Estou numa semana da sorte, nuns casos apenas resultado da recompensa do duro trabalho que implica a luta pela vida, noutros é a mera providência, entendida aqui como a aleatoriedade da espuma dos dias, daquilo que fica depois da tenebrosa agitação da simples pretensão pela sobrevivência.
Ontem, a sorte estabeleceu um pacto comigo – o tal que vinha pedindo e ia perdendo no momento da firma –, apenas exigindo como recompensa o fruto do meu esforço que se ia fundindo no desespero dos longos dias em branco, paradoxalmente manchados no mais negro dos matizes: a sombra do desassossego.
Hoje, o tal pequeno nada que tudo significa: Samuel Beckett, o meu sumo-sacerdote na liturgia das palavras, o fiel reprodutor em letras e gestos do negrume da natureza humana; os últimos trabalhos condensados numa pequena encadernação, em edição bilingue, com tradução de Miguel Esteves Cardoso.
Repousava na estante, encafuado numa vulgar embalagem de plástico, entre Watt e Molloy, ou seria Murphy? Talvez Malone…
Wortstward Ho, 1983 (Pioravante marche)
Stirrings Still, 1988 (Sobressaltos)
What is the Word, 1988 (Que palavra será)
Excerto:
«Uma noite estava ele sentado à mesa dele com a cabeça entre as mãos quando se viu a si mesmo a levantar-se e a ir-se. Uma noite ou um dia. Pois quando se apagou a luz dele não ficou na escuridão.»
Abertura de “Sobressaltos” de Samuel Beckett (trad. MEC)
Referência bibliográfica:
Samuel Beckett, Últimos trabalhos de. Lisboa: Assírio & Alvim / Independente / Miguel Esteves Cardoso, 1996 (edição bilingue), 63 pp.
1 comentário:
Estava há que tempos para fazer este comentário e não conseguia... Uma semana de sorte?!? Novidades??? Espero sincera e sofregamente que as haja! Um jantarinho em minha casa este sábado? Beijinhos.
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