permanecem desconhecidos. Porém, 6 meses da sua vida foram-lhe roubados, e muitos meses mais lhe ficarão marcados enquanto lhe persistir a memória desses tempos.
O meu pai terminou a conversa dizendo-me:
«Podes crer. Tal como o ultramar, nunca me hei-de esquecer desses tempos. Aliás, não me quero esquecer desses tempos! São para minha memória futura.»
Para o ensinamento que retirei das suas palavras de ontem, e que motivam esta narrativa, terei de referir algumas vivências, crenças e acções do meu pai ao longo das suas seis décadas de existência: uma fé incomensurável em Deus e católico praticante; já votou num conjunto alargado de partidos políticos, porém apenas naqueles que defendem a democracia e nunca naqueles que, ainda hoje, defendem políticos e Estados totalitários. Com apenas 17 anos foi sozinho para Lisboa frequentar o Instituto de Estudos Sociais – hoje ISCTE –, todavia ao fim de dois anos foi incorporado no serviço militar, onde dois depois combateu, como oficial, no ultramar (Angola). Forte opositor do regime que nos estrangulou durante cinco décadas, foi espectador privilegiado do 25 de Abril de 1974 – apesar de permanecer na sua sempre amada cidade do Porto – e do terrível período que se lhe segui até ao 25 de Novembro de 1975. Aquele não era o país que ele queria. O país que saiu do medo e se transformava rápida e perigosamente noutro tipo de terror e de ditadura com protagonistas aparentemente diferentes. No entanto, neste caso havia uma pequena diferença relativamente ao regime anterior, conhecia as histórias de vida de alguns dos ditos pais da revolução antes dela própria chegar.
Ontem, contou-me a história de um grande amigo de infância, burguês portuense, apelido pomposo, sem historial político ou de colaboracionismo com o Estado Novo, que, em sua casa, à vista da mulher e dos filhos, foi selvaticamente detido pelas tropas do proletariado, sem acusação formada, sem capacidade de exercer os direitos que lhe foram naturalmente atribuídos. Foi conduzido ao presídio de Custóias, no qual permaneceu durante seis meses, sem sequer saber do que era acusado, sobrevivendo como um marginal com outros marginais. Hoje, em 2006, os motivos da sua detenção permanecem desconhecidos. Porém, 6 meses da sua vida foram-lhe roubados, e muitos meses mais lhe ficarão marcados enquanto lhe persistir a memória desses tempos.
O meu pai terminou a conversa dizendo-me:
«Podes crer. Tal como o ultramar, nunca me hei-de esquecer desses tempos. Aliás, não me quero esquecer desses tempos! São para minha memória futura.»
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