segunda-feira, 4 de junho de 2007

IAN

Joy Division - Love Will Tear us Apart (single, Fac. 23)Na noite de 17 para 18 de Maio de 1980, Ian Kevin Curtis (n. 1956) punha termo à sua curta vida, enforcando-se na cozinha de sua casa. Com ele terminou a carreira de uma das melhores bandas musicais de sempre, os Joy Division, justamente na véspera de iniciarem a promissora tournée pelos Estados Unidos, onde já reverberavam os sons angustiantes da guitarra de Bernard Sumner, do baixo de Peter Hook e da bateria de Stephen Morris, conjuntamente com a voz cavernosa e profundamente encantatória de Ian Curtis.
Para a história ficam o filme de 1977, Stroszek, do realizador alemão Werner Herzog, a que Ian assistiu na noite de 17 de Maio – relatando a história conturbada de um alcoólico e ex-condenado alemão que emigra para os Estados Unidos e que mais tarde acaba por se suicidar – e o fantástico álbum, também de 1977, de Iggy Pop, produzido por David Bowie, The Idiot – álbum que inclui as fabulosas músicas “Nightclubbing”, “Dum Dum Boys” e a icónica “China Girl” –, que corria ainda no gira-discos quando no dia 18 de manhã Deborah, a sua mulher, após haver acordado sobressaltada em casa dos pais com as primeiras estrofes de canção The End dos Doors, se deslocou a sua casa e encontrou Ian enforcado na cozinha. Em cima da mesa, junto a um amontoado de fotografias do seu casamento e de um retrato emoldurado de Natalie, a sua filha, estava uma carta, redigida em letras maiúsculas – tal como escrevia as letras das suas canções –, confessando a sua angústia pelo afastamento... (cf. Deborah Curtis, Carícias Distantes).

Em Março de 1980, os Joy Division gravam para a Factory o seu maior sucesso de sempre, a premonitória canção “Love Will Tear us Apart”. A capa do single, Fac 23 e que incluía no lado B o tema não menos excepcional “These Days”, foi idealizada por Curtis. Nela surgem apenas inscritos o título da música e o número de série do disco na editora; segundo Deborah, Ian relatou-lhe o processo de composição: são letras gravadas numa folha de metal, introduzida posteriormente em ácido e finalmente exposta à influência dos elementos. Ian queria que o metal se assemelhasse a uma pedra… Mais tarde, Deborah gravou as cinco palavras na pedra tumular que alberga as cinzas do marido.

Da letra ficam os reflexos da epilepsia que se vinha agravando com o ritmo apertado das gravações e dos concertos, e o afastamento de Ian das suas mulher e filha, catalisado por um romance mantido com a jovem admiradora belga Annick Honoré.

Por pedido expresso da
Mónica, fica aqui a minha versão em tradução eminentemente livre da letra cuja magia osmótica com a música não se deixou cair no olvido, atravessando gerações há 27 anos. Seguindo as palavras de Kundera sobre a imortalidade e adaptando-as ao caso concreto, Ian Curtis sim, pensou na morte ao sonhar com a imortalidade, pertencendo ao grupo restrito daqueles que serão recordados no espírito dos que nunca o conheceram – a distintiva da grande imortalidade e sem traços de risibilidade

Quando a penosa rotina magoa,
e frágeis são as ambições,
e o ressentimento alto voa,
mas não crescerão as emoções.
E estamos a mudar os nossos caminhos, seguindo por estradas diferentes.

Então o amor, o amor afastar-nos-á de novo.

Por que está o quarto tão frio?
Voltaste-te para teu lado do leito.
Não intervim em tempo digno?
Expirou o nosso mútuo respeito.
Porém ainda resiste esta atracção que sobreviveu às nossas vidas.

Mas o amor, o amor afastar-nos-á de novo.

Choras durante o teu sono,
expõem-se todos os meus fracassos.
Na minha boca forma-se um gosto,
sempre que o desespero aperta o laço.
E como algo tão bom deixou de poder continuar.

Enquanto o amor, o amor afastar-nos-á de novo.


Ian Curtis, Love will tear us apart, 1980 [versão: O amor afastar-nos-á, AMC, 2007]

4 comentários:

Anónimo disse...

Que belo texto! E que estória tão bem contada. Muito bem. Mas, claro, não foi só para isto que aqui vim, mas também para dizer: AINDA BEM, MEU PANASCOLA, QUE ATENDESTE O TELEFONE, SE NÃO, TINHA QUE DEIXAR-TE UM COMENTÁRIO INSULTUOSO. VÁ LÁ, ATENDESTE: PARABÉNS, MEU PANASCOLITA!!!

Anónimo disse...

é extraordinária esta música que possibilita tantas traduções possíveis.
acabo de ver a do mexia...

Anónimo disse...

Logo falamos, R.
Meu quê!?
Beijos

Anónimo disse...

obrigada André: como seria de esperar, saiu muito melhor que a "encomenda".