terça-feira, 27 de junho de 2006

Ai, que giro!

Em Portugal, houve quem proclamasse a inexorabilidade da ascensão de uma geração rasca, constituída essencialmente por iletrados e analfabetos funcionais. E eu pergunto: para além dos fogachos marcadamente reduzidos e circunscritos da ínclita ou da de 70, o que somos nós desde 1143?
Hoje tudo é giro, imensamente giro, montes de giro
Ontem quando, auxiliado pelos movimentos maquinais do meu polegar direito cravado no botão “+/-”, saltava de canal em canal, dei por mim a ouvir do sósia do Roberto Leal sem sotaque: “Ai que giro o teu título!”
Tratava-se de uma entrevista realizada pelo célebre e decadente – e digo-o com pena – funcionário oxigenado da SIC à prosadora de alto gabarito – escreve das nove e meia da noite às duas da manhã – Fátima Lopes que, curiosamente, trabalha na mesma estação de televisão. É o chamado bacanal promocional endogâmico.
O tal título “giro” é «Amar depois de Amar-te». Confesso que, segundo os meus cânones estéticos, se trata de um mau gosto atroz. Contudo, não é uma regra rígida por mim estatuída na selecção de obras literárias para meu deleite, já que alguns dos livros que leio têm títulos dessa índole que, no entanto, se revelaram como obras magníficas. Apenas citando um exemplo, estou-me a recordar do fabuloso livro de Siri Hustvedt – mulher de Auster – «Aquilo que eu amava» (What I Loved). Depois leio a sinopse e as entranhas revoluteiam-se através dos seus famosos movimentos peristálticos perante a constatação da futilidade e da inenarrável fuga do pé para o chinelo.
De súbito lembrei-me daquela pequena obra-prima de Kasdan, protagonizada por Kevin Kline, «Amar-te-ei até te matar».
Finalmente, amainada a violência verbal e para rematar em beleza, foi o meu pé que fugiu para o chinelo – aliás, até já estava de pijama vestido e com o Banville na mão… e não, não é isso que pensais!
Ponto de ordem: bem, dizia eu, que depois da aprazível recordação da dupla Kasdan e Kline, inventei um título onde o pé chinelava num paroxismo da perfeição, que aqui apresento numa versão censurada pelo meu superego:
«Comer-te depois de me haveres comido».

4 comentários:

Anónimo disse...

Não vi a cena, mas imagino a inquietação intelectual que para ali houve. Numa versão católica também poderia ser "Papar-te depois de me haveres papado". Assim, ficavam as famílias felizes.

Anónimo disse...

Todavia, os exemplos acabam mesmo por ser generosos, e sem o chinelo, já com um pé na areia da Oura ou do Vau, com o Amar depois de Amar-te junto ao peito dos espectadores, o objectivo do estratagema cumpre-se. E com jeito vai até ao Natal.
Posso sempre estar enganado, antes fosse! Mas aquela sinopse…
Um abraço.

Anónimo disse...

Este título não faz lembrar-te aqueleoutro "As Palavras Que Nunca Direi-Te"?

(Será que assim alguém percebe-me?)

Anónimo disse...

:)