segunda-feira, 14 de agosto de 2006

O esplendor de Grass

Günter GrassA propósito do meu texto anterior aqui fica outro, em jeito de adenda.

Quem se serve da arte, no caso concreto da Literatura, como meio para difundir, de forma indirecta – a notoriedade como arma propagandística –, a sua ideologia política, não pode, de forma alguma, impedir o legítimo escrutínio do público perante o seu trajecto de vida.
Depois do anúncio autobiográfico de Grass sobre o seu passado na Waffen SS de Himmler, jamais poderemos dissociar este negro episódio de tudo aquilo que professou posteriormente, sob pena de cairmos no domínio da pura desonestidade intelectual. Vejamos, não é o facto em si que é importante, mas a sua ocultação durante mais de 50 anos. A não revelação desse facto durante os anos que se seguiram ao total aniquilamento do nazismo tem de ser notícia, cheira a dissimulação, e nem sequer se trata de uma facto de somenos importância. Acresce que o autor de “O Tambor” não se coíbe do intervencionismo político a cada palestra, ensaio ou artigo de jornal, normalmente exprobrando as práticas imperialistas americanas e o fenómeno da globalização. Em matéria penal há dolo ou negligência, cabe ao público aquilatar qual das expressões há-de neste caso utilizar.
Grass, aquando da entrega do Prémio Nobel da Literatura em 1999, proferiu na sua prelecção perante o Comité Nobel:

«Em 1973, no momento em que o terror – com apoio activo dos Estados Unidos – começava a eclodir no Chile, Willy Brandt falou perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, foi o primeiro Chanceler alemão a fazê-lo. Ele trouxe à luz do dia a questão da fome no mundo. O aplauso que se seguiu à sua exclamação “A fome também é guerra” foi assombroso.»
[Tradução minha do inglês da prelecção do galardoado Günter Grass; texto completo: no sítio oficial da
Fundação Nobel]


Recomendação de leitura: o ensaio de W.G. SebaldO escritor Alfred Andersch” – que já aqui dei conta – incluído na sua obra História Natural da Destruição: Guerra Aérea e Literatura, Teorema, Fevereiro de 2006.

Sem comentários: