Talvez o tenha assumido de uma forma implícita, quando no final do mês passado decidi dar a estocada final no blogue que vinha mantendo havia mais de um ano e meio; mas a irregularidade de actualização que me impus com a criação deste libertou-me de uma tarefa que, apesar de estar longe de um imposição exógena emanada de uma autoridade palpável ou de uma endógena, desdobrável e infame entidade subconsciente, que comandasse a minha vida fora dos momentos de lazer – ou na oportunidade de obtenção desses mesmos momentos –, me consumia uma parte considerável do recurso tempo.
Falo, é claro, das notas de prova dos livros publicados durante o ano corrente que iam passando pelos meus olhos, e com isso, acreditem, sem o pretensiosismo de dirigir a leitura dos poucos que me liam – e há, felizmente, instrumentos metabloguísticos que permitem aferir dessa regularidade leitora –, mas mais como uma necessidade de libertar as minhas pulsões literárias através das leituras que ia fazendo: o critério “ano de edição” apenas restringia a incomensurável área sobre que poderia estabelecer as minhas divagações – nunca recensões ou pequenas exegeses de carácter quase científico, a minha formação é outra, bastante diversa da literatura, strictu sensu, e, acima de tudo, as minhas notas poderiam ser entendidas como usurpação do trabalho alheio, aliás bem remunerado, apesar do incondicional amor decretado, quase que excluindo o vil metal da razão de ser da actividade exercida.
Aqui – entenda-se todo espaço físico que, com o meu único objectivo de válvula de escape, ocupo ou ocupei na blogosfera – apenas procurei emitir as minhas notas de leitura: simples opiniões, acopladas de um qualificativo (quantitativo ou numérico-estelar, coadjuvado por uma escala discreta qualitativa: do mau à obra-prima). Curiosamente, valeram-me alguns deslincamentos, a forma mais ignóbil de tratamento do outro na blogosfera, porque mesquinha, pela calada e sem qualquer justificação ou intenção de, pelo menos, prestar uma curta explicação, pública ou privada.
Em suma, toda a verborreia acima materializada, para dizer que com o “Nunca Mais”, acabou a secção classificativa dos livros editados durante o ano, em permanente actualização. Falarei apenas sobre aqueles que me apetecer, obedecendo, única e exclusivamente, e uma vez mais, ao ano de edição, que no presente é o de 2008. No final do ano – se ainda por cá gravitar – divulgarei a lista de preferências.
Dada a extensão do texto anterior, insignificante e estéril, já não me sobra muito espaço – aqui definido paradoxalmente pelo tempo disponível para a escrita – para falar de oito livros editados em 2008 que me acompanharam nos meses de Abril e Maio (por ordem de leitura, sempre entremeados com livros editados em anos anteriores – trata-se de uma regra basilar que imponho à actualização das novidade editoriais):
- John Updike, Regressa, Coelho (Civilização; Rabbit Redux, 1971);
- W.G. Sebald, Campo Santo (Teorema; Campo Santo, 2003);
- Mircea Eliade, Uma Segunda Juventude (Bico de Pena; Le temps d’un centenaire, 1981);
- Enrique Vila-Matas, Exploradores do Abismo (Teorema; Exploradores del abismo, 2007);
- Adolfo Caminha, Bom Crioulo (Palimpsesto; 1895);
- Robert Musil, O homem sem qualidades, Vol’s I e II (Dom Quixote; Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942);
- Eduardo Halfon, O anjo literário (Cavalo de Ferro; El ángel literario, 2004);
- Albert Sánchez Piñol, Pandora no Congo (Teorema; Pandora al Congo, 2005).
O último da lista foi terminado ontem (hoje), às 2:30 da madrugada, e depois de à meia-noite ter ficado estabelecido que apenas o terminaria hoje. Albert Sánchez Piñol escreveu, uma vez mais – depois do soberbo A Pele Fria (ed. port. Teorema, 2006; La pell freda, 2002) – um livro (o seu segundo) excepcional. Este antropólogo barcelonês de 43 anos é um caso de sucesso e de eminência literárias em Espanha – qualificativos que ultimamente costumam ser mutuamente exclusivos. A sua prosa, mesmo para quem – como eu – não é especial adepto de livros de aventuras, é enleante, segura, audaz e arrebatadora (ler as curtas linhas que escrevi no extinto Porque sobre um dos melhores romances, senão mesmo o melhor, editados em Portugal no ano de 2006, A Pele Fria).
Mas sobre Pandora no Congo, O homem sem qualidades, Uma segunda juventude, O Anjo literário e talvez Os Exploradores do Abismo, tentarei falar em conjunto ou em separado nos próximos textos deste blogue.
Tempo e pachorra.
Por agora, enquanto leio Hölderlin e Michaux, ando a esquadrinhar Possessão, obra-prima da autora inglesa A.S. Byatt (n. 1936) – felizmente, sem haver sofrido a possível contaminação do filme de 2002 de Neil LaBute, com Gwyneth Paltrow e Aaron Eckhart –, editado pela primeira vez entre nós pela ainda púbere, porém já de uma qualidade superior ao lixo dos conglomerados, editora Sextante, que mereceu estas linhas lacónicas na última edição da revista Ler: «Empreendimento no mínimo volumoso, acaba de sair Possessão. Uma História de Amor, Booker Prize de 1990 (edição Sextante) – com tradução de António Pescada.» (pág. 15)
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