sábado, 5 de maio de 2007

Auto...

«O risco profissional a longo prazo de fazermos espectáculo de nós próprios consiste em, a dada altura, também comprarmos o bilhete.»

Uns são auto-indulgentes, outros auto-referenciais, outros ainda auto-iludidos e a nova estirpe, que brotou da terra como um géiser incontinente – que metáfora tão fraquinha, a roçar os limites do irrepreensivelmente deplorável (lá está!) –, os autodepreciadores.

Eu explico (soberba, aí vem a auto-referência). Terminada a leitura de Salammbô de Flaubert – mais tarde colocarei aqui a minha avaliação (auto-ilusão, ou seja, megalomania, com laivos de alguma histrionia…) –, pronto para regressar a mais umas linhas – poucas, talvez mais um artigo – do Caranguejo de Eco e para escolher o próximo livro que nos próximos tempos me acompanhará nas noites em que o buliçoso mulherio que comigo reparte o lar estiver, justa e convenientemente, a dormir a sono solto.
Segui o critério – sempre a postos para uma pequena derrogação – e percorri as lombadas do cemitério dos livros não lidos – dava um bom título! – peguei em DeLillo – não, o próprio, que, para além de não gostar de andar com desconhecidos ao colo, julgo eu deambula no momento pelos subúrbios de Nova Iorque – Cosmópolis, para finalmente poder imolar-me numa troca de mimos literários com o Rogério. No entanto, numa espécie de epifania arcangélica, uma lombada em tons de ciano, com letras impressas a negro encimadas pelo logótipo da Teorema, fez-me recuar e reflectir sobre o motivo daquela, em concreto, estar postada ao lado das lombadas dos “não lidos”.
Auto-expliquei-me: com o excepcional ano editorial de 2005 em Portugal, lembro-me que para não ter de rogar a um deus desconhecido que os dias tivessem 48 horas, deixei o último romance de Bret Easton Ellis, Lunar Park, no triste recanto do olvido este tempo todo, ofuscado por outros, porventura menores, não lhe havendo servido de nada a grossa lombada fosforescente que ampara as cerca de 420 páginas.
Bom, a triste conclusão: a tal epifania levou-me finalmente à sua desfloração (outra bela metáfora!)

Enfim, termino com o belo início autobiográfico do livro que não tem uma abertura. Ou melhor, até tem e para não recorrer a uma auto-referência sobre as frases de abertura, aqui fica:

«“Fazes uma esplêndida imitação de ti próprio.”
«Esta é a primeira linha de
Lunar Park e, na sua brevidade e simplicidade, deveria ser um regresso à forma, um eco, da linha de abertura do meu romance de estreia, Menos Que Zero.
«“As pessoas têm medo de se fundir nas auto-estradas de Los Angeles.”
«Desde então, as frases de abertura dos meus romances – por mais bem compostas que fossem – tinham-se tornado demasiado complexas e ornamentadas, carregadas de uma ênfase pesada e inútil nos pormenores.
» (pág. 9)

Ah, é verdade! A citação inicial pertence, segundo BEE – olha, o Abelha! – (epígrafe, pág. 7) ao romance de 1978 Panama do escritor norte-americano Thomas McGuane, considerado como o mais autobiográfico do autor... autor.

Referência bibliográfica:
Brest Easton Ellis, Lunar Park. Lisboa: Teorema, 1.ª edição, Outubro de 2005, 413 pp. (tradução de Maria Augusta Júdice; obra original: Lunar Park, 2005).

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