No passado dia 17 de Maio (sábado), celebrou-se o Dia Internacional contra a Homofobia.
Confesso que sofro de alguma fobia por dias internacionais, mundiais, nacionais ou regionais, embora ela resulte da vertente carnavalesca ou pedinchona dos eventos. Compreendo, no entanto, a necessidade da sua calendarização e posterior celebração, como um grito de alerta perante a passividade de um quotidiano de luta pela sobrevivência, que não deixa espaço à reflexão. Para problemas bastam os nossos, mas será que muitos desses, que são nossos, não resultam directa ou indirectamente do motivo que levou à criação desse determinado dia da memória?
A homofobia é um acto de violência puro e simples contra o direito à diferença, muitas vezes silenciosamente perverso, cobarde e mesquinho, cujos mais celerados propagadores e partidários da coarctação dessa liberdade se fundamenta em critérios tão intelectualmente medíocres como o da simples poluição visual, e esse costuma ser o grotesco, ignóbil, grande salto para a defesa da segregação, que outrora levou ao extermínio de milhões de inocentes.
Em suma, o penoso egoísmo ocidental não nos permite identificar como nosso o sofrimento dos outros; porém ele difunde-se inexoravelmente pelo globalizado canal social à comunidade em que nos inserimos. Infecta-a, com diferentes cargas de virulência, corrompe-a, distorce a escala de valores, onde o efeito é entendido como causa, onde o manso cordeirirnho digere o lobo até ao tutano em tranquilo repasto. E é essa a inversão – uso propositado da palavra: o motor de todos os conflitos.
Assim, porque não um pouco de homoerotismo literário para excitar, em sentido lato, a comunidade blogosférica?
Trata-se da primeira parte de um conto publicado na Granta n.º 100 pelo escritor inglês (sósia, insisto, do nosso FJV), vencedor do Booker Prize em 2004 por A Linha da Beleza (The Line of Beauty, 2004), Alan Hollinghurst (n.1954) – os homofóbicos encapotados ficarão, decerto, com água na boca.
Atracções Turísticas
A homofobia é um acto de violência puro e simples contra o direito à diferença, muitas vezes silenciosamente perverso, cobarde e mesquinho, cujos mais celerados propagadores e partidários da coarctação dessa liberdade se fundamenta em critérios tão intelectualmente medíocres como o da simples poluição visual, e esse costuma ser o grotesco, ignóbil, grande salto para a defesa da segregação, que outrora levou ao extermínio de milhões de inocentes.
Em suma, o penoso egoísmo ocidental não nos permite identificar como nosso o sofrimento dos outros; porém ele difunde-se inexoravelmente pelo globalizado canal social à comunidade em que nos inserimos. Infecta-a, com diferentes cargas de virulência, corrompe-a, distorce a escala de valores, onde o efeito é entendido como causa, onde o manso cordeirirnho digere o lobo até ao tutano em tranquilo repasto. E é essa a inversão – uso propositado da palavra: o motor de todos os conflitos.
Assim, porque não um pouco de homoerotismo literário para excitar, em sentido lato, a comunidade blogosférica?
Trata-se da primeira parte de um conto publicado na Granta n.º 100 pelo escritor inglês (sósia, insisto, do nosso FJV), vencedor do Booker Prize em 2004 por A Linha da Beleza (The Line of Beauty, 2004), Alan Hollinghurst (n.1954) – os homofóbicos encapotados ficarão, decerto, com água na boca.
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1. Eles estavam em Gatwick, Colin e Archie, à espera do check-in, enquanto Colin se ia recusando a reflectir se isto teria sido uma boa ideia. Archie já estava conversar com o jovem italiano que se encontrava à sua frente na fila, que tinha o novo modelo de iPod que ele pretendia. Colin ajoelhou-se para tirar da sua mala o seu exemplar de I promessi sposi, de que continuava a servir-se para expandir os seus domínios no italiano. Ele não estava nada satisfeito por haver descoberto que Archie também sabia falar italiano, embora o fizesse apenas no presente verbal; ele não o queria ver a escapulir-se por Roma toda a falar italiano. Naquele momento, Archie enviava o seu número de telefone ao rapaz italiano, perguntando-lhe algo sobre uma discoteca. Oh, meu Deus, pensou Colin. Certamente não vamos a Roma pelas discotecas. Embora, uma pequena parte dele próprio pensasse que até poderia ser algo excitante regressar tendo ido, pelo menos, a uma.
Colin Cardew tinha cinquenta e dois anos e trabalhou para a Latimer, os editores dos famosos guias culturais. Ele vivia sozinho e bebia um pouco de mais, e as pessoas que o ficavam a conhecer nos encontros literários julgavam-no mais velho e entediante do que o era na realidade. Ele tinha estado em Roma há vinte anos, com um amigo que mais tarde viria a morrer, e desde então, um sentimento de desânimo e de perda afastaram-no do lugar. Ao Archie nada foi contado sobre isto e, de certa forma, a sua ignorância era a beleza do plano. Ele pedira-lhe para lá ir, para que lhe pudesse ser mostrada alguma coisa de diferente. Colin fitou discretamente a sua pequena, bem moldada, os, bem na moda, centímetros de roupa interior branca acima dos seus jeans de cintura descaída. Desde Maio passado, deixara de haver sexo, ou qualquer coisa que se lhe pudesse aproximar. Archie esquivar-se-ia ou diria, “Deus do céu, estou cheio de fome!” e depois teriam ido à trattoria mais próxima. Ele fizera dele próprio, de uma forma tocante porém ao mesmo tempo frustrante, apenas um amigo: Colin pagou na mesma, mas pelo jantar e não por cinquenta minutos na cama. Pois bem, ele sabia que estas coisas não se dão por adquiridas, mas sentiu com alguma certeza que com um fim-de-semana livre em Roma o seu companheiro aceitara qualquer coisa mais.
No avião, Archie insistiu em ficar junto à coxia, garantindo possuir uma tendência para a claustrofobia. Assim que todos haviam apertado os cintos de segurança e as portas se encontravam fechadas, o primeiro comissário anunciou um atraso de oito minutos. Archie demonstrou uma grande tolerância durante o primeiro minuto e meio, mas depois disse, “Eu sabia que deveríamos ter viajado na BA.”
Colin releu várias vezes o mesmo parágrafo de I promessi sposi, picado pela crítica às suas providências de viagem, e incapaz de vislumbrar porque é que aquela estaria menos sujeita a atrasos na pista que a Alitalia. Bom, era um lembrete útil: aquele Archie, apesar de gostar de ser pago para, não gostava de ser planeado para. Ele podia ficar abespinhado se não estivesse ao comando na elaboração dos planos, e os agrados e as surpresas nem sempre corriam bem com ele. Por vezes, se ele não estivesse a par de um determinado plano, ele tomava-o para si e mudava-o, para que, ao invés, se transformasse numa surpresa para Colin.
Colin disse, “Bem, pelo menos podes começar a habituar-te ao espírito italiano”, e entregou-lhe o Latimer Cultural Guide to Rome. Archie disse, “O.K.…” com o cenho franzido, e depois riu-se e encostou a sua cabeça ao ombro de Colin num gesto de confiança e de afecto, que tinha tanto de acriançado como de enamorado. “Eu só quero chegar a Itália,” disse ele.
“Eu sei”, disse Colin, subitamente animado. “Também eu.”
“Tenho muita sorte em te ter para ma mostrares.”
“Sim, tens”, disse Colin; e depois, pensado que seria a melhor altura para a sua primeira lição, “Então, quem são os dois grandes arquitectos da Roma barroca?”
Archie afastou-se e inclinou-se para espreitar para a coxia para um comissário de bordo que se afastava.
“Não respondeste à minha pergunta”, disse Colin
“Hum…” Archie riu ligeiramente e mexeu os olhos de um lado para o outro imitando reflexão. “Sim… agora… quem são eles?” disse ele.
“Bom, eles são muito fáceis de memorizar. Há o Bernini e há o Borromini: os dois B’s.”
“Oh!... claro. Então é Bernini – e… qual era ao outro?”
“Borromini.”
“Bernini”, disse Archie. “E Borromini.”
“E há ainda um terceiro, chamado Pietro da Cortona, mas eu não vou chatear-te com ele até lá chegarmos e podermos visitar uma igreja dele.”
Não era claro que Archie houvesse imaginado que na realidade iriam visitar igrejas. “O.K…” disse ele; e depois, “Não, os dois B’s são provavelmente suficientes para o meu pequeno cérebro.”
“Eu imaginei”, disse Colin.
“Olha para os bíceps deste tipo”, disse Archie, enquanto o comissário de bordo, colossal com a sua camisa de manga curta, deambulava pela coxia.
À sua passagem Archie sorriu-lhe, e recebeu em troca um dissimulado franzir de sobrancelha.
“Irás ver melhores exemplos disso em Roma”, disse Colin de forma entusiástica, reabrindo I promessi sposi, lendo o parágrafo que lhe era vagamente familiar pela quarta vez.
Colin Cardew tinha cinquenta e dois anos e trabalhou para a Latimer, os editores dos famosos guias culturais. Ele vivia sozinho e bebia um pouco de mais, e as pessoas que o ficavam a conhecer nos encontros literários julgavam-no mais velho e entediante do que o era na realidade. Ele tinha estado em Roma há vinte anos, com um amigo que mais tarde viria a morrer, e desde então, um sentimento de desânimo e de perda afastaram-no do lugar. Ao Archie nada foi contado sobre isto e, de certa forma, a sua ignorância era a beleza do plano. Ele pedira-lhe para lá ir, para que lhe pudesse ser mostrada alguma coisa de diferente. Colin fitou discretamente a sua pequena, bem moldada, os, bem na moda, centímetros de roupa interior branca acima dos seus jeans de cintura descaída. Desde Maio passado, deixara de haver sexo, ou qualquer coisa que se lhe pudesse aproximar. Archie esquivar-se-ia ou diria, “Deus do céu, estou cheio de fome!” e depois teriam ido à trattoria mais próxima. Ele fizera dele próprio, de uma forma tocante porém ao mesmo tempo frustrante, apenas um amigo: Colin pagou na mesma, mas pelo jantar e não por cinquenta minutos na cama. Pois bem, ele sabia que estas coisas não se dão por adquiridas, mas sentiu com alguma certeza que com um fim-de-semana livre em Roma o seu companheiro aceitara qualquer coisa mais.
No avião, Archie insistiu em ficar junto à coxia, garantindo possuir uma tendência para a claustrofobia. Assim que todos haviam apertado os cintos de segurança e as portas se encontravam fechadas, o primeiro comissário anunciou um atraso de oito minutos. Archie demonstrou uma grande tolerância durante o primeiro minuto e meio, mas depois disse, “Eu sabia que deveríamos ter viajado na BA.”
Colin releu várias vezes o mesmo parágrafo de I promessi sposi, picado pela crítica às suas providências de viagem, e incapaz de vislumbrar porque é que aquela estaria menos sujeita a atrasos na pista que a Alitalia. Bom, era um lembrete útil: aquele Archie, apesar de gostar de ser pago para, não gostava de ser planeado para. Ele podia ficar abespinhado se não estivesse ao comando na elaboração dos planos, e os agrados e as surpresas nem sempre corriam bem com ele. Por vezes, se ele não estivesse a par de um determinado plano, ele tomava-o para si e mudava-o, para que, ao invés, se transformasse numa surpresa para Colin.
Colin disse, “Bem, pelo menos podes começar a habituar-te ao espírito italiano”, e entregou-lhe o Latimer Cultural Guide to Rome. Archie disse, “O.K.…” com o cenho franzido, e depois riu-se e encostou a sua cabeça ao ombro de Colin num gesto de confiança e de afecto, que tinha tanto de acriançado como de enamorado. “Eu só quero chegar a Itália,” disse ele.
“Eu sei”, disse Colin, subitamente animado. “Também eu.”
“Tenho muita sorte em te ter para ma mostrares.”
“Sim, tens”, disse Colin; e depois, pensado que seria a melhor altura para a sua primeira lição, “Então, quem são os dois grandes arquitectos da Roma barroca?”
Archie afastou-se e inclinou-se para espreitar para a coxia para um comissário de bordo que se afastava.
“Não respondeste à minha pergunta”, disse Colin
“Hum…” Archie riu ligeiramente e mexeu os olhos de um lado para o outro imitando reflexão. “Sim… agora… quem são eles?” disse ele.
“Bom, eles são muito fáceis de memorizar. Há o Bernini e há o Borromini: os dois B’s.”
“Oh!... claro. Então é Bernini – e… qual era ao outro?”
“Borromini.”
“Bernini”, disse Archie. “E Borromini.”
“E há ainda um terceiro, chamado Pietro da Cortona, mas eu não vou chatear-te com ele até lá chegarmos e podermos visitar uma igreja dele.”
Não era claro que Archie houvesse imaginado que na realidade iriam visitar igrejas. “O.K…” disse ele; e depois, “Não, os dois B’s são provavelmente suficientes para o meu pequeno cérebro.”
“Eu imaginei”, disse Colin.
“Olha para os bíceps deste tipo”, disse Archie, enquanto o comissário de bordo, colossal com a sua camisa de manga curta, deambulava pela coxia.
À sua passagem Archie sorriu-lhe, e recebeu em troca um dissimulado franzir de sobrancelha.
“Irás ver melhores exemplos disso em Roma”, disse Colin de forma entusiástica, reabrindo I promessi sposi, lendo o parágrafo que lhe era vagamente familiar pela quarta vez.
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Alan Hollinghurst, “Highlights”, Granta, n. 100, Winter 2007 [trafução do inglês: AMC, 2008]
Alan Hollinghurst, “Highlights”, Granta, n. 100, Winter 2007 [trafução do inglês: AMC, 2008]
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