10.º Passo: prossegue o inventário pessoal, admitindo com convicção os nossos erros.
(seguindo os passos até ao São João... + 2 d.)
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Recomeço…
Pais e filhos é um “romance” sobre “famílias” como reflexo de todo um sistema social tipicamente feudal da Rússia de meados do século XIX. Bom, adiante…
Pais e Filhos, romance escrito por Ivan Turguéniev (1818-1883) – considerado como o “mais ocidental” dos autores russos novecentistas –, foi originalmente publicado em 1862, ano que, de forma indelével, assinalou nos anais da História do império dos czares o surgimento do movimento cultural do niilismo russo – cuja etimologia deriva da expressão do Latim “nihil”, que significa…
[pressinto o fim, nasce em mim uma vontade de divagar, como se ao exceder um imaginário limite de palavras, o inebriamento que o vício nos dissemina nas entranhas perdurasse para além do limite que estipulámos, o fim].
[O niilismo russo] que defendia o fim do opressivo sistema feudal, fortemente hierarquizado e dominado por uma classe aristocrática corrupta, frívola e indolente e que se limitava a explorar os desprotegidos que, imbuídos de uma religiosidade acerba e de um tradicionalismo paralisante, não contestavam o poder despótico das instituições de governo do império influenciadas por essa aristocracia.
Turguéniev, um admirador confesso das democracias, das sociedades e das escolas de pensamento ocidentais, designadamente das francesa e inglesa, constrói uma narrativa que, de uma forma veemente, através do seu personagem principal Evguéni Vassílitch Bazárov, condena a eslavofilia, machista, absoluta e servil, intensamente arreigada na sociedade russa que lhe foi contemporânea – note-se que a acção decorre no ano de 1959, logo após o términos do reinado tirânico de Nicolau I (m. 1855), encontrando-se a Rússia nos primeiros anos de governação do seu filho, o czar Alexandre II, cujo assassinato em 1881 iria marcar o fim deste movimento, indecorosamente confundido com e absorvido pelo movimento anarquista.
Bazárov, com o seu austero niilismo, condena todo o tipo de romantismo ou de arte, que considera como palavras sinónimas entre si, assim como com inutilidade, sem qualquer tipo de valor, trata-se apenas da «arte de acumular dinheiro, ou de acabar com as hemorróidas!»: «um bom químico é vinte vezes mais útil do que qualquer poeta» (pág. 32)
Arkádi Nikoláevitch Kirsánov regressa a casa, à cidade de X… (denominada por Marino pelo pai Nikolai Petróvitch Kirsánov, que vive com o seu irmão Pável), após a frequência da Universidade em São Petersburgo, trazendo consigo o seu colega, amigo e, de certa forma, mentor e iniciador no niilismo, Bazárov. Este é o ponto de origem de todo o conflito geracional que se arrasta pela obra.
Atente-se em parte de um delicioso diálogo estabelecido entre Arkádi e Bazárov sobre o pai do primeiro:
Turguéniev, um admirador confesso das democracias, das sociedades e das escolas de pensamento ocidentais, designadamente das francesa e inglesa, constrói uma narrativa que, de uma forma veemente, através do seu personagem principal Evguéni Vassílitch Bazárov, condena a eslavofilia, machista, absoluta e servil, intensamente arreigada na sociedade russa que lhe foi contemporânea – note-se que a acção decorre no ano de 1959, logo após o términos do reinado tirânico de Nicolau I (m. 1855), encontrando-se a Rússia nos primeiros anos de governação do seu filho, o czar Alexandre II, cujo assassinato em 1881 iria marcar o fim deste movimento, indecorosamente confundido com e absorvido pelo movimento anarquista.
Bazárov, com o seu austero niilismo, condena todo o tipo de romantismo ou de arte, que considera como palavras sinónimas entre si, assim como com inutilidade, sem qualquer tipo de valor, trata-se apenas da «arte de acumular dinheiro, ou de acabar com as hemorróidas!»: «um bom químico é vinte vezes mais útil do que qualquer poeta» (pág. 32)
Arkádi Nikoláevitch Kirsánov regressa a casa, à cidade de X… (denominada por Marino pelo pai Nikolai Petróvitch Kirsánov, que vive com o seu irmão Pável), após a frequência da Universidade em São Petersburgo, trazendo consigo o seu colega, amigo e, de certa forma, mentor e iniciador no niilismo, Bazárov. Este é o ponto de origem de todo o conflito geracional que se arrasta pela obra.
Atente-se em parte de um delicioso diálogo estabelecido entre Arkádi e Bazárov sobre o pai do primeiro:
«(…)
– Anteontem dei com ele a ler Púchkin – continuou Bazárov entretanto. – Fá-lo ver, por favor, que isso já não serve para nada. Ele não é nenhum rapazinho, é tempo de deixar essas tolices. E que gosto esse de ser romântico nestes tempos! Dá-lhe qualquer coisa sensata para ler.
– Dar-lhe o quê? – perguntou Arkádi.
– Sim, eu acho que o Stoff und Kraft, de Büchner, para começar.
– Eu também acho – aprovou Arkádi. – Stoff und Kraft está escrito numa linguagem popular.» (pág. 54)
Repleto de personagens fascinantes, cujos passados, minuciosamente descritos, justificam, como uma herança genética, as distintas maneiras de ver o mundo, fortemente influenciadas pelo espírito do tempo por que a Rússia atravessava, quer por aceitação ou resignação, quer por reacção ou denegação, em contraposição com o desenvolvimento das democracias ocidentais que, pela filosofia aplicada à ciência, caminhavam rumo a um materialismo visto como libertador das amarras da crendice, da servidão humana e do preconceito, Pais e Filhos é, todavia, um tratado sobre a moderação, sobre o necessário diálogo geracional, o meio-termo que evita a potencial devastação pelo recrudescimento dos radicalismos de pólos contrários, tão bem consubstanciado nas capacidades curativas do “amor” – o paroxismo do romantismo –, na arte como o veículo para essa redenção, aqui entendido como a mola impulsora, conscientemente rejeitada pelo embaraço do Homem – o seu esforço inglório de racionalização de todo o comportamento humano, rejeitando qualquer tipo de sentimento –, para alcançar a plenitude da alma.
Esta edição da obra-prima de Turguéniev, com chancela da Relógio D’Água, inclui um posfácio de Vladimir Nabokov, de mera análise literária.
Na sua primeira frase, Nabokov afirma que «Pais e Filhos não é só o melhor romance de Turguéniev, mas também um dos maiores romances do século XIX.» (pág. 219)
Concordo com a afirmação, desde que se ressalve a posição cimeira de Tolstoi (1828-1910) e de Dostoievski (1821-1881) – inimigo visceral de Turguéniev e objecto de alguma censura literária por Nabokov – enquanto romancistas e na quantidade de obras-primas que trouxeram ao mundo na arte de romancear, onde permanecem (quase) imbatíveis decorrido mais de um século.
Porém, o seu a seu dono, e o mérito com quem o tem, sem ser uma obra-prima da dimensão das engendradas pelos dois autores supramencionados e seus contemporâneos:
Classificação: ***** (Muito Bom).
Referência bibliográfica:
Ivan Turguéniev, Pais e Filhos. Lisboa: Relógio D’Água, 1.ª edição, Maio de 2007, 251 pp. (tradução de António Pescada; obra original: Отцы и Дети, 1862).
Esta edição da obra-prima de Turguéniev, com chancela da Relógio D’Água, inclui um posfácio de Vladimir Nabokov, de mera análise literária.
Na sua primeira frase, Nabokov afirma que «Pais e Filhos não é só o melhor romance de Turguéniev, mas também um dos maiores romances do século XIX.» (pág. 219)
Concordo com a afirmação, desde que se ressalve a posição cimeira de Tolstoi (1828-1910) e de Dostoievski (1821-1881) – inimigo visceral de Turguéniev e objecto de alguma censura literária por Nabokov – enquanto romancistas e na quantidade de obras-primas que trouxeram ao mundo na arte de romancear, onde permanecem (quase) imbatíveis decorrido mais de um século.
Porém, o seu a seu dono, e o mérito com quem o tem, sem ser uma obra-prima da dimensão das engendradas pelos dois autores supramencionados e seus contemporâneos:
Classificação: ***** (Muito Bom).
Referência bibliográfica:
Ivan Turguéniev, Pais e Filhos. Lisboa: Relógio D’Água, 1.ª edição, Maio de 2007, 251 pp. (tradução de António Pescada; obra original: Отцы и Дети, 1862).
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