sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Meus senhores (…) Ivan Ilitch morreu! [actualizado]

«Aspirou o ar profundamente, não acabou a aspiração, inteiriçou-se e morreu.»
Porém, continuam a matar o pobre do Ivan Ilitch.

«Como isto aconteceu no início do terceiro mês da doença de Ivan Ilitch, impossível é sabê-lo, porque se deu a pouco e pouco, mas sucedeu que, sem ninguém dar conta, a mulher, a filha, o filho, os criados, os amigos, os médicos, e especialmente o próprio Ivan Ilitch, compreenderam que todo o interesse da sua situação para os outros se reduzia a saber quando deixaria enfim o campo livre, quando libertaria os vivos do mal-estar que causava a sua presença e se libertaria ele próprio dos seus sofrimentos.»


A Dom Quixote através da sua chancela para os livros de bolso, Booket, em colaboração com António Lobo Antunes, anunciou a edição da colecção “Biblioteca de Autor”, composta por 50 livros (à data não sei se reunirá 50 autores diferentes), ao preço de venda ao público de 7 euros cada, escolhidos pelo autor de Memória de Elefante.
Começou com Daudet e Tolstói (ambas as capas na imagem), e prosseguirá, por enquanto, com Conrad – mais uma edição, há poucas!, porventura com nova tradução, de O Coração das Trevas –, Svevo, Hawthorne com A Letra Encarnada – provavelmente, pelo título, com a tradução de Fernando Pessoa – e Balzac.

As citações acima reproduzidas referem-se à edição da Europa-América de A Morte de Ivan Ilitch, com tradução de Adolfo Casais Monteiro. Esta é a versão em português da obra imortal do escritor russo de que disponho na minha modesta biblioteca. Mas há-as para todos os gostos, mesmo sem contar com as edições brasileiras: ele é com tradução de Pedro Tamen, de António Pescada, de João Maia, do referido Casais Monteiro, de Alfredo e Maria Clarinda Brás – e não sei se a brilhante dupla de tradutores Nina Guerra e Filipe Guerra não terá feito a sua perninha; depois há Ilitch e Iliitch, de Leão, Leon, Leo ou Lev com Tolstoi, Tolstói ou Tolstoy; enfim, não é decerto por falta de soluções que Ivan Ilitch não morre…

Li algures que ALA pretende acabar com o marasmo da classificação de obras literárias como “clássico” – lá está a célebre megalomania, Lobo Antunes armado em Harold Bloom lusitano para fixar o cânone, com uma pitada de Borges para tentar delimitar a Biblioteca... se bem que este último houvesse proferido que ela “existe ab aeterno” e que o Homem é o imperfeito bibliotecário...
Pelos vistos, o marasmo combate-se com o marasmo. A Dom Quixote edita a célebre novela de Tolstói (a 7 euros, com uma brevíssima introdução de ALA) apenas dois meses volvidos da sua reedição pela Relógio D’Água (a 12 euros, com prefácio de Vladimir Nabokov), facto que é agravado pela total disponibilidade para venda da edição de bolso das Publicações Europa-América (a 5,99 euros, embora sem o precioso prefácio de 10 linhas de ALA…)
Assim vai o mercado editorial em Portugal, ainda parco na publicação de uma grande parte das obras da literatura universal de reconhecidíssimo mérito, abundante nas repetições, cujo único mérito, atingido assim de repente, é o de aumentar os lucros das indústrias da celulose, e pródigo nas mesquinhas guerras editoriais de alecrim e manjerona – e se, de facto, não se tratar de uma guerra, então o marasmo deve-se a uma negligência pura e simples, evidenciando o desrespeito pelo leitor e pelo fenómeno literário; maior proveito trariam se vendessem sabonetes…

[Não sei se já repararam, mas hoje mais do que nunca as reticências abundam neste blogue. É da idade e da irritação (contenção extrema para não dizer uma... caralhada.)]

Bom, eis o momento em que reiniciarei a antiga melopeia deste blogue em relação à maior (não confundir com a melhor, como se sói fazer neste país)
editora portuguesa, agora propriedade da LeYa, a princesa do George Lucas:

Para quando a prometida publicação das obras completas de Robert Musil com tradução de João Barrento?

«Nesse instante precisamente Ivan Ilitch caiu, viu a luzinha e descobriu que a sua vida não fora o que deveria ser, mas que o mal ainda podia ser reparado.»


[Adenda às 19:10]: Confirma-se, a versão de A Morte de Ivan Iliitch (sic) da editora Relógio D'Água é de autoria da dupla Nina Guerra e Filipe Guerra.

10 comentários:

Anónimo disse...

sinceramente, tb não percebi muito bem qual os critérios de escolha dos "clássicos" apontados... apenas me parece que o critério "tamanho" (pode ser uma merda freudiana, não renego) não deveria ser assim tão decisivo... Quando ALA afirma, por exemplo, que não é aquele o seu Balzac preferido, mas que teve de ser aquele para se tornar acessível ao leitor ou ao grande público ou lá o que é, enfim... de resto, parece-me que algumas benesses hão-de advir desta edição: por exemplo, nunca encontrei o "sapho" traduzido; do daudet só encontro o "tartarin dos alpes" e as "cartas do meu moinho", então nos alfarrabistas há-os em barda, e tenho boas referências deste romance... se a tal colecção for pretexto para traduções, primeiras edições e tal, venha ela... senão, olha, é ir à procura doutro "tamanho"... abraços

Anónimo disse...

Desconhecia, e também não me parece muito bem. Acabo de acordar e não tenho muito de inteligente para dizer, só que acho um piadão ao António. Imagino os 50 títulos com um prefácio seu. O desejo de querer ficar ligado à literatura (e de certa forma, à edição) parece-me um pouco ridículo, mas nunca li nada do homem, não devo falar mal.

Anónimo disse...

Epá, e não fales mal da dom quixote que eles acabam de lançar um livro cujo título é 'chega aonde quiseres' e tem como subtítulo 'estratégias comprovadas para o sucesso'. Eles estão mesmo preocupados com as pessoas. É inegável.

Anónimo disse...

não tem nada que ver com isto, mas lembrei-me agora de um livro que fez parte da bibliografia para uma tese de fim de curso, já lá vão uns aninhos, da autoria de um Ivan Illich, "Limites para a Medicina", salvo erro, uma edição dos anos 70, já não me recordo se brasileira ou portuguesa, mas anda por aqui numa estante qualquer.
defendia, se bem me lembro, a pouca utilização de analgésicos, entre outras coisas...

Anónimo disse...

Miguel,
Suponho que do Daudet só li Cartas do meu moínho e há muitos anos, numa edição velhinha dos meus pais.
Essa da justificação da escolha da obra do Balzac é das boas (para não dizer mais).
Luís,
Como já deves saber, eles (DQ) andam com uma campanha promocional nos livros de auto-ajuda. E querem ser grandes com Carolinas Salagados e quejandos.
CJ,
Curiosa coincidência, ainda por cima num profissional de medicina (embora o I.I. fosse jurista) e este se grafe com dois "l's"
Abraços a todos

Anónimo disse...

André, eu tenho essa edição da Europa-América mas talvez valha a pena dar agora mais uns euros por uma que tenha menos gralhas - são tantas que irrita!

é curioso que fui ter à morte do I Illitich pela mão de um Lobo Antunes, o João (que escreve magistralmente sobre a arte de ser médico e que nos seus livros recomenda repetidamente este como obra-prima sobre a experiência não só do adoecer mas, sobretudo, do cuidar quando a morte está por perto). é que sou mesmo capaz de o comprar de novo.

Anónimo disse...

Mónica,
Já não me recordo da qualidade da tradução, já o li há algum tempo. Mas sendo de Casais Monteiro... De qualquer forma, hei-de dar uma vista de olhos pelas outras traduções, em especial a dos Guerra.

Anónimo disse...

acho que é mais da edição que da tradução, gralhas puras, tantas

Anónimo disse...

Epá, a da Relógio D'Água é traduzida pelos Guerra e eu que fui comprar a da booket. Bom, ao menos é quase metade do preço. Valha-nos(me) isso.

Anónimo disse...

Também gosto das traduções dos Guerra, mas por 5 euros creio que não fizeste mal, o Pescada também é bom. A minha, já velhinha, é do Adolfo Casais Monteiro.