Quando o Público anunciou a sua extraordinária série de livros e filmes de 25 mestres do cinema mundial, sob a marca dos Cahiers du Cinéma – série que em França foi difundida pelo jornal Le Monde – tratei de elaborar as minhas (já famosas) listas, não só para verificar quanto tempo – contado em número de sextas-feiras – duraria a fastidiosa corrida às tabacarias e quiosques da minha cidade para adquirir o apêndice do dito jornal, por uns premeditados nove euros e noventa e cinco cêntimos, como também, para efeitos de comparação com a minha já considerável videoteca, para apurar as possíveis repetições de tal empreendimento – 248,75 euros já é uma cifra razoável, a pedir ponderação.
Feita a lista, uma pequena fúria, insípida, insonora, e até inodora – acabara de esgotar o meu stock de enxofre com os desgovernos socráticos (que não o mestre de Platão) – apoderou-se de mim, tendo por alvo um heteróclito quinteto: Nuno Artur Silva, Jorge Leitão Barros, Vasco Graça Moura, João Mário Grilo e Clara Ferreira Alves, respectivamente por, Fellini (com mais de 20 filmes, alguns ½), Coppola (mais de 30), Bergman (mais de 60), Rosselini (cerca de 50) e Antonioni (quase 40). Os 9,95 passariam a financiar apenas a curta biografia, atendendo à minha feliz condição de possuidor de bases para copos robustas e mais que suficientes, que vão permitindo manter imaculados os meus móveis de design (de concepção caseira), sem aquelas inestéticas rodelas que mesmo o cristal – vejam só! –, previamente humedecido dos mais finos espíritos condensados, sói deixar.
No entanto, esta semana, após um curto desabafo da minha lusitana avareza com o meu pai, ele disse-me: «Ouve lá, compra na mesma, eu pago-te metade e fico com o DVD. A cada passo dou por mim a rir-me sozinho com situações do Roma do Fellini… lembras-te do tipo que sai da plateia e vai acender o cigarro à vela que um cantor segurava no palco?… [sim, lembro-me] “e se te fosses f*** e acendesses nos c*** do pai!”» [os asteriscos são de exclusiva responsabilidade do decoro paterno, que se verbalizaram em palavras sincopadas a apelar à imaginação (ou inteligência) do receptor]
Negócio fechado.
Lapsos de segundo que me pareceram uma eternidade. O mal já havia sido reproduzido pelo meu menear de cabeça em assentimento, embora o mais zeloso dos contabilistas, se presente, manifestasse orgulho no potencial fiel seguidor… quiçá o próprio Bartleby.
Um forte lampejo de clarividência, perfeitamente verificável num cefalópode, e a vitória de espírito filial sem condições sobre o materialismo, levantaram do tapete os contundidos respeito e carinho que sinto pelo meu querido pai. Apercebendo-me do erro, antes ainda da terrível expiação, tentei reparar o dano – que não sei se foi sentindo como tal do outro lado – e disse:
«Deixa estar, pai. Eu vou comprá-lo porque quero ficar com o livro, e não precisas de me pagar a metade pelo DVD, dou-to como prenda do dia do pai que… humm… [lentamente dando-me conta do agravamento da minha mísera condição de Ebenezer Scrooge; os tais momentos em que o silêncio, com toda a sua implacabilidade, se transforma na única tábua de salvação, enquanto não chega o tenebroso fantasma dos Dias do Pai futuros] … é na próxima terça, não é?»
Não, minha alimária, é na quarta-feira.
Hoje, à hora que finalizo este texto, percorridas cerca de uma dúzia de bancas de jornais, nem Roma, nem biografia de Federico… E o jornal da Sonae, merecia uma resposta bem ao estilo do Mestre, que esta semana, por inépcia logística tão típica das empresas lusas, desapareceu das bancas.
Ah, entretanto, o meu pai está a gozar as suas merecidas férias durienses. Quarta-feira...
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