Interessante o diálogo entre o Luís Mourão e o Vasco M. Barreto sobre a discutida indissociabilidade entre a obra e o autor no momento em que, na qualidade de leitores comuns, estamos dispostos a imergir na efabulação pintada a negro sobre o papel branco da obra.
Atrevo-me a recuar uma etapa nesse processo, isto é, a própria escolha no processo de selecção de um livro no escaparate de uma livraria, fiel amigo que nos irá acompanhar nos próximos tempos – horas ou dias conforme a disposição do leitor e a dimensão da obra e da abstracção que a narrativa exige –, não é, nem é presumível que o seja, inócua. Normalmente, e principalmente se o autor nos é mais ou menos desconhecido, seguimos a recomendação dos críticos – que nos é transmitida sob as mais variadas formas –, dos amigos e de gente que reputamos como sensivelmente próxima dos nossos gostos literários. Depois há todo o processo de Marketing que envolve a publicação da obra, desde o texto afixado na badana, aos chavões extraídos de publicações de autoridade literária certificada, até às entrevistas, sessões de autógrafos e/ou de leitura, concedidas pelos autores na vizinhança do seu lançamento. A própria truculência idiossincrática – fidedigna ou malabarismo publicitário – funciona como um meio de promoção, como refere o Vasco nos casos que citou.
O Luís estabelece o paralelismo entre a vida e a obra já publicada de José Saramago. Distingue um Saramago avisado e assertivo – diria mais, categórico, polémico e assaz redondo –, enquanto figura pública, dos narradores dos seus romances. Neste aspecto, confesso que a minha qualificação de rotundidade intelectual ao Nobel autor me impediu, até ao momento em que escrevo este texto, de ler qualquer exemplar da sua vasta obra de ficção. Detenho, é um facto, dois livros do autor na minha estante – Todos os nomes e Ensaio sobre a cegueira – que, todavia, não tive a audácia, ou então uma vontade desmedida, para os sequer abrir. É o caso típico da contaminação que a imagem – genuína ou estudada – de um autor provoca no leitor que potencialmente poderá comprar e digerir as suas obras.
Atrevo-me a recuar uma etapa nesse processo, isto é, a própria escolha no processo de selecção de um livro no escaparate de uma livraria, fiel amigo que nos irá acompanhar nos próximos tempos – horas ou dias conforme a disposição do leitor e a dimensão da obra e da abstracção que a narrativa exige –, não é, nem é presumível que o seja, inócua. Normalmente, e principalmente se o autor nos é mais ou menos desconhecido, seguimos a recomendação dos críticos – que nos é transmitida sob as mais variadas formas –, dos amigos e de gente que reputamos como sensivelmente próxima dos nossos gostos literários. Depois há todo o processo de Marketing que envolve a publicação da obra, desde o texto afixado na badana, aos chavões extraídos de publicações de autoridade literária certificada, até às entrevistas, sessões de autógrafos e/ou de leitura, concedidas pelos autores na vizinhança do seu lançamento. A própria truculência idiossincrática – fidedigna ou malabarismo publicitário – funciona como um meio de promoção, como refere o Vasco nos casos que citou.
O Luís estabelece o paralelismo entre a vida e a obra já publicada de José Saramago. Distingue um Saramago avisado e assertivo – diria mais, categórico, polémico e assaz redondo –, enquanto figura pública, dos narradores dos seus romances. Neste aspecto, confesso que a minha qualificação de rotundidade intelectual ao Nobel autor me impediu, até ao momento em que escrevo este texto, de ler qualquer exemplar da sua vasta obra de ficção. Detenho, é um facto, dois livros do autor na minha estante – Todos os nomes e Ensaio sobre a cegueira – que, todavia, não tive a audácia, ou então uma vontade desmedida, para os sequer abrir. É o caso típico da contaminação que a imagem – genuína ou estudada – de um autor provoca no leitor que potencialmente poderá comprar e digerir as suas obras.
No entanto, no caso de Saramago, não experimentei a fase última para uma correcta avaliação da eventual indissociabilidade, ainda não o li. Contudo, essa experiência foi por mim vivida há pouco mais de duas ou três semanas com a sua compagnon de route, também Nobel da Literatura, Nadine Gordimer, a propósito da leitura da sua última obra – semifinalista do Booker Prize de 2006 – «Faz-te à vida!»
Nadine Gordimer, fervorosa lutadora contra o apartheid no seu país, militante do partido de Nelson Mandela, o Congresso Nacional Africano (ANC), é, todavia, uma defensora acérrima da ditadura cubana liderada pelo torcionário Fidel Castro, ao mesmo tempo que se posiciona no espectro dos intelectuais que abjuraram a recente intervenção americana no Iraque, chegando a afirmar a este propósito que «o factor comum nos actuais conflitos é a grande disparidade entre ricos e pobres e o racismo subliminar que, debaixo dos sete véus da democracia, continua a justificá-la.» [tradução livre] e, por outro lado, é a principal signatária de um manifesto que se escandalizava com «as violações massivas e sistemáticas dos direitos humanos promovidas em nome da chamada guerra contra o terrorismo» [tradução livre] perpetradas pelos Estados Unidos e pela União Europeia, esquecendo-se da génese desse combate entre democracia e teocracia e/ou autocracia.
A história do seu último romance arrepiou-me profundamente no seu início, uma vez que se assemelha, embora num contexto diverso, a um longo, recente e assaz doloroso episódio por que passou a minha vida há cerca de quatro anos, e que me deixou uma marca indelével que teve o condão de modificar radicalmente as minhas formas de estar e enfrentar a vida.
Todavia, a dado passo, Gordimer entra num longo e fastidioso solilóquio onde introduz a sua visão tão própria do mundo actual, condicionando o romance segundo essa perspectiva eminentemente política. Ou seja, se tive as minhas reservas no momento em que adquiri a obra, votando-a ao purgatório apenas pelo meu juízo de valor apriorístico, quando o encerrei em definitivo dei por mim a não conceder grandes hipóteses a uma nova oportunidade à autora sul-africana.
Entretanto tive a informação que Mrs. Gordimer já me enviou uma carta onde expõe a sua perspectiva relativamente à sua última obra e a mensagem subliminar nela contida.
Eu confesso que já estou preparado, à laia de Lech Walesa, a perdoar-lhe pela razão mais estapafúrdia – o simples gesto explicativo, mesmo que desprovido de substância, é apenas o leitmotiv para rever o arrependido posicionamento – declarando que a justificação é «convincente» e que «a partir de agora deixei de estar em conflito com» Mrs. Gordimer [adaptação].
7 comentários:
eu tive a felicidade de inaugurar Saramago quando era ainda muito nova e nada imaginava da sua pessoa. foi só um livro que me poisou na mesinha de cabeceira e que eu não imaginava estar destinado a tornar-se um dos livros da minha : Memorial do Convento.
se fosse hoje, talvez não tivesse começado, como o André, e que perda isso seria.
perturba-me mais quando acontece o contrário: desiludir-me com a obra de alguém que muito admiramos noutra perspectiva.
eu tenho a incapacidade de me interessar pelos seus livros, costumo ler cinquenta páginas de cada um.
continuei a pensar nesta questão e reparei que só li 3 Saramagos: o Memorial, O ano da morte de Ricardo Reis e o Evangelho segundo Jesus Cristo (nesse entretanto tentei o Levantado do chão mas acabei por o trocar por outro livro qualquer num alfarrabista). foram três livros fundamentais, que li de um fôlego só (sendo o memorial o mais fascinante de todos.
porque é que nunca mais li Saramago? nunca tinha pensado nisso mas perceebo agora que talvez tenha desistido de o ler quando a sua imagem contaminou a minha paixão. nada deliberado, constato-o apenas.
e percebo que, provavelmente, estou a perder com isso.
perdemos sempre com o não ler mas o universo dos livros é tão grande... e não há só os romances.
Pois é Manu. Todavia é nos romances que me refugio das atribulações da vida, que têm sido muitas, para os meus lados, nos últimos 4 anos.
Um abraço,
Querida M,
Só não leio o inefável Saramago por pura teimosia. No entanto prometo que lerei um dos dois romances de minha propriedade no próximo para de meses.
Beijos,
André
Pois eu estive a fazer contas e li oito saramagos... O último foi lido no Verão que antecedeu a entrega do Nobel (98), e não por acaso. Desde então, essa faceta de Saramago enquanto figura pública afastou-me (espero que não irremediavelmente) dos seus livros. Um caso de contaminação posterior, portanto, que não me impede de reconhecer o grande, enorme, escritor que Saramago é. Não o perca.
Se me permite, recomendaria O Ano da Morte de Ricardo Reis e O Evangelho segundo Jesus Cristo. Dos dois que tem, O Ensaio sobre a Cegueira, embora perca -- de muito longe -- para o O Ano da Morte. Se quer ler Saramago, eu consideraria começar pelo melhor -- ou pelo imprescindível, se preferir.
Boas férias.
Obrigado, minha cara Inês.
Seguirei o conselho que me deu. Está para breve a inauguração da leitura de Saramago. Todavia, começarei pela obra Todos os Nomes, uma vez que me foi oferecida, com todo amor e carinho, por dois amigos no intuito de me fazer desbloquear esta teimosia literária.
Bjos.
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