sábado, 16 de junho de 2007

Está tudo lá dentro?

4.º Passo: Um minucioso inventário
(seguindo os passos até ao São João)



Óptimo!
Shortbus, o pequeno autocarro, por comparação aos grandes, bojudos, gordalhões e normalizados autocarros amarelos de transporte escolar americanos – por onde passou qualquer cidadão “normal” enquanto criança –, shortbus – qualquer coisa como um bar de liberdade incondicional, hedonista –, o lugar, o salão para os prodigiosos e os incapacitados; em suma, para os inadaptados desta vida, cuja instabilidade emocional deriva de uma sociedade massificada e da incontornável padronização comportamental.

Dito assim, teríamos certamente matéria mais do que suficiente para um argumento de um filme de baixo orçamento sobre a disfuncionalidade, a inadaptação e a opressão dos que, por escolha e/ou faculdade desenvolvida, habitam as franjas de uma sociedade instrumentalizada e alienada. Porém, John Cameron Mitchell, simultaneamente o realizador e o argumentista do filme, foi mais além (ambição) e decorou o filme com cenas de sexo explícito, cuja intensidade vai diminuindo com o correr da película, mas que serão suficientes para provocar alguns engasgamentos aos espectadores menos avisados.
Em Shortbus há de tudo. Autofelação – de um admirável, e de certa forma invejável, talento acrobático –, fetichismo, voyeurismo, sodomia, masturbação em ambos os géneros, exibicionismo, cunnilingus, toda uma variedade de objectos de indução de prazer de índole sexual – ao que obriga um desejado eufemismo! – e respectiva demonstração para a sua correcta utilização, beijos negros, o hino americano cantado para o recto – sim, isso mesmo, parte anterior ao ânus –, uma conselheira sexual que nunca atingiu um orgasmo, um triângulo equilátero brochista que se transmuta – seguindo uma geometria perfeita – a meio da parada, um ovo vibratório intravaginal com telecomando para o tipo de sensações pretendido, um antigo e geriátrico presidente da câmara de Nova Iorque – que diz que a Grande Maçã é fascinante porque é o lugar onde toda a gente vem para foder e o último lugar onde as pessoas se dobram para deixarem entrar o novo… e o velho –, uma dominatrix profundamente carente e a desejar uma vida normal; enfim, tudo o que se possa imaginar, apenas com um simples pormenor: tudo isso foi filmado sem rodeios e incluído no filme para ser exibido e tentar contar uma história de uma forma irreverente – o uso do baque emocional gratuito através do sexo, vulgo pornografia – que se revelou de uma banalidade nauseante – estas últimas palavras, quando conjugadas em simultâneo, fazem-me lembrar o John Doe (Kevin Spacey) quando relata a Mills (Brad Pitt) e Somerset (Morgan Freeman) o vómito induzido pela banalidade da conversa mantida com uma senhora comum no autocarro…

Não é que, de alguma forma, as cenas de sexo explícito me repugnem, bem pelo contrário, estimulam aquilo que, segundo muitos, temos de mais primitivo, o desejo sexual; no entanto, como referi no parágrafo anterior, em Shortbus sente-se a dispensabilidade da exibição crua e sem artificialismos da maioria das cenas que envolvem sexo, como demonstra a deliciosa e perturbadora conversa entre o mestre (o ex-presidente da câmara) e o efebo (o último vértice do triângulo), onde se experimenta uma forte tensão, e que apenas terminou com a ternura de uma mão no cocuruto e um simples beijo nos lábios.
Por vezes o mais simples torna-se o mais difícil de transmitir, e a arte e o prazer estético que dela retiramos resultam dessa destreza comunicacional entre o artista e o seu receptor.
Coisa que, de todo, não ocorre com esta fita.

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